Feliz, envia aos familiares e amigos: “Cheguei!”. Depois de 24 horas de voo, fora os longos períodos de espera em aeroportos, o pesquisador do itt Fossil da Unisinos Rodrigo do Monte Guerra aterrissa em Yokohama, do outro lado do mundo. Em terra japonesa, à espera da viagem que veio para mudar sua vida profissional, ele pôde perceber características da cultura nipônica, como a educação do povo e a falta de lixo nas ruas. Em 31 de maio, apenas dois dias após a chegada, deixou a vida em terra firme para embarcar no, como ele mesmo caracteriza, imponente Joides Resolution, navio que conduziria cientistas de diversas nacionalidades em uma das mais importantes expedições científicas do mundo, a 351 do Internacional Ocean Discovery Program (IODP).
O IODP é um projeto internacional de pesquisas marinhas que realiza perfurações e estudos sobre os oceanos em busca de respostas sobre a evolução do Planeta Terra e conta com o apoio de diversos países, incluindo o Brasil. A participação depende principalmente do fato do país estar ligado ao programa. Sabendo disso, Rodrigo enviou uma proposta de estudo e foi selecionado. A expedição 351 partiu com a missão de perfurar o assoalho oceânico próximo à Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico, para coletar amostras da superfície a fim de compreender como iniciou o deslizamento da placa tectônica do Pacífico para debaixo da placa tectônica das Filipinas, e como esse fenômeno evoluiu ao longo do tempo. Este é considerado o local mais profundo dos oceanos, a mais ou menos 1000 km de Yokohama. Ao todo são trinta cientistas que embarcaram no navio para estudar a evolução geológica da região perfurada. O pesquisador da Unisinos é responsável pela datação das rochas. Em sua análise, já encontrou nanofósseis que datam de 26 e 24 milhões de anos atrás, de uma época chamada Oligoceno.
Como o próprio Rodrigo se define, ele é um geólogo de formação e naturalista por entusiasmo. Quando criança, conta que costumava coletar rochas, minerais e conchas. Segundo ele, o fascínio pela natureza e pelo nosso planeta o fez chegar até a geologia. “Sempre me interessei pelas ciências naturais, por aprender sobre as plantas e seus usos, os animais e suas curiosidades, as rochas e a história por trás delas”, explica. A vida acadêmica de Rodrigo foi toda construída na Unisinos. Em 2009, concluiu a graduação em Geologia e, hoje, com apenas 30 anos, já está com o doutorado em andamento. Seu trabalho de conclusão de curso foi o primeiro com o tema microfósseis realizado na Unisinos. E, mesmo antes de se tornar geólogo, Rodrigo iniciou sua carreira profissional no itt Fossil, onde permanece até hoje.
A expedição encerra no dia 30 de julho. Há dois meses a bordo, Rodrigo afirma estar realizando o sonho de quase todo cientista. E, a milhares de quilômetros do Brasil, nos conta, por e-mail, um pouco sobre a sua experiência na expedição 351.
Confira a entrevista
Qual é a sua área de estudo dentro da Geologia?
Dentro da geologia há um ramo muito conhecido e admirado, que é a Paleontologia. Porém a Paleontologia se divide em diversas pequenas áreas, dentre elas a Micropaleontologia (que é a minha área de estudo). Na Micropaleontologia, estudamos organismos de origem animal e vegetal com dimensões muito reduzidas e cuja visualização só é possível com auxílio de lupa e microscópio.
O grupo de microfósseis chamado de nanofósseis calcários é composto principalmente por algas microscópicas que viviam nos oceanos há milhares de anos. Esse grupo é muito importante, pois dentre outras atribuições, dá uma idade para as rochas que estão sendo analisadas. Estes organismos evoluíam muito rápido, ou seja, eles “nasciam” e “morriam” num espaço de tempo geológico muito curto, dessa forma, se eu estiver analisando uma amostra e encontrar determinada espécie, eu sei que estou dentro de um período de tempo bem limitado na história da Terra.
Que trabalho está sendo desenvolvido no navio?
O trabalho que eu faço no navio é basicamente analisar o conteúdo microfossilífero das amostras de rocha que são recuperadas e, através da presença de determinadas espécies, inferir há quanto tempo essas rochas se depositaram. É um trabalho importante, pois os outros pesquisadores conseguem dados muito interessantes sobre como era o ambiente no passado, e eu consigo colocar todos estes dados dentro de um intervalo de tempo.
Quais foram os resultados obtidos até o momento?
A formação e destruição de placas tectônicas é um processo fundamental do planeta Terra, com uma influência determinante na evolução física e química da Terra. Apesar de a ciência conhecer já bem o processo de formação e destruição das rochas que constituem as placas tectônicas, poucas são as evidencias de como esse processo se inicia. Na expedição 351 do IODP estamos trazendo para a superfície amostras de rochas que nos darão pistas para entender como se iniciou o deslizamento da Placa Tectônica do Pacifico debaixo da Placa Tectônica Filipina, e como evoluiu esta zona de subducção ao longo da historia do planeta Terra.
Durante a perfuração do assoalho oceânico prevemos a recuperação de amostras de rochas sedimentares e vulcânicas de períodos anteriores e posteriores a formação do Arco Izu-Bonin-Mariana, oferecendo assim uma oportunidade única para entender como terá iniciado esta zona de subducção.
Ate o presente momento recuperamos apenas as rochas sedimentares que se depositaram nos últimos 40 milhões de anos, em breve creio que atingiremos as rochas vulcânicas provenientes da zona de subducção.
Como é viver em um navio por meses?
A vida aqui no navio é bem tranquila, tirando o fato de, por dois meses, termos uma escala de 12h de trabalho diário, incluindo finais de semana. Há bastante coisa para fazer nas horas vagas, incluindo academia e uma sala com projetor e sofás para ver filmes.
Quais são as diferenças culturais vividas (comida, costumes) dentro do navio, visto que há várias nacionalidades em um mesmo lugar?
É bem interessante a questão das diferenças aqui no navio. Quanto à alimentação, não há muitos problemas, pois existem diversas opções para todos os gostos. Mas o lado pessoal é interessante, pois nós, brasileiros, estamos acostumados a ter mais contato com as pessoas com quem a gente convive, o que, para nós, é um simples abraço entre amigos, aqui isso é um tabu para certas pessoas, como as de origem oriental, por exemplo. Eu trouxe o chimarrão, que a gente é acostumado a repartir entre os amigos para criar um clima de fraternidade e união. No início, o pessoal ficava meio receoso de tomarem todos na mesma cuia, mas agora já conquistei pelo menos três fiéis adeptos, dois americanos e um inglês (foto), que, inclusive, me pediram para enviar um kit chimarrão para suas residências. No mais, é um clima bem interessante e amigável.
Do que mais sente saudade da vida em terra firme?
Acredito que o que mais me faz falta são as pessoas (família e amigos).
Mantendo contato
Para manter familiares e amigos inteirados sobre tudo o que acontece na expedição, Rodrigo criou um diário de viagem. Nele, o cientista explica sobre as atividades, a Micropaleontologia e o dia a dia em alto-mar. Confira!