A sala de aula simultânea
"(...) a melhor forma de construir uma experiência significativa para os alunos é promover um espaço de interação."
Um dos principais debates neste final de 2020, após um ano de atividades presenciais remotas, está relacionado a como será o novo modelo de sala de aula nas nossas universidades a partir de 2021. Nesse semestre, várias instituições de ensino superior, especialmente nos Estados Unidos, têm apresentado experiências e algumas sugestões com relação a concepção e operação do que chamam de Sala de Aula Simultânea (SAS ou Concurrent Classroom)1.
A Sala de Aula Simultânea é aquela onde temos um professor dentro de um espaço físico, com um grupo de alunos presenciais e um grupo de alunos remoto, síncrona e simultaneamente.
Se compararmos com as experiências anteriores que tivemos como professores, tais como aulas presenciais, aulas presencias remotas, aulas online síncronas e assíncronas, a ideia da Sala de Aula Simultânea – embora não seja totalmente nova – apresenta ainda muitos desafios do ponto de vista metodológico, interacional e de engajamento.
Com o objetivo de buscar referências e bons exemplos de práticas, fiz uma pesquisa em diferentes sites de universidades e de notícias relacionados ao ensino superior e apresento abaixo algumas das descobertas na tentativa de contribuir para qualificar as nossas experiência nesta modalidade de interação com nossos alunos.
A experiência de sala de aula simultânea
Segundo Crook e Crook ( 2020), um dos grandes desafios que temos é construir um ambiente no qual os alunos presenciais e remotos se sintam engajados nas atividades. Para os alunos que estão fora do ambiente físico, isso envolve especialmente o acesso ao professor e aos colegas, através de questões que podem ser levantadas verbalmente, ou via chat. Os autores reforçam que o processo de engajamento remoto e presencial é diferente e precisa ser considerado.
Aprendemos bastante durante 2020, e cada um de nós pode buscar no seu repertório estratégias complementares. Crook e Crook (2020) sugerem, por exemplo, a identificação de líderes para realização de discussões e apresentações, podendo priorizar alunos que estão remotamente, pela não necessidade de uso de máscaras. O ponto principal aqui está relacionado a um dos resultados que obtivemos com pesquisa que realizamos na Unisinos com aproximadamente 500 professores sobre sua experiência no ensino presencial remoto durante o ano de 2020: precisamos construir novas formas de protagonismo para os alunos.
Ted Ladd (2020) em um artigo para a revista Forbes destaca a importância de que o professor compreenda a necessidade de projetar essa experiência da sala de aula simultânea. Dentre os pontos apresentados por ele, seleciono aqui dois:
Interação é o foco da atividade síncrona: a melhor forma de construir uma experiência significativa para os alunos é promover um espaço de interação. Nesse sentido, o autor sugere que quando gravamos previamente um vídeo sobre o tema e os alunos assistem antes da aula, isso fortalece o debate e aproxima a experiência dos alunos que estão na sala presencial e na sala remota.
Em 2020 tive uma experiência que corrobora esse processo. Durante o semestre, perguntei aos alunos como poderia melhorar nossa experiência de aula. Eles sugeriram que tivéssemos um breve vídeo sobre o conteúdo gravado, para que pudessem assistir antes, e abríssemos assim mais tempo para o debate. As aulas que realizei a partir desta sugestão tiveram um maior engajamento e consequentemente um melhor resultado, para aquele grupo específico de alunos.
Retomar o percurso do encontro mais vezes durante a aula: é importante que em intervalos de tempo menores o professor retome a agenda e identifique o momento e objetivo da aula, sua conexão com o que passou e o que está por vir. A retomada deste mapa de navegação ajuda na construção de encontros mais longos.
O Teaching and Learning Hub da Universidade de New Hampshire apresenta algumas dicas a partir da compreensão dos diferentes momentos da experiência de aula. Dentre as propostas, destaca-se a importância da transparência na apresentação da atividade acadêmica para que as expectativas sejam bem dimensionadas e não ocorra frustração por parte dos alunos. Aqui cabe destacar as metodologias, os entregáveis durante o semestre, e as plataformas e tecnologias de apoio.
O Centro para inovação no ensino (Center for teaching innovation) da Universidade Cornell apresenta uma série de sugestões conectadas ao antes da aula e durante a atividade. A proposta da universidade é bastante robusta e a leitura da matéria no site (https://teaching.cornell.edu/resource/facilitating-person-classes-remote-students) pode ser um bom caminho para o desenho das aulas.
Dentre as dicas para a preparação, cabe destacar a importância de evidenciar o papel de cada um e a dinâmica do semestre. Esses papéis incluem a identificação de alunos que possam ser moderadores de chat e também responsáveis por eventualmente anunciar as questões que são recebidas online. O professor deve também identificar formas de interação entre os alunos, misturando os grupos em espaços como grupos de discussão, salas menores na plataforma online e também pesquisas enquete online.
Embora as propostas analisadas nos textos sejam diversas e complementares, a maioria delas dialoga com a necessidade de ampliar o protagonismo dos alunos, respeitar as diferenças entre os ambientes, construir engajamento a partir destas diferenças e utilizar tecnologias que promovam a construção de um espaço único para todos os alunos.
Um ponto importante nesse contexto é a potência que se revela a partir do momento em que reconhecemos os alunos como protagonistas da experiência de sala de aula. Além da ampliação de suas responsabilidades e papéis, cabe destacar a importância da sua interação com os colegas (peer-to-peer) para a promoção da aprendizagem individual e coletiva. Nesse caso, as fronteiras entre o presencial e o remoto desaparecem quando compreendemos a tecnologia como meio e espaço para a promoção da interação e do engajamento.
Essa perspectiva da sala de aula simultânea aqui explorada, reforça um dos aprendizados que identificamos em 2020 e que deve ser ampliado em 2021: a preparação da aula. No contexto da SAS, esse processo se torna mais complexo, e é necessário planejar considerando os dois grupos de alunos. Assim, uma possibilidade para os professores é construir um planejamento geral, que considera questões como tipo de atividade e como ela ocorrerá presencialmente e remotamente, quais os materiais de apoio e preparatórios, objetivo e papéis dos alunos no processo. Além disso, a abertura para o debate e para a reorganização do planejamento é fundamental. Para isso, os professores podem utilizar dinâmicas de fechamento das atividades identificando além dos pontos positivos e pontos que podem ser melhorados, sugestões de mudanças para o próximo encontro. Esse plano pode ser feito, por exemplo, conforme as dimensões abaixo:
Tema da aula Objetivo da aula Abordagem do professor (aula expositiva, etc) Dinâmica na sala presencial Dinâmica na sala remota Material de apoio prévio Tecnologias de apoio e plataformas Papéis dos alunos e professor O que poderia ser diferente semana que vem?
A perspectiva de maior protagonismo do aluno e abertura para o repensar do planejamento tornam o projeto da nossa aula uma experiência adaptável e flexível, que se constrói e se redefine a partir de cada grupo de alunos, respeitando o valor das diferenças e a importância da escuta. As tecnologias, nesse caso, são ferramentas complementares para promover a interação entre todos os alunos. Ferramentas como Padlet e Miro são alternativas para isso, e podem manter o diálogo e a interação para além do horário da aula.
O ano de 2021 se configura como mais um passo no constante processo de aprendizagem que vivemos como professores. Nossas competências devem a partir disso se ampliar, e nosso papel na construção de uma experiência significativa de aprendizagem deve ser ainda mais relevante.
Alguns anos atrás, a partir de nossas pesquisas sobre o espaço físico, discutimos em nosso grupo o conceito de sala de aula ideal, chegando a conclusão de que a sala ideal é a não sala, pois – na prática – o espaço se configuram frequentemente como um gargalo, um limitador de nossa potencial experiência a partir das fronteiras físicas e virtuais que se estabelecem. Talvez a possibilidade de simultaneidade, flexibilidade e de adaptabilidade constante sejam caminhos para um novo conceito, que revela o contexto metaprojetual que configura a não sala.
Independente da nomenclatura ou mesmo da configuração destes espaços, o importante é que seremos mais uma vez todos protagonistas de uma construção coletiva e colaborativa.
No momento em que vivemos, acredito que nada pode ser mais poderoso do que isso: a possibilidade de construir o novo, se transformar e transformar o outro através de uma educação democrática, inclusiva e adaptativa.
Acredito que esse é nosso papel como professores e alunos.
Autor: Prof. Dr. Gustavo Borba
Para saber mais:
1- Cornell University – Center for Teaching Innovation –https://teaching.cornell.edu/resource/facilitating-person-classes-remote-students
2- Crook, Amy; Coork, Travis. 6 Tips for Teaching Online and In Person Simultaneously (Inside Higher Ed). August 26, 2020. https://www.insidehighered.com/advice/2020/08/26/strategies-teaching-online-and-person-simultaneously-opinion
3- Ladd, Tedd. Optimizing Concurrent Classrooms: Teaching Students In The Room And Online Simultaneously. Enterprise Tech, Jun 19, 2020. https://www.forbes.com/sites/tedladd/2020/06/19/optimizing-concurrent-classrooms-teaching-students-in-the-room-and-online-simultaneously/?sh=7e15a0043451
4- Mason, Julie. How Do I Teach Online and In Person at the Same Time? Your Questions, Answered Here’s how to make technology work better for you https://www.weareteachers.com/teaching-online-and-in-person/
5- University of New Hampshire – teaching and learning resource hub: https://mycourses.unh.edu/courses/69598/pages/tips-for-success-in-the-concurrent-classroom