O dia 30 de agosto ficará marcado na história da Unisinos. A data simboliza o recebimento dos Arquivos Digitais do Sistema Nacional de Informação – SNI. A entrega oficial aconteceu no campus Porto Alegre. No mesmo prédio em que nos tempos da Ditadura, era o Instituto Pastoral da Juventude – IPJ, mais conhecido como Casa da Juventude. O local foi testemunha da formação de lideranças no período da repressão e, muitas vezes, abrigou refugiados políticos.
Quem abriu a solenidade foi o diretor da Unidade de Apoio de Serviços Acadêmicos, Artur Jacobus, que agradeceu ao organizador do acervo e coordenador do Núcleo de Estudos Sobre o Regime Militar, professor Grimaldo Zachariadhes, pelo material recebido. “ Nos últimos anos, tenho me assustado com o discurso de uma minoria, que ganha força nas redes sociais, de que a Ditadura, um período de sombras, foi uma era de ouro. É preciso trazer à luz e tornar pública as sombras daquela época. Toda a tortura, os porões, a censura e a repressão”, afirmou. Artur lembrou que a Biblioteca da Unisinos é um local público, ainda que não estatal, aberto a toda comunidade. “Estamos gratos por esse trabalho e honrados por sermos guardiões desses arquivos, que fortalecem nossa rejeição a toda forma de totalitarismo e dão força à democracia”, ressaltou.
Em seguida, o professor Solon Viola, fez uso da palavra. “Essa história faz parte da minha vida. Foi na Unisinos que recebi minha anistia”, desabafou. Para o professor, o país não conhece a história da tortura e dos assassinatos. “Os documentos buscam afastar a política do esquecimento e resgatar a memória”, destacou. O decano da Escola de Humanidades, Adriano Naves de Brito, disse que os arquivos são uma chance de conhecer nós mesmos em um encontro de gerações. “Não queremos apenas conhecer a força do monstro que foi o SNI, mas a história das pessoas que resistiram a isso”, afirmou.
O reitor da Unisinos, padre Marcelo Fernandes de Aquino, falou da importância dos documentos. “Confiar esse arquivo à pesquisa é muito importante. Agradeço a oportunidade da Unisinos ser a fiel depositária deste acervo, de um tempo de repressão e vergonha”, enfatizou.
Após as falas oficiais, Grimaldo transferiu a guarda dos Arquivos Digitais do SNI – Agência RS para a Unisinos e, em seguida, fez uma breve fala sobre o acervo. O historiador que fez parte do grupo Tortura Nunca Mais e da Comissão da Verdade do estado da Bahia, também integrou o projeto Memórias Reveladas do Arquivo Nacional. “Percebi a necessidade de devolver esses documentos ao local de origem. Muitas pesquisas não avançam por dificuldade de acesso a esse acervo” destacou.
O professor explicou que o SNI tinha a função de deixar quem estava em Brasília informado dos acontecimentos de cada região. “Era um órgão de informação que fazia pareceres sobre possíveis suspeitos, que depois seriam perseguidos pelo órgão de repressão do regime”, explicou. Segundo o pesquisador, o Rio Grande do Sul tem o segundo maior acervo do SNI do Brasil, perdendo apenas para São Paulo. No entanto, há uma estimativa de que apenas 20% dos documentos produzidos pelo SNI, que funcionou até 1991, não foram destruídos.
“Entregar esse acervo neste momento, em que a nossa democracia passa por um teste, é ainda mais significativo. Esse acervo vai nos dar uma melhor noção do que foi a Ditadura brasileira. Muitas coisas da Ditadura de outros países também podem ser encontradas nesses documentos”, destacou.
Grimaldo afirmou que, no conteúdo do acervo do Estado, encontram-se alguns documentos ainda não explorado, cabendo aos pesquisadores do tema apurarem as informações inéditas. O historiador salientou ainda a importância do acesso ético ao material. “É preciso ter responsabilidade em relação aos documentos, pois em diversos casos, eles dizem respeito a atividades e informações pessoais da vida dos investigados”, finalizou.
Um marco histórico
O material, reunido pelo projeto de Resgate da História, consiste no mapeamento e coleta da documentação digitalizada nos arquivos do Sudeste e de Brasília. Esses dados ajudam a contar a história política recente dos estados brasileiros durante o período da Ditadura Militar (1964-1985). Foram coletados cerca de 500 mil documentos de vários acervos e instituições.
Em cada região do país, uma instituição foi escolhida para ser o centro de referência do arquivo digital e de se responsabilizar pela guarda e disponibilização dessas informações. A escolha da Unisinos se deu devido ao ambiente que sua Biblioteca oferece e ao seu histórico de preservação da memória, já sendo a guardiã do Memorial Jesuíta. O acervo gaúcho contém 17.635 arquivos, que contam a história da Ditadura no Brasil. A partir de setembro, todo o material estará disponível para consulta.
Ainda na Unisinos
Durante a visita, além do momento solene de entrega dos Arquivos Digitais do SNI, o pesquisador participou de uma agenda na reitoria e capacitou os bibliotecários para o acesso aos documentos. Na noite anterior, o professor ministrou uma palestra sobre o tema para os estudantes da Unisinos. Uma aula sobre a história da Ditadura e a importância da democracia no país.
Grimaldo apresentou aos estudantes alguns documentos que o acervo. “Desbravem esses arquivos, que são quase intocados, porque a Ditadura foi muito pior do que os livros de história contam”, frisou. Na ocasião, o pesquisador também lançou seu livro sobre o tema: “1964: 50 anos depois a ditadura em debate”, em parceria com o Arquivo Nacional.