A série de atentados terroristas em Paris concretiza um cenário previsto há anos pela inteligência ocidental. Países da África e do Oriente Médio convivem diariamente com ataques terroristas e as estimativas de ataques à Europa tendem a aumentar. A desestabilização de países como Iraque, Líbia e Síria e os próprios rumos da Guerra ao Terror criaram um caminho de violência que impossibilita e afasta qualquer diálogo ou aproximação. Enquanto as causas centrais desses ataques não forem resolvidas e a violenta desigualdade e intolerância moldarem as relações entre Estados e povos, o medo e o terror devem perdurar.
Os atentados estão ligados à política externa francesa para a Síria e para o Iraque, mas nem por isso se pode descartar o contexto interno francês. O atentado ao Charlie Hebdo foi perpetrado por cidadãos franceses, o que exige um novo modelo de direitos que não reflita apenas as premissas ocidentais. Há uma alienação dos muçulmanos da cultura dominante, graças, em parte, ao desemprego e à discriminação em bairros mais pobres. Nesse contexto de exclusão, a captação desses jovens por grupos como o ISIS e Al Qaeda fica mais fácil. Essa realidade, que não é apenas francesa, denota uma questão maior para a Europa: como criar condições para que os jovens encontrem o seu lugar na sociedade?
O aumento da competição por empregos e recursos e um discurso de ódio e alienação por parte da direita radical está colocando uns contra os outros e as diferenças baseadas em raça, etnia e religião são usadas para a discriminação e isolamento de grupos, o que tende a se acentuar. A barbárie dos atentados gera ainda mais uma consequência trágica ao oportunizar o crescimento da exclusão, da xenofobia e o ataque à política francesa de imigração. Os próximos dias evidenciarão ações internas de controle de segurança e migração muito mais duras na Europa, o que preocupa pela fácil ascensão de um discurso de exclusão ainda maior e que influenciará as eleições regionais que se aproximam.
A declaração de Hollande, classificando os ataques terroristas como um ato de guerra nos remete ao discurso Bush, no 11 de setembro. Nesse sentido, deve-se esperar uma intervenção maior na Síria e, na tentativa de se legitimar essas ações, a ONU deve receber novas propostas de resoluções para o Conselho de Segurança, com embasamento na legítima defesa da França. Nesse cenário, o resgate das luzes dependerá de uma reconfiguração da atual estrutura histórica.
*Gabriela Mezzanotti é coordenadora dos Cursos de Graduação e Especialização em Relações Internacionais e cocoordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello ACNUR/UNISINOS