Antes de sair de casa, você verifica as condições climáticas informadas pelos usuários do Sunshine. No café da manhã, utiliza a internet da padaria para acessar as notícias do dia, com a senha compartilhada por outras pessoas no Wifi Magic. A caminho do trabalho, fica preso em um congestionamento e reporta o acidente prontamente no Waze. Para solucionar dúvidas a respeito da origem de uma data comemorativa, acessa a Wikipédia.
A colaboração já modificou a sua vida – e talvez você ainda não tenha percebido. Antes, era necessário conversar com amigos e parentes para conhecer indicações de filmes e livros. Agora, basta acessar o IMDb e o Skoob para ler resenhas e recomendações. É inegável que o avanço da tecnologia encurta distâncias, facilita a interação e potencializa as relações, mas chegou a hora de se apropriar desses recursos para fazer a diferença na vida em comunidade – na rua, no bairro e na cidade.
Os olhos da cidade
Uma calçada com pedras quebradas pelas raízes de uma árvore é um exemplo de ausência do poder público. Uma negligência da Prefeitura, que não consegue garantir acessos de qualidade à população. Uma pequena amostra do desperdício de recursos e da má aplicação do dinheiro arrecadado. Conclusão: trata-se de um problema dos outros, e não seu. Concorda?
Se a resposta foi positiva, talvez seja o momento de repensar alguns conceitos. Ainda que promover mudanças institucionais não esteja ao alcance da população, participar ativamente da vida em comunidade e contribuir com soluções para problemas comuns é a tendência de comportamento nas supercidades.
“Esse futuro é inexorável. A população vai se apossar da tecnologia para divulgar as informações às quais tem acesso”, argumenta Luiz Paulo Luna de Oliveira, professor do Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada da Unisinos. “Cada cidadão vai funcionar como se fosse um olho da população. E a população precisa de meios para colocar essas informações disponíveis para todos os outros cidadãos.”
Para Luiz Paulo, a tecnologia tem um papel central para tornar esse futuro possível, já que fortalece a comunicação entre a população. “As grandes revoluções ocorrem sempre ladeadas por revoluções das tecnologias da comunicação”, aponta ele. “Mais do que uma tendência, o compartilhamento de informações é um fator tradicionalmente humano e que tende a se expandir ao seu mais alto grau com as tecnologias da informação e comunicação (TICs). Acho que, hoje, as TICs tendem a ser as principais protagonistas de uma próxima revolução, elas próprias.”
Tecnologia cria comunidades inteligentes
O smartphone e a internet são armas poderosas para melhorar a vida nas cidades. Combinando conexão móvel e geolocalização, é possível criar uma rede colaborativa e reunir pessoas com objetivos comuns.
Só que, para que essa interação renda frutos, a população precisa conhecer o potencial da tecnologia. É isso que defende o professor Daniel Bittencourt, coordenador da graduação em Comunicação Digital da Unisinos. “As pessoas só adotarão as tecnologias se elas forem fáceis de usar e tiverem utilidade em seu cotidiano. Se não houver essa percepção de valor, de nada vale a tecnologia para o usuário comum”, argumenta.
Quando isso efetivamente acontece, o resultado tende a ser positivo: “É a população, ou os coletivos, se apropriando das tecnologias dadas e oferecendo novos usos para sociedade”. Alguns sites e aplicativos apostam na governança colaborativa para beneficiar as cidades e a população – em temáticas que vão de infraestrutura urbana até segurança pública.
Waze
Provavelmente você já conhece o aplicativo, que alcança uma base de usuários superior a 50 milhões, segundo estatísticas oficiais. Atualizado pelos próprios usuários, o app permite reportar congestionamentos, acidentes, buracos, blitzes policiais e até preços de combustível.
Com os dados informados, o sistema calcula rotas e mostra ao condutor os caminhos mais rápidos para o destino desejado. É uma espécie de GPS atualizado em tempo real e sustentado pela colaboração de cada usuário. O resultado final é um trânsito menos congestionado, que gera economia de tempo e de combustível.
Colab.re
Criado em Recife, o aplicativo Colab.re é uma espécie de ponte que aproxima a população do poder público, estimulando a prática da cidadania. Por meio do app, você pode informar paradas de ônibus vandalizadas, buracos no asfalto e postes com lâmpadas queimadas, por exemplo, para que a prefeitura tome as medidas necessárias. Mas isso só é possível porque algumas cidades compraram a ideia e são parceiras do aplicativo. Atualmente, mais de 80 prefeituras em todo o Brasil utilizam o Colab.re como canal de relacionamento, incluindo Porto Alegre, São Leopoldo e Pelotas.
Para fazer a gestão das solicitações e encaminhar soluções, o poder público tem acesso ao painel de monitoramento da plataforma, em que são registradas todas as demandas dos usuários. Também há espaço para comunicação: a prefeitura mantém o usuário informado sobre o andamento da solicitação, e o cidadão pode cobrar agilidade do órgão público.
Criado em 2013, o aplicativo já conta com mais de 100 mil usuários espalhados por todo o Brasil, e tem como principal missão tornar a gestão pública mais transparente, derrubando as barreiras que separam você das pessoas responsáveis por gerir e aplicar os recursos públicos.
Onde fui roubado
Com versões para internet e para smartphones, o Onde fui roubado é uma plataforma em que os usuários reportam furtos e acidentes. As informações pontuais são armazenadas na base de dados e utilizadas para montar estatísticas que informam a população.
Imagine, por exemplo, que você vá visitar uma cidade onde nunca esteve antes. O plano é desembarcar do ônibus e caminhar até o primeiro ponto turístico da sua lista. Com o Onde fui roubado, é possível descobrir as zonas com o maior número de assaltos, as avenidas que devem ser evitadas e as ruas mais seguras. Por meio da tecnologia, a informação é difundida e se torna acessível.
Além de ajudar a população, o sistema serve como base de dados – ainda que não-oficial – para o Governo, que pode comparar as informações com os crimes registrados por meio dos boletins de ocorrência. De acordo com estatísticas do projeto, mais de 1,3 milhão de brasileiros já registraram crimes na plataforma.
Chega de Fiu Fiu
No consultório, no shopping, no transporte público, na rua. O assédio sexual é um problema que não respeita muros, não é inibido pela presença de outras pessoas. E é essa onipresença do assédio que o torna tão complexo de monitorar, registrar e mapear.
Criada em 2013, pelo movimento Think Olga, a Chega de Fiu Fiu é uma campanha de combate ao assédio sexual em espaços públicos. Na plataforma, é possível compartilhar histórias de assédio – anonimamente ou não – e denunciar casos de abuso que tenham sido testemunhados.
Com os dados informados, o site mapeia as ocorrências e identifica os lugares mais incômodos e perigosos para mulheres no Brasil. O combate ao assédio é feito de maneira colaborativa – em prol das mulheres.
GUGA
Não basta colher, registrar e mapear as informações divulgadas pela população, é preciso tratar os dados e apresentar mapas de densidade de cada ocorrência, para efetivamente contribuir com a comunidade. É isso que defendem os professores Luiz Paulo Luna de Oliveira e Marta Becker Villamil, do Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada da Unisinos.
A dupla é responsável pelo projeto GUGA, desenvolvido para apresentar ao Governo e aos cidadãos uma visão geral referenciada para cada tipo de ocorrência – incluindo acidentes, roubos, buracos, falta de iluminação, tráfico de drogas etc.
Mas não é só isso. O projeto também se propõe a identificar correlações entre os diversos tipos de ocorrência, para descobrir as causas de cada problema. “Por exemplo: numa cidade, as regiões onde mais ocorrem roubos são A e B. Digamos que as frequências de ocorrências nas duas regiões sejam iguais a 20% do total da cidade em questão. Nada indica que as causas dessas altas frequências de roubo sejam as mesmas, portanto isso demanda do governo medidas mitigadoras distintas”, explica Luiz Paulo.
Como resultado dessa iniciativa, há benefícios para a população e o Governo. “O GUGA permite que o cidadão participe da governança de sua comunidade, provendo informações que, processadas computacionalmente, ajudarão aos governos a aplicarem melhor os recursos disponíveis”, conclui o professor.
A universidade como gatilho para a interação
Como melhorar a vida em comunidade? Qual o papel da academia na criação de soluções para o coletivo? Dentro da universidade, a temática social é constante inclusive nos cursos voltados à inovação, como a graduação em Comunicação Digital. “Temos um programa de aprendizado inteiro que utiliza a inovação social como norte”, comenta o coordenador do curso. “Os alunos são tencionados a pensar em formas de resolver – ou, pelo menos, minimizar – problemas sociais utilizando comunicação, tecnologia e design.”
E a iniciativa rende frutos. “Em dois anos, vimos nascer diferentes aplicativos e plataformas que dão um novo tratamento a temáticas complexas como o uso racional da água e o trabalho escravo”, revela Daniel.
Em 2016, ganharam destaque o Imigrow, uma plataforma criada para receber, orientar e encaminhar imigrantes africanos e centro-americanos no Brasil, e um aplicativo que trabalha com Economia Circular, estimulando a troca e o reuso de brinquedos entre as crianças.
Para Daniel, o diferencial do curso é ensinar o caminho e apresentar a metodologia aos alunos, sem detalhar um roteiro fechado para construção dos aplicativos. “O percurso é deles. E o mais incrível é que eles sempre são capazes de, com sua inteligência e sensibilidade, criar novas formas de resolver problemas que nos incomodam todos os dias”, orgulha-se.