O neurocientista espanhol Rafael Yuste subiu ao palco do Teatro Unisinos, no campus de Porto Alegre, nesta quarta-feira (5/7), como terceiro conferencista do Fronteiras do Pensamento 2023. A edição, que tem como tema principal “Entre o caos e a ordem”, contou com a presença de Rafael para uma discussão sobre os mistérios do cérebro humano e os inovadores neurodireitos.
Rafael é um dos idealizadores do projeto Brain (cérebro, em inglês), financiado em 2013 pelo governo de Barack Obama, nos Estados Unidos, com um investimento de US$ 1,6 bilhão. A iniciativa tem como objetivo realizar pesquisas voltadas para o entendimento do cérebro humano e seus circuitos neurais, a fim de encontrar soluções para transtornos mentais, como ansiedade, depressão, epilepsia, Alzheimer e Parkinson.
“A ideia do Brain surgiu quando estávamos em uma reunião na Inglaterra discutindo o porquê da neurociência não avançar. Eu propus: ‘Como é um problema técnico, temos que mapear todos os pixels e medir a atividade de todos os neurônios’, mas houve muitas críticas de que não poderíamos fazer, que seria muito caro e não saberíamos como analisar os dados”, comentou Rafael sobre a criação do projeto. “Mas, para a minha sorte, George Church, um dos impulsores do projeto Genoma Humano, estava ao meu lado e disse que eu estava certo e que a mesma coisa tinha acontecido com o projeto Genoma Humano, mas eles conseguiram o dinheiro, souberam analisar os dados e revolucionaram a medicina”, observou o neurocientista.
O cérebro humano: pixel por pixel
Para Rafael, um problema do método de análise da neurobiologia é estudar neurônio por neurônio para descobrir como eles se relacionam com o comportamento do ser humano. É basicamente a mesma coisa que analisar cada pixel da tela de uma televisão para entender toda a imagem que está aparecendo. “Temos que desenvolver uma nova tecnologia para entender a atividade de todos os neurônios do cérebro. É possível que ele funcione como a tela de uma televisão. Temos que desenvolver a neurotecnologia para mapear as atividades dos neurônios e para mudar as atividades deles”, enfatizou Rafael. Segundo ele, sem esse passo, não será possível ajudar os pacientes com transtornos mentais. “Um paciente com esquizofrenia não será ajudado sem que entremos no seu cérebro e o reprogramemos para curá-lo”, comentou.
O neurocientista também ressaltou que, após a implementação do projeto nos Estados Unidos, outros lugares do mundo abraçaram a iniciativa. Rafael contribui com projetos semelhantes na União Europeia, China, Japão, Austrália, Coreia do Sul, Canadá e Israel para a formação da Iniciativa Internacional do Cérebro (IBI).
Os novos direitos humanos: neurodireitos
“Como médico e cientista, acredito que a neurotecnologia pode nos ajudar a curar doenças, e temos a obrigação urgente de desenvolvê-las. Mas, como todas as tecnologias na história da humanidade, ela pode ser usada para o bem e para o mal, como o fogo, a imprensa, os aviões e a energia nuclear, por exemplo”, alertou Rafael.
Por esses motivos, em 2017, o neurocientista e outros cientistas do Brain, pesquisadores, neurocirurgiões, advogados e filósofos formaram o grupo Morningside, com o propósito de estudar os problemas éticos decorrentes da neurotecnologia. Juntos, eles concluíram que esta é uma questão de direitos humanos. E criaram os neurodireitos, que já estão presentes na Organização das Nações Unidas (ONU) e até já alteraram a legislação no Chile.
O projeto traz a proposta de cinco neurodireitos para proteger o cérebro e a mente dos seres humanos. O primeiro é o direito à privacidade, para que ninguém, utilizando artifícios externos, possa se apropriar do conteúdo da atividade cerebral do outro sem o consentimento da pessoa. O segundo é o direito à personalidade, para que a integridade mental das pessoas não seja alterada pela tecnologia. “Isso já aconteceu em pacientes que têm marca-passos cerebrais, por exemplo, para o tratamento do Parkinson. Alguns já tiveram eletrodos inseridos em locais indevidos e, quando são ativados, até param os tremores, mas acabam mudando a personalidade da pessoa”, contou Rafael.
O terceiro é o direito ao livre-arbítrio, para que as pessoas tenham autonomia em suas escolhas sem que sejam manipuladas por alguma tecnologia. “É algo que nunca havia gerado preocupação antes, mas os experimentos com camundongos deixaram os animais como se fossem marionetes. Colocávamos uma imagem em seus cérebros conforme o que queríamos que eles fizessem”, disse Rafael.
O quarto é o direito ao acesso equitativo, para que a neurotecnologia seja universal, garantindo a democratização. O último é o direito à proteção da manipulação cerebral, para que nenhum conteúdo seja implantado na mente de alguém como se fosse uma ideia autoral. Rafael defende que os países devem começar a se preocupar com os dilemas decorrentes do desenvolvimento da neurotecnologia.
“Precisamos atuar de forma local e global. O Chile aprovou uma emenda constitucional que protege a atividade cerebral como um direito fundamental dos cidadãos. É o único país do mundo com proteção constitucional para neurotecnologias.”, comentou o neurocientista. “Estamos trabalhando para incluir alguns desses neurodireitos nos tratados de Direitos Humanos ou, ainda melhor, criar um novo tratado de Direitos Humanos que proteja o cérebro das pessoas.”
Fronteiras vai até outubro
Esta foi a terceira conferência do evento, que é realizado presencialmente no campus de Porto Alegre da Unisinos. O Notícias Unisinos esteve presente no primeiro encontro, que contou com a jornalista espanhola Rosa Montero, e também no segundo, com a vencedora do Prêmio Nobel da Paz Nadia Murad. Ainda serão recebidos o filósofo norte-americano Michael Sandel, no dia 9 de agosto; o documentarista norte-americano Douglas Rushkoff, no dia 13 de setembro; e, para encerrar a temporada, no dia 4 de outubro, o arqueólogo britânico David Wengrow.