O número de nascimentos prematuros aumentou de 7,5%, em 1993, para 15%, em 2004. Em contrapartida, o índice de sobrevivência de bebês nascidos em situações adversas também tem aumentado. “Há 20 anos, nascer prematuro era quase uma sentença de morte; hoje, a taxa de sobrevivência é bem alta”, comemora a pesquisadora Tagma Marina Schneider Donelli, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unisinos, e umas das pesquisadoras do projeto “A maternidade, a relação mãe-bebê e o desenvolvimento infantil no contexto da prematuridade”.
“Há 20 anos, nascer prematuro era quase uma sentença de morte; hoje, a taxa de sobrevivência é bem alta.”
Tagma Donelli, pesquisadora
Os bebês prematuros passam muito cedo pela experiência da hospitalização. Nesse contexto, além de lidar com a ameaça de perder o filho, os pais têm a tarefa de proteger o psiquismo incipiente da criança. Para a pesquisadora, o nascimento de um bebê que necessita de cuidados hospitalares pode representar uma ameaça ao estabelecimento de um relacionamento saudável entre mãe e filho, por uma série de motivos. Relacionamento que, segundo a psicanálise, é importante para o desenvolvimento da saúde mental da criança e da mãe.
A partir de uma revisão da literatura, a professora percebeu uma lacuna deixada pela falta de estudos sobre o processo de constituição psíquica do bebê e da criança. “A medicina sabe muito sobre as consequências físicas, mas a psicologia parece não ter acompanhado este conhecimento”, destaca a professora. “A gente ainda sabe muito pouco sobre o desenvolvimento das crianças que nasceram sob essa condição.”
A pesquisa
Ao todo, são nove casos que estão completando um ano de estudo, no qual está sendo acompanhado o desenvolvimento emocional da criança e da mãe e a relação entre eles. “Para a mãe, é um choque ter um bebê antes do tempo, porque não foi isso que ela imaginou para aquela gravidez”, diz Tagma.
Entre os objetivos do projeto estão: identificar as expectativas e sentimentos sobre a maternidade, a relação com a criança e o futuro do bebê; avaliar as condições emocionais maternas, especialmente os estados ansiosos e depressivos; identificar a presença ou ausência de problemas de desenvolvimento para a criança; e compreender as relações entre a qualidade do vínculo mãe e filho e o processo de constituição psíquica da criança no primeiro ano de vida.
A pesquisadora acredita que este estudo pode contribuir para o debate sobre a prevenção em saúde mental, tendo em vista que o pressuposto da clínica com bebês e crianças pequenas é a intervenção e a detecção precoce de transtornos psíquicos, além de auxiliar na construção de uma intervenção precoce com pais e bebês, especialmente aqueles internados em UTI Neonatal.
Primeiros resultados
“Algumas das coisas que chamaram a atenção é que todos os bebês que a gente acompanhou se desenvolveram bem, apesar da prematuridade”, observa Tagma. Em relação às mães, foi usado um instrumento de depressão e ansiedade no hospital e agora no primeiro ano de vida da criança. “No hospital, nenhuma estava deprimida, não apareceu nenhuma ansiedade além do esperado”, lembra a pesquisadora.
Tagma conta que as mães descrevem a situação de ter seus bebês internados como “horrível” e “assustadora”, dizem que queriam poder fazer mais e que se sentem impotentes. Apesar disso elas estão contentes com a maternidade. “Muitas delas dizem que realizaram um sonho”, destaca a professora.
Na segunda metade do primeiro ano de vida, Tagma diz que as mães têm se mostrado sobrecarregadas: “Quando elas estão no hospital e logo que saem dele, têm muito para fazer. Depois que a coisa estabiliza, parece que elas se permitem cair”. Além disso, nenhuma esquece o que aconteceu. “Não tem nenhuma que diga ‘eu não penso mais nisso’ ou ‘eu já não lembro mais’. Todas mantêm um relato fiel dos acontecimentos; até um ano, elas se lembram de detalhes”, conta a professora. “Só que aquele pesar maior, aquela carga emocional de medo, de culpa, que às vezes aparece lá no início, ainda no hospital parece diminuir durante o primeiro ano.”
A pesquisadora gravou momentos de interação entre as mães e seus bebês, que estão sendo analisados com o auxílio de um programa. “A gente sabe que essa relação vai ter um papel importante não só no primeiro ano, mas ao longo de toda a vida”, enfatiza Tagma. “Nessa relação parece haver uma tendência – e a literatura já apontava um pouco isso – a uma hiperproteção e a uma hiperestimulação”, afirma a professora. Nos casos estudados, por exemplo, algumas mães tentam ditar o ritmo na brincadeira. “A mãe impõe, quer empurrar, como se precisasse estimular para que a criança recuperasse o tempo perdido”, diz. “A gente sabe que isso é um perigo para quando a criança crescer, porque, se isso se mantiver, as crianças não vão aceitar um não, não vão querer obedecer; vão ter dificuldades até de relacionamento, porque vão querer impor as suas vontades.”
Por outro lado, a pesquisadora tem percebido, em alguns casos, certo afastamento emocional das mães: “Delegar muito para outras pessoas, não se ocupar da criança, não se assumir como cuidador principal”, exemplifica. Ou seja, se por um lado algumas mães hiperprotegem, há casos em que elas beiram à negligência. “O bom é quem há outras pessoas ajudando e amenizando isso pra criança. Talvez por isso elas estejam bem”, comenta a professora.
A possível solução
A professora explica que essa tendência a uma superproteção, demonstrada no estudo, poderia ser usada em trabalhos de prevenção, já no hospital. “É uma coisa que poderia ser inserida no programa de atenção aos pais”, explica a pesquisadora, que afirma que alguns hospitais têm esses programas mais desenvolvidos que outros.
“É preciso trazer os pais para a unidade neonatal, oferecer informação, não só sobre aquele momento, mas sobre o futuro da criança”, afirma a professora. Mesmo tendo nascido prematuro, quando o bebê sai da UTI, é porque está bem. Nesse sentido, é importante trabalhar com os pais a ideia de que não precisa haver uma compensação. “O que eles podem fazer é estar junto da criança, continuar cuidando, dando atenção, se envolvendo, mas não precisa haver uma superproteção, porque isso vai ser ruim pra criança em longo prazo”, aponta Tagma.
A pesquisadora observa que, enquanto o bebê precisa das mães, no sentido de correr risco, de poder morrer, de precisar ganhar peso, de precisar crescer, elas se sentem uteis. Porém, quando o bebê vai, cada vez mais, precisando menos destas coisas, muitas se sentem dispensadas. “É preciso valorizar o papel materno no desenvolvimento da criança. Não assustando elas ainda mais, mas mostrando que elas vão ser importantes sempre”, destaca Tagma.