Provavelmente você conhece ou já ouviu falar em algum caso de violência contra a mulher. Infelizmente, eles são mais comuns do que parecem. Todos os dias diversos tipos de abuso são contados na imprensa e também nas redes sociais. As mulheres são desrespeitadas no trabalho, na rua e até mesmo dentro da própria casa. São tantos relatos, que as notícias parecem nos chamar a refletir. Será que os casos de abuso contra as mulheres aumentaram ou ganharam mais visibilidade pela mídia? Independentemente disso, uma coisa é certa. Não da mais para fechar os olhos, precisamos falar sobre mulher, precisamos falar sobre respeito.
“Acredito que o debate que tem ocorrido frente às situações de abuso reveladas na mídia é essencial para a mudança de cultura e para a conscientização sobre a necessidade de refletir sobre os estereótipos de gênero em nossa sociedade. Claro que também surgem posições de pessoas que reforçam a cultura do estupro, mas é somente pelo diálogo que essas posições podem ser questionadas e ter alguma chance de serem modificadas”, afirma a professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Denise Falcke.
Muito se tem falado sobre a cultura do estupro. Para a professora do Programa de Pós- Graduação em Direito, Fernanda Bragato há uma cultura do estupro e uma sociedade machista no Brasil que se manifesta por ações naturalizadas. “Como exemplo, o assédio sofrido pelas mulheres nas ruas, a hipersexualização e objetificação dos corpos femininos, a relativização dos relatos da vítima, a culpabilização desta em decorrência das roupas que veste ou do seu comportamento. Tudo isso gerando um encorajamento e apoiando as agressões sexuais contra as mulheres”, completa.
Ao reconhecer o impulso sexual masculino como natural, a tendência é a minimização da culpa do homem pelo abuso. Quando a mulher assume uma postura ativa, usa roupas mais ousadas ou tem qualquer comportamento que é diferente daquele esperado socialmente, passa a ser vista como culpada pelo abuso sofrido. “Essa é uma situação lamentável, pois qualquer ser humano tem direito a agir do jeito que lhe convier e nenhum tipo de comportamento da vítima pode servir como justificativa para a ocorrência do abuso. Para haver uma relação sexual saudável, ela precisa do consentimento explícito de ambas as partes”, ressalta Denise.
Dados do 9º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que foram 47,6 mil estupros em 2014, quase 7% a menos que em 2013 no Brasil. Apesar disso, um caso é registrado a cada 11 minutos no país. O número é assustador e merece atenção. “Na maioria dos casos, o medo de denunciar o agressor existe por receio de novas agressões. A ameaça e a intimidação costumam estar presente, agravando o receio da denúncia. Contudo, informações sobre os serviços de ajuda e mesmo sobre a legislação tendem a encorajar a denúncia das situações de violência sofridas”, afirma Denise.
A professora ainda destaca que em alguns casos a denúncia é feita como um pedido de ajuda. As mulheres dizem: “queria dar um susto no meu companheiro”, “queria que ele mudasse”. O que reforça a necessidade de espaços de acolhida e escuta a essas pessoas. A estatística do 9º anuário inclui estupros de vulnerável, crime cometido contra menores de 14 anos. Em muitos casos, o abuso acontece por alguém próximo, o que pode dificultar na hora da denúncia. “Porque na maioria das vezes o agressor é também aquele com quem ela tem um vínculo afetivo próximo, um membro da família”, explica Denise.
E esse número de um caso registrado a cada 11 minutos pode ser ainda pior. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que apenas 10% dos casos chegam ao conhecimento da polícia. O medo e a sensação de impunidade podem explicar esse dado. Fernanda diz que são levadas em conta algumas questões como a insuficiência de provas, que não permite manter o acusado preso, ou até mesmo pelas garantias legais que por vezes o liberta antes de chegar ao fim o prazo total da pena. A insuficiência das provas gera uma série de discussões acerca da valoração da palavra da vítima que nesses casos é muito relativizada.
O Código Penal Brasileiro considera atos libidinosos não consentidos como crime de estupro. “Faz isso com o intuito que todos os crimes que atentam contra a dignidade sexual sejam punidos a partir dos mesmos parâmetros e sem estabelecer cada possibilidade de ato violador em tipos penais distintos e, portanto, com penas distintas e a pena máxima necessariamente menor que a do crime de estupro”, afirma Fernanda. Por isso é importante que a denúncia seja feita para que o estuprador seja julgado antes da prescrição do crime.
A professora do PPG em Direito explica que o crime de estupro prescreve em 16 anos a contar da data do fato e no caso de estupro de vulnerável a contagem, se não houver denúncia prévia, inicia quando a vítima completa 18 anos. “Desejável é que a denúncia seja feita assim que possível após o estupro a fim do lastro probatório ser mais contundente com exames de corpo delito e análise do material genético presente nas roupas, por exemplo. Sabe-se que não é fácil para a vítima denunciar o estuprador, mas é fundamental que esta procure ao menos atendimento médico e psicológico”, completa.
Denise ressalta que não existe um tipo de atitude que indique o abuso, mas alguns comportamentos podem estar associados. Quem sofre abuso infantil pode apresentar agressividade, hipersexualidade, isolamento e depressão. No caso das mulheres, geralmente a violência gera baixa autoestima, vergonha e isolamento social. Fernanda destaca que ser respeitada é um direito de todas as mulheres. O desrespeito à liberdade sexual das mulheres é crime e o Código Penal Brasileiro apresenta três tipos legais que tal violação pode configurar, são elas: o estupro, a violação sexual mediante fraude e o assédio sexual.