Pelo direito de existir

Pelo direito de existir

Crédito arte: Karla Oliveira

O ano era 1969. Gays, lésbicas, travestis, drag queens e transexuais de Nova York, como muitos em todo mundo, viviam em marginalizados e com sua sexualidade cerceada. O único espaço de liberdade que eles tinham eram casas noturnas, como o Stonewall Inn, um bar no bairro de Greenwich Village. Mas no dia 28 de junho, o espaço foi alvo de repressão e violência, quando uma batida policial invadiu o lugar em uma ação de homofobia praticada pelo Estado. A repressão da polícia de Nova York no bar não era inédita e já tinha acontecido muitas outras vezes. A diferença é que desta vez os frequentadores, cansados de tanta opressão, decidiram reagir, revidando os ataques dos policiais, dando início ao que ficou conhecido como a Revolta de Stonewall.

Crédito arte: Karla Oliveira / Cena da Revolta de Stonewall, 1969, Nova York.

No aniversário do primeiro ano da Revolta de Stonewall, 10 mil pessoas se mobilizaram em frente ao bar e realizaram uma marcha, que virou tradição. Desde então, a data é celebrada como o Dia do Orgulho LGBT no mundo. Mas infelizmente, a perseguição, discriminação e as violências contra pessoas por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero não ficou isolada a esse episódio.

Só no Brasil, em 2016, foram registradas 343 mortes de pessoas LGBT, contabilizando uma morte a cada 25 horas. O ano passado bateu recorde de registros e violência, de acordo com o relatório do Grupo Gay da Bahia que, há 37 anos, resgata dados e informações no país para revelar até onde vai a homo/lesbo/transfobia.

“Raras pessoas tem oportunidade de romper barreiras”

O que é ser mulher? Ao longo da história essa pergunta recebeu diversas respostas sobre os padrões sociais atribuídos à mulher entre culturas diferentes. O ideal de mulher é constantemente mutável. No século XVI, uma mulher deveria ser gorda para ser considerada bela — a gordura era sinal de fartura e riqueza. Já na década de 1990, a mulher ideal deveria negar a abundância de alimentos que o capitalismo disponibilizava para o consumo, e assim, manter o manequim em um subpeso assustador.

“O que a mulher gorda no século XVI e a mulher magra na década de 1990 têm em comum? Todas em algum momento tiveram sua mulheridade, o seu ser mulher, questionada e todos passaram por situações que diminuam suas capacidades. ”

Crédito: Rodrigo W. Blum / Luiza Eduarda dos Santos é formada em jornalismo pela Unisinos

Luiza Eduarda dos Santos, 41 anos, formada em jornalismo pela Unisinos, ativista LGBT e mulher transexual, ou seja, uma pessoa designada como do sexo oposto ao nascer e que passa por uma transição para ter seu corpo em conformidade com o gênero que se identifica, sabe o que é passar por isso. Afinal, quando se fala de vulnerabilidade, são justamente as travestis e as transexuais que mais sofrem violência.

O relatório do Grupo Gay afirma que , proporcionalmente, uma mulher trans tem 14 vezes mais chance de ser assassinada do que um homem gay. Comparado aos números dos Estados Unidos em 2015 — que registrou 21 trans assassinadas contra 144 no Brasil — o risco de brasileiras morrerem por morte violenta é 9 vezes maior. São elas também quem têm mais chance de morrer na rua, por arma de fogo ou espancamentos.

“Ser mulher trans em um país transfóbico é extremamente difícil”, conta Luiza. Frequentar espaços públicos, como banheiros, fazer o uso do nome social* e conseguir um espaço no mercado de trabalho é um desafio constante. “Mercado de trabalho? O que é isso? Mercado de trabalho para pessoas transexuais praticamente não existe. A maioria está na prostituição, justamente pela falta de oportunidade”, relata. “Raras pessoas tem oportunidade para romper barreiras, é um ciclo de violência que pessoas trans sofrem que as impede de alcançar as oportunidades”, completa Luiza.

Segundo dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis do Brasil (Antra), a expectativa de vida de uma pessoa transexual ou travesti no país é de cerca de 35 anos — bem abaixo da média nacional, estimada pelo IBGE em 75,2 anos. Além disso, 90% das travestis e transexuais brasileiras vivem da prostituição e apenas 5% da população trans tem um emprego com carteira assinada.

O futuro incerto

Como ex-aluna da Unisinos e frequentadora do campus, Luiza, relata que nunca presenciou nenhuma atitude homo/les/transfóbica, mas o medo de acontecer algo está sempre presente. “Felizmente até hoje eu nunca fui expulsa do banheiro feminino, por exemplo, mas não se sabe se vai acontecer ou não, não se sabe, é sempre uma possibilidade em um país transfóbico”, afirma.

Com poucos avanços em políticas públicas — a lei de criminalização arquivada — e o reforço da onda reacionária no país, o relatório do Grupo Gay da Bahia não parece otimista para o resto do ano. Até agora neste ano, 190 pessoas já morreram por serem LGBT’s.

Crédito: Karla Oliveira

O que você pode fazer?

A homo/lesbo/transfobia mata. Ser chamado pelo pronome certo, conseguir andar de mãos dadas na rua sem ter olhares cercando sua caminhada, ter sua sexualidade e identidade reconhecidas são alguns dos direitos básicos que não são garantidos a todos, principalmente, o de conseguir existir, viver plenamente sem medo, sem preconceito, sem julgamento.

Dentro e fora dos muros da universidade, sendo ou não parte da comunidade LGBT, você pode fazer sua parte e apoiar a luta pela garantia de direitos a todos. Quer saber como? Comece tendo empatia, tentando entender o outro, mesmo ele sendo diferente de você. Estar aberto a esta experiência é o primeiro passo para apoiar a luta.

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