Otimismo diante do atraso

Painelistas refletem sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU em evento online

Crédito: Rodrigo W. Blum

Na noite da última quarta-feira (21), o Conexão Pesquisa trouxe quatro mulheres para falar sobre o desenvolvimento sustentável em escala global. O painel teve como título “Como os 17 ODS podem nortear os avanços tecnológicos e impactar nas nossas vidas e carreiras”. A mediação foi do professor Mauricio Mancio, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU fazem parte da Agenda 2030, uma coleção de práticas que visa acabar com a pobreza pelo mundo. São 17 Objetivos que englobam 169 Metas, adotadas pelos países-membros em 2015, com prazos intermediários revistos anualmente.

A aula magna da V SAEP (Semana Acadêmica da Escola Politécnica) ocorre em conjunto com eventos como a XXVII Mostra Unisinos de Iniciação Científica e Tecnológica, a Semana da Extensão (primeira edição) e o III Colóquio de Linguística Aplicada/II Compartrilhando Letras. A soma destes eventos forma o Conexão Pesquisa, que busca ampliar os diálogos entre as áreas de pesquisa, ensino e extensão da universidade.

Na apresentação, o mediador foi rápido em apontar que o evento é feito por, para e pelos alunos. “’Think global, act local’ precisa ser algo sempre presente em nossas carreiras se quisermos atuar em relação aos ODS”, frisou.

Crédito: Rodrigo W. Blum

A primeira panelista a falar foi Anna Addobbati, diretora executiva da Social Good Brasil. A OSCIP tem como objetivo trabalhar dados e novas tecnologias, gerando impacto socioambiental positivo em todo o país. Para ela, a pandemia forçou a emergência de discussões inevitáveis, mas que de outro modo demorariam mais a aparecer na sociedade. “Falar de tecnologia hoje é mandatório. A experiência humana deve ser o foco, para que os impactos sociais não se tornem maiores que o lucro num futuro muito próximo”, declarou.

Crédito: Rodrigo W. Blum

Depois, foi a vez de Amanda da Cruz Costa, ativista negra coordenadora do Grupo de Trabalho sobre os ODS na ONG Engajamundo. Além disso, Amanda está à frente do Climathon Brasil e do Perifa sustentável, dois projetos que falam da aplicação do tema nas cidades, especialmente na periferia. Em sua fala, destacou que o relatório da ONU que criou a Agenda 2030 estabelece cinco pilares para a aplicação integral dos 17 Objetivos: Pessoas, Prosperidade, Paz, Parcerias e Planeta. “As pessoas estão ficando para trás? Quem são essas pessoas? A Agenda 2030 é racista?”.

Longe de desdenhar das diretrizes dos ODS, Amanda lançou a provocação pois acredita que fatores como esses contribuem para que a Agenda 2030 seja pouco divulgada no Brasil. “Apenas 10% da população brasileira sabem sobre as ODS, e só 1% das pessoas pretas no Brasil a conhecem”, explicou.

Crédito: Rodrigo W. Blum

A responsável pelo escritório de Desenvolvimento Territorial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ieva Lazareviciute, concordou com Amanda. “Norte e Nordeste cresceram muito no Brasil, mas ainda têm IDH menor, então o foco do trabalho do PNUD Brasil é nessas regiões para a cooperação descentralizada”, assegurou. Segundo ela, nenhum lugar pode dizer que está com os ODS implantados de forma plena, mas que as universidades são vitais para traduzir os princípios da Agenda 2030 e implementá-la de maneira universal, respeitando as características de cada local. “São três desafios: produtividade, inclusão e resiliência. Com esses três, podemos ter uma evolução do quadro social efetiva, sem a possibilidade de que as pessoas voltem para a vulnerabilidade por conta de qualquer tipo de crise.

Rosane Santos, diretora de sustentabilidade na Iguá Saneamento, declarou que não se pode mais fingir que não se sabe o que está acontecendo. “Não podemos ter vergonha do que estamos vivendo, mas temos que olhar para as nossas realidades e pensar em como agir a respeito. Que figura é essa de realidade que estamos montando?”

Crédito: Rodrigo W. Blum

O moderador Mauricio lembrou que índices como a expectativa de vida melhoraram muito no país no último século. No entanto, o Brasil ainda está longe da erradicação da extrema pobreza e tem uma péssima taxa de acesso ao ensino superior.

O tópico passou, então, para o uso da tecnologia enquanto ferramenta de educação. A questão foi levantada por Rosane, que, a partir dos dados apresentados pela mediação, considerou que a academia é quem promove o pensamento crítico para que a ciência possa, de fato, resolver problemas com origem no social.

Sobre a questão, Amanda lembrou que hoje as pessoas têm uma capacidade de adquirir informações impensadas no século passado. Entretanto, a educação formal continua a perpetuar o padrão neocolonial. “Os nossos celulares estão sendo usados para a transformação social ou para a alienação, passeando por redes sociais, zumbizando?”.

Anna apontou para o que a pandemia da Covid-19 está mostrando nas redes de ensino público. “O celular chegou na periferia, mas a serviço do quê? A internet serve para o quê, nas redes sociais desse público? A galera não consegue acompanhar uma aula a distância.”

Ieva viu essa questão em campo durante a pandemia também. No sertão, com a perda dos mercados, os agricultores homens com mais de 25 anos simplesmente não usavam as redes para vender. Isso foi feito pelas mulheres e pelos jovens.

Apesar de todos os desafios com a aplicação das tecnologias para trazer educação e mudanças reais, as panelistas encerraram a noite com notas positivas. Para Ieva, apesar de tudo, há menos absurdos no mundo de hoje. Para Anna, o que vemos de ignorância nas redes sociais já existia, só não era visto – o índice de adultos que são analfabetos funcionais ainda está na casa dos 70% no Brasil, afinal. “Mas o mundo está melhor. Sinto a diferença, como mulher nordestina, quando volto para visitar a minha terra.”

Rosane afirmou que o otimismo é necessário para que o trabalho em relação aos ODS continue. “Podemos conseguir. Esse otimismo só não pode ser estático, que nos paralisa, que nos deixa na expectativa.” Amanda completou reconhecendo que encarar o que é falado sobre a desigualdade, especialmente a racial, incomoda. “Mas para incomodar vocês hoje, essas coisas precisaram me incomodar todos os dias.”

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