Quando o mundo esperava que ela se fechasse em copas após a descoberta de um linfoma no organismo, Flavia Maoli abraçou o bom humor para afastar a tristeza. Tinha 23 anos na época. Mais tarde, depois de enfrentar o câncer duas vezes, viu que era hora de levar a público o que havia aprendido, de compartilhar a experiência e a esperança pela cura.
Em 2013, criou o blog Além do Cabelo com o propósito de dar dicas sobre alimentação e maquiagem. A página cresceu e inspirou uma nova iniciativa, o Projeto Camaleão: Autoestima contra o câncer, que percorre o país para mostrar uma verdade nem sempre fácil de se perceber: a de que, além da doença, existe vida.
Flavia Maoli será uma das palestrantes do TEDxUnisinos de 2014. Conheça um pouco mais de sua história:
Antes de tudo, queremos saber quem é Flavia Maoli. Já sabemos que, aos 23 anos, você foi diagnosticada com Linfoma de Hodgkin e que muita coisa mudou a partir daí. Fora isso, como você definiria quem é?
Flavia: Difícil se definir, né? Posso dizer que sou uma pessoa que decidiu ir contra o pré-estabelecido e acabou se encontrando pelo caminho. O câncer, apesar de não definir quem eu sou, me fez mudar completamente minha visão de mundo e expectativas de vida – mudei tudo: alimentação, modo de encarar a vida, mudei até minha profissão! Amo tanto o que faço que não enxergo meu trabalho como “trabalho”, mas sim como estilo de vida. Quando fui diagnosticada, era uma menina de 23 anos, estudante de arquitetura. Hoje, sou arquiteta, urbanista, blogueira, palestrante, transplantada e feliz!
Com que idade você está agora?
Flavia: Estou com 27 anos.
“Eu acho que o maior legado que a doença me deixou foi viver um dia de cada vez, criar menos expectativas, curtir mais o que eu estou vivendo no momento – e aprender a encontrar o lado bom dos momentos ruins.”
Flavia Maoli, fundadora do blog Além do Cabelo
Como foi viver (e vencer) o câncer? Que experiência você traz disso?
Flavia: Eu ainda não sei dizer se eu venci o câncer, vou falar sobre isso na palestra, inclusive [do TEDxUnisinos]. Mas eu aprendi a conviver e lidar com a ideia de que esse fantasma vai existir na minha vida – é impossível não temer uma recidiva. Eu acho que o maior legado que a doença me deixou foi viver um dia de cada vez, criar menos expectativas, curtir mais o que eu estou vivendo no momento – e aprender a encontrar o lado bom dos momentos ruins.
O blog Além do Cabelo trata o câncer pela perspectiva do humor e serve de apoio a pessoas que enfrentam a doença. Quando ele foi criado? E como você percebe o começo da página em relação ao que ela é hoje, o que mudou de lá para cá?
Flavia: Criei o blog no dia 20 de maio de 2013, exatamente. No começo, resolvi criar um blog para dividir as dicas que eu havia aprendido com o câncer: maquiagens, alimentação, lenços, como lidar com os efeitos colaterais… Hoje, vejo que as pessoas não querem só saber das minhas dicas práticas, elas querem que eu fale sobre a minha visão em relação à doença, questões mais profundas e complexas do que a parte física. Eu adoro poder ajudar! Felizmente, minha agenda tem estado bem ocupada, o que é ótimo por um lado, mas ruim porque não tenho tido tanto tempo para escrever. Contudo, em breve, as coisas vão se reorganizar, e aí espero poder dividir mais dicas com os leitores – inclusive ter colunistas específicos por assunto (alimentação, saúde, maquiagem, moda etc.).
Com o blog, você tem ajudado muitas pessoas em momentos difíceis a superarem os impasses da vida. Na via inversa, como isso aconteceu? De que maneira o blog ajudou você?
Flavia: O blog me ajudou a ver que eu estava no caminho certo. Ao ver as pessoas me mandando mensagens, tanto de apoio quanto para pedir ajuda, acabei me fortalecendo e acreditando que minha maneira de encarar o câncer é a melhor possível. Quando saí do hospital depois do transplante, não podia fazer quase nada. Tinha que cuidar muito da saúde, não podia trabalhar, passear, tinha que ficar muitas horas em casa. O blog foi uma válvula de escape, foi uma maneira de me manter viva e conectada com o mundo. Além disso, saber que muitas pessoas se baseiam no que você faz para lidar com suas próprias vidas é uma grande responsabilidade, que me faz querer ser melhor para mim e para os outros.
“Qualquer dificuldade é amenizada com bom humor! Além de ser gostoso ser feliz, alegre, leve, existe uma parte biológica no bom humor que ajuda o corpo a se recuperar.”
Flavia Maoli, fundadora do blog Além do Cabelo
O que é e como funciona o projeto Camaleão?
Flavia: O Projeto Camaleão: Autoestima contra o câncer é uma feira itinerante de beleza para pessoas com câncer. Criei o projeto com mais dois amigos: o Leon Golendziner e o Bruno Kautz. Nossa ideia é percorrer o país levando o projeto até quem precisa. Ainda estamos começando, mas estamos no caminho! Levamos profissionais que trabalham com maquiagem, lenços, perucas e consultoria de imagem, para que as pacientes possam experimentar vários looks diferentes e se redescobrir. A ideia é brincar de camaleão mesmo: o animal se adapta ao ambiente para continuar vivendo – é isso que a gente quer passar para as participantes.
O tratamento é uma fase difícil da vida, mas não devemos deixar de nos ver como indivíduos com vontades, desejos, vaidades e alegrias. Muitas vezes, a pessoa começa o tratamento e passa a se ver (e a ser vista) como “paciente”, que está esperando o tratamento acabar para voltar a se sentir bonita e humana. Isso é muito errado! Quanto mais “normais” nós nos sentirmos, melhor nosso corpo lida com o tratamento – mais rápido ele passa e, o principal, não deixamos de aproveitar o momento presente. Um ponto diferencial do nosso projeto também é que buscamos parcerias para que as participantes levem para casa alguns dos produtos que experimentaram na feira. Assim, não é apenas um dia de beleza, mas sim um aprendizado para a vida.
Por que o humor é um dos melhores remédios contra o câncer? Qualquer doença pode ser amenizada com uma boa risada?
Flavia: Qualquer dificuldade é amenizada com bom humor! Além de ser gostoso ser feliz, alegre, leve, existe uma parte biológica no bom humor que ajuda o corpo a se recuperar. Quando estamos tristes, nossa imunidade baixa e temos mais propensão a doenças, o corpo fica desprotegido. Em geral, as quimioterapias por si só já fazem reduzir o número de células de defesa. Se a pessoa ficar triste então, o corpo fica ainda mais debilitado. Por outro lado, quando sorrimos e fazemos o que nos dá prazer e alegria, o corpo se fortalece, trabalha melhor e consegue combater doenças. Não quero dizer que alguém vá sair comemorando quando descobre que está com câncer. É natural termos alguns dias de luto, querer chorar e ficar quieto. É saudável, inclusive. Mas não devemos alimentar a tristeza e o “coitadismo”, temos que pensar que muitas pessoas já passaram por isso e estão ótimas, e que nós em breve estaremos lá também. Não quero dizer também que o bom humor “cure” o câncer, mas certamente faz a pessoa viver muito melhor do que viveria estando triste.