O ano que o mundo – e os professores – nunca vão esquecer

O que mudou, o que se consolidou, que aprendizagens a comunidade universitária leva deste 2020? Para homenagear os guias desta viagem pelo conhecimento, fomos ouvir os mestres e seus alunos

Crédito: Divulgação

De repente, tudo mudou. Era 16 de março e a notícia se instalou na Unisinos: para garantir a saúde de todos – alunos, professores, funcionários –, a única medida segura era começar o processo de migração das aulas presenciais para o ambiente virtual. Seriam dias, semanas, meses? Ninguém conseguia prever. Estava inaugurado o tempo da incerteza, da insegurança, da transformação radical. No interior das suas casas, os professores passaram a correr contra o tempo. Em três dias, todos os planos de aula organizados para a vida escolar presencial tiveram que ser modificados. No lugar do olho no olho, classe, cadeira, lousa, somente a tela do computador. Entrava em vigor um novo modo de ministrar aulas. Nem a expressão EAD resistiu à nova fase: o que passamos a conhecer foi atividade emergencial remota, aulas diárias, no mesmo horário das presenciais, no formato síncrono, para a mesma turma de alunos.

Hoje, no lugar dos prédios divididos em blocos, o que os alunos veem são seus cantos de estudo. Não é preciso pegar mais ônibus, nem dirigir até a Unisinos, mas é necessário estar de olho no calendário com o link da aula, que agora indica a nova hospedagem numa grande plataforma em que alunos do mundo todo estão dividindo neste momento: o Teams.

“A aula remota é uma nova linguagem. Não temos o mesmo feedback daquilo que a gente chama, em teorias da comunicação, de ‘mídia primária’. Ela exige a presencialidade dos corpos, e isso faz muita diferença”

Ronaldo Henn, professor da Escola da Indústria Criativa

Novos sons, padrinhos e habilidades

Das tantas adaptações, uma das mais desafiadoras para o professor Márcio Gomes, 42 anos, foi aceitar que não conseguiria evitar a presença sonora dos filhos que volta e meia adentra a sala de aula: “Eles fazem muita bagunça, barulho e gritos. Muitas vezes, o som deles vaza durante reuniões ou aulas”, conta Márcio, pai de gêmeos de 8 anos de idade. Mas ele sabe que isso é a realidade para diversas outras pessoas. “É muito comum ouvir sons infantis ou até invasão durante reuniões”, explica, entre risos, o docente da Escola Politécnica da Unisinos. Mas essa não foi a única alteração em sua vida acadêmica. Acostumado, como conta, a se apoiar no quadro físico para “desenvolver raciocínios, fazer gráficos, modelos e discutir ideias com os alunos”, Márcio precisou correr atrás de novas metodologias de ensino para dar conta do processo.

Com mais de duas décadas de experiência na Escola de Direito, o professor Lenio Streck, 64 anos, faz uma analogia para explicar como está encarando essas mudanças: “Fiz uma adaptação darwiniana diante desse desafio. A pandemia é aquilo que Freud chama de ‘angústia real’. É contra o que não estamos preparados. E então, temos de lidar com isso”, diz. Lênio arrisca um palpite sobre o futuro do ofício: “Penso que nunca mais seremos os mesmos. Nem os alunos. Claro, nada substitui uma aula presencial, porém tínhamos e ainda temos de encarar essa angústia”.

Crédito: Arquivo Pessoal – Para o professor Lenio Streck, nunca mais os docentes serão os mesmos, nem mesmo os alunos

Em meio ao caos, a alegria e a emoção invadem a aula

Lovaine Rodrigues, 46 anos, acredita que a pandemia tornou ainda mais importante o sentimento de parceria que se estabelece entre professores e alunos, e alunos com os colegas. “O que mais me encanta é o carinho recíproco que, mesmo atrás da tela, modula o processo de aprendizagem que sempre caracterizou meu estilo de ensino”, comenta a professora da Escola de Saúde. Como exemplo, destaca um acontecimento que emocionou a turma: em meio às aulas remotas, um dos estudantes teve confirmado seu pedido de adoção de uma criança. “Todos da turma nos sentimos padrinhos daquele pequeno milagre. Ela participou de algumas aulas e pudemos vivenciar uma etapa do seu desenvolvimento”, lembra.

Crédito: Arquivo Pessoal – O que mais encanta a professora Lovaine Rodrigues é o carinho recíproco que, mesmo atrás da tela, modula o processo de aprendizagem

Há 25 anos na Unisinos, o professor da Escola da Indústria Criativa Ronaldo Henn destaca que os docentes estão tendo o grande e enriquecedor desafio de experienciar uma nova linguagem para seguir o ofício: “A aula remota é uma nova linguagem. Não temos o mesmo feedback daquilo que a gente chama, em teorias da comunicação, de “mídia primária”. Ela exige a presencialidade dos corpos, e isso faz muita diferença”, diz. Dentre os aspectos positivos deste momento, Ronaldo sublinha a utilização de outras ferramentas interativas, a possibilidade da gravação das aulas e o aprendizado coletivo dos alunos, professores e da instituição, mesmo em casa.

Nunca se precisou tanto dos professores

Na retaguarda dos 1.200 professores da Unisinos, estão também professores em postos de gestão. Diretora da Unidade Acadêmica de Pesquisa e Pós-Graduação da Unisinos (UAPPG), Dorotea Kersch ressalta o significado do que estamos passando. “Vivemos o momento mais difícil da história. Nunca se precisou tanto dos professores, e nunca os professores precisaram tanto de apoio. Uma coisa boa da maturidade é que sabemos que sempre há saída”, acredita.

Para o diretor da Unidade Acadêmica de Graduação (UAGRAD), Pe. Sérgio Eduardo Mariucci, o Dia dos Professores deste ano lhe dá a oportunidade de fazer uma homenagem especial: “A celebração desse dia traz a singularidade do tempo que estamos vivendo. Quando a pandemia nos impôs o recolhimento, os professores nos abriram a possibilidade de continuar o ano letivo”, ressalta.

Crédito: Juliana Borgmann

Pe. Sérgio destaca ainda o enorme engajamento dos docentes com a rápida resposta naquele curto tempo de migração das atividades presenciais ao remoto. “O mérito deles nessa época inédita é reconhecido pelos alunos nas mais diversas e criativas formas de expressão de gratidão ao longo do semestre passado e também deste. Um modo de agradecer aos professores é mostrar-lhes o futuro que eles estão abrindo aos seus alunos por meio de suas aulas. Que belo trabalho”, elogia.

Cursos e gerações diferentes em um mesmo desafio

Se para os professores a mudança trouxe talvez um dos maiores desafios enfrentados ao longo do percurso acadêmico, para os estudantes, fez balançar as estruturas de aprendizagem e de entendimento de ensino. Verônica Pavani, 23 anos, aluna de Filosofia, aponta que, no começo, foi difícil a adaptação às aulas a distância. Entre os obstáculos, os problemas técnicos, a improvisação de um espaço de estudo e a ausência do ambiente universitário, tão rico para o desenvolvimento pessoal. “Sinto falta da sala de aula cheia de gente, de conviver com os colegas no diretório acadêmico e de um espaço mais calmo para estudar, como o laboratório da pesquisa”, lamenta.

Para Dilmara Farias, aluna de Direito, a passagem do formato presencial para o remoto foi complicada, especialmente pelo desafio de se integrar às plataformas digitais. Aos 58 anos, ela admite que pensou em desistir. “Confesso que eu estava com muitas dúvidas. Pensei na minha idade, no ritmo da universidade. As aulas remotas trouxeram o desconhecido, uma certa frustração de não poder estar no campus, de interagir com colegas e professores presencialmente, pois me preparei para isso”, comenta a estudante, que está em início de curso.

“Consigo notar que meus professores estão tentando dar o seu melhor. Não poderia deixar de agradecer a eles por todo o esforço que estão fazendo para prestar um ensino de qualidade”

Verônica Pavani, 23 anos, aluna de Filosofia

Graças à parceria de seus mestres, ambas estão conseguindo vencer as dificuldades desse momento. “Consigo notar que meus professores estão tentando dar o seu melhor. Não poderia deixar de agradecer a eles por todo o esforço que estão fazendo para prestar um ensino de qualidade”, comenta Verônica. O mesmo sentimento é dividido por Dilmara, que vai além: “Aprendi que não é preciso estarmos juntos presencialmente com os professores e colegas, mas que é preciso estarmos juntos no comprometimento, na solidariedade, na paciência e, principalmente, ajudar o outro a também vencer as dificuldades”, afirma a estudante, que conta com o apoio do filho, de 25 anos, também aluno da Unisinos, para se desenvolver no mundo digital.

Crédito: Arquivo Pessoal – Dilmara Farias, aluna de Direito

O valor está no cuidado de si e do outro

Para Clara Stéfanny Mizzi Cardoso, 22 anos, estudante de Medicina, a pandemia fez com que ela buscasse novos métodos de estudos: “Conheci ferramentas que podem me auxiliar nas tarefas. E adorei a possibilidade de participarmos de eventos em todo o mundo de dentro da nossa própria casa”, destaca. Já para a estudante Andreza Gomes Dienstmann, 24 anos, que cursa Direito e Contábeis, as aulas remotas vieram para acrescentar futuramente ao formato presencial. “Diferentemente do curso EAD, em que os encontros síncronos são de uma hora, as aulas via internet nas cadeiras presenciais exigem nossa atenção em todo o período da atividade. Tive que criar um espaço de estudo só para acompanhar as aulas, e não realizar nada além disso”, comenta.

Crédito: Arquivo Pessoal – Além de realizar cursos oferecidos em todo o mundo, a aluna Clara Cardoso conheceu ferramentas que podem a auxiliar nas tarefas

Os professores se superaram na busca por interação remota constante com os alunos. Essa é a opinião da mestranda em Biologia Caroline dos Santos Brückmann, 28 anos. “Algumas vezes, nas aulas práticas, quando tínhamos dúvidas ou dificuldades, muitos professores pediam para que os alunos compartilhassem suas telas para que eles pudessem ir ajudando a realizar a atividade”, conta.

Ao lado das ferramentas, metodologias, possibilidades digitais, o que os estudantes fazem questão de destacar é o ganho que não se pode medir, apenas sentir. “Pode até parecer clichê, mas eu realmente comecei a dar mais valor para as pequenas coisas, desde momentos com quem eu amo até de momentos comigo mesma, aprendendo a me cuidar mais, tanto física quanto emocionalmente”, revela a futura médica Clara.

A estudante de Publicidade e Propaganda Lúcia Fávero Moraes, 20 anos, que está no último semestre do curso, acredita que os professores foram a base e a estrutura dessa caminhada final. “É preciso sempre olharmos as coisas boas, mesmo que mínimas. Precisamos enxergar e perceber as coisas belas para sobreviver a tanta turbulência. É preciso ter resiliência. Mais do que isso, é preciso ter empatia para entender as mudanças do mundo, das pessoas ao nosso redor e, também, as nossas mudanças internas”, avalia.

Crédito: Arquivo Pessoal / Para a aluna Lúcia Moraes, é preciso ter resiliência, ter empatia para entender as mudanças do mundo, das pessoas e das próprias mudanças internas

Reitor compartilha do mesmo sentimento

O reitor da Unisinos, Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, que também é professor, se diz com o coração cheio de expectativas e incertezas postas pelos fatos desencadeados pela digitalização do conhecimento e pela eclosão pandêmica da Covid-19. “Nossos valores mais amados são desafiados a dar nossas razões em favor da existência das milhares de comunidades acadêmicas organizadas em torno da ideia de universidade”, observa. “Neste cenário tão imprevisível, cerremos fileira na construção da relevância da nossa Unisinos na nascente civilização tecnocientífica. É tempo de confiança e de tenacidade na busca de sentido da experiência que nos consagra em nossa excelência como Unisinos, uma Universidade Jesuíta”, acredita o reitor.

Crédito: Rodrigo W. Blum

Os depoimentos que você leu aqui só provam uma coisa: que somos muitas digitais atrás do digital. Se você é aluno ou professor da Unisinos e deseja compartilhar suas impressões deste momento que estamos vivendo, envie seu depoimento para digitais@unisinos.br. A comunidade acadêmica merece conhecer sua história.

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