Nesta quinta-feira, 25/8, foi celebrado o início das atividades do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) no Campus Unisinos Porto Alegre. O evento ocorreu no espaço Luis Fernando Verissimo e teve falas de membros da comunidade acadêmica e de representantes da luta negra, além de apresentações musicais.
Antes da cerimônia, um grupo ambientava os presentes com o clima dos ritmos africanos, com pandeiro, atabaque e chocalhos.
Vinculado ao Centro de Cidadania e Ação Social da Unisinos, o Neabi é um espaço acadêmico de articulação com a comunidade acadêmica interna e comunidade externa. O Núcleo tem como um dos coordenadores o professor Wesley Oliveira, que foi o primeiro a falar na cerimônia.
“É um momento novo para nós que procuramos fazer a reeducação das relações etnico-raciais. A ideia é dialogar internamente com as diferentes Escolas da Unisinos e com os parceiros e parceiras externos do nosso entorno”, disse.
Em seguida, falou o decano da Escola de Humanidades da Unisinos, Luiz Rohden, que citou dados sobre o crescimento dos casos de racismo no futebol brasileiro para ilustrar uma das formas como a questão se manifesta no dia a dia.
“Isso é apenas a ponta do iceberg, um espelho da nossa sociedade. Ou seja, o racismo está presente, nós precisamos levá-lo a sério e incorporar o tema nas nossas atividades teóricas e práticas”, refletiu o decano.
Na sequência, falou o pró-reitor Acadêmico e de Relações Internacionais da Unisinos, Guilherme Trez. “O Núcleo atuará em um amplo conjunto de atividades acadêmicas e na realização de projetos sociais. Nesse sentido, o Neabi se configura como um dos braços de conexão entre a Universidade, a comunidade e o seu entorno”, comentou.
Após a fala de Trez, houve um belo momento em que a ativista, poetisa e musicista negra Lilian Rocha declamou um poema de sua autoria.
O evento seguiu com a fala de Jorge Luis Terra da Silva, procurador do Estado do Rio Grande do Sul. “Não se pode olvidar que o Núcleo está vinculado a uma instituição de ensino. Daí decorre a necessidade de estimular que um número crescente de professores, pesquisadores e estudantes tenham interesse nesses estudos”, opinou.
“Por outro lado, o Núcleo pode, tratando de maneira técnica, com os dados disponíveis, criando informações primárias ou trazendo notícias contextualizadas de iniciativas levadas a efeito em outros locais, ser um indutor de mudanças governamentais, empresariais e da sociedade em geral”, concluiu.
Após a fala do procurador, foi a vez de Alix George apresentar a sua arte. Morando há 16 anos no país, George é haitiano naturalizado brasileiro e compõe músicas sobre racismo e imigração. Na cerimônia, ele cantou em creole haitiano a canção “Fuga de Cérebros”, que fala sobre a jornada dos imigrantes que vieram ao Brasil em busca de melhores oportunidades.
Seguindo a noite, falou a vereadora Bruna Rodrigues, que compõe a bancada negra na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. “Cria” da Vila Cruzeiro, ela contou que o que fez a diferença na sua vida foi a educação. “Por isso, parte da minha dedicação é em construir a consciência da luta antirracista dentro das escolas e das universidades. Porque a educação transforma a consciência”, afirmou.
Para ela, o lançamento do Neabi é um evento que merece comemoração. “É mais uma demonstração de que estamos avançando. Estamos em uma universidade que está lançando o Neabi, é algo que precisamos não só comemorar, mas também fazer com que esse Núcleo de Estudos impacte na nossa vida”, pontuou.
Na sequência, o compositor haitiano retornou e, em uma apresentação especial para os presentes, cantou sua versão do clássico Canto Alegretense, mas em francês.
Encerrando os discursos da noite, falou o ex-árbitro e egresso de Educação Física da Unisinos, Márcio Chagas, que contou algumas de suas tristes experiências como vítima de racismo. A primeira foi aos 16 anos, quando entrava na casa da primeira namorada branca e ouviu a seguinte frase: “Este negro está autorizado a entrar aqui?”.
Mais tarde, ingressou no meio do futebol, achando que encontraria um espaço mais democrático. “Me enganei”, disse, relembrando o episódio de 2014, quando teve bananas atiradas contra o seu carro na saída de um jogo em Bento Gonçalves.
“No período de 2006 a 2014, eu já não aquecia mais no campo quando ia apitar jogos na serra gaúcha. Porque os xingamentos racistas eram comuns, liberados e, mesmo quando citados em súmula, não davam em nada”, relembrou.
Casos como esse, infelizmente, não são raros. A criação do Neabi no Campus Unisinos Porto Alegre se apresenta como um dos caminhos para, com a promoção da reeducação das relações étnico-raciais, construir uma sociedade com mais respeito à diversidade.