Uma fábrica inteligente: conheça a quarta revolução industrial

Com sistemas interconectados e cada vez mais independentes, será o fim das profissões como as conhecemos?

Crédito: Getty Images

Primeiro foi a máquina a vapor, depois a eletricidade e, finalmente, a tecnologia da informação. Três revoluções industriais que impactaram os sistemas produtivos e moldaram a configuração socioeconômica do planeta. Agora estamos diante de uma nova — e mais rápida — grande transformação: a da manufatura avançada, que também atende pelos nomes de fábrica inteligente e indústria 4.0.

Logo chegará o tempo em que as máquinas vão conversar entre si e decidir (mais ou menos) por conta própria quando acelerar ou diminuir o ritmo de produção, com base na leitura de estoque que elas mesmas farão em tempo real. Cada vez mais autônomas, cada vez mais interconectadas, elas serão capazes de avisar aos seres humanos em que momento precisarão de manutenção — isso antes de o problema ocorrer, claro. E, por falar em humano, ele estará em casa, controlando todo o trabalho remotamente.

A manufatura avançada já é realidade em países mais desenvolvidos e começa a se ensaiar no Brasil. Essa implantação em escala, assim como em todas as revoluções antecessoras e talvez agora com mais intensidade, fascina e alarma: estamos perto de sermos substituídos por robôs? Seremos consumidos pela tecnologia que ajudamos a criar?

Para entendermos mais sobre esse assunto, que será tratado no 7º Fórum Brasil Coreia, conversamos com o professor da Unisinos Douglas Rafael Veit.

Douglas Rafael Veit é pesquisador do Grupo de Pesquisa em Modelagem para Aprendizagem (GMAP | UNISINOS). Também coordena os cursos da Unisinos de Graduação em Engenharia de Produção e Gestão da Produção Industrial e o MBE em Manufatura Avançada.

Confira a entrevista:

Primeiro foi a máquina a vapor, depois a eletricidade e a tecnologia da informação. Agora estamos entrando em uma nova revolução: a da fábrica inteligente, ou indústria 4.0. Como podemos defini-la?

As fábricas inteligentes são aquelas que cada vez mais usam a tecnologia para tornarem-se “independentes”. Desde a simples redução de mão de obra (o mais óbvio) até a tomada de decisões. É o futuro, não podemos fugir dele. Ou nos adaptamos ou vamos deixar de ser competitivos!

A indústria 4.0 está amparada na ideia de interoperabilidade, certo? Na prática, o que isso significa?

A interoperabilidade permite a comunicação entre diferentes tipos de sistemas operacionais ou plataformas, possibilitando às organizações trabalharem com sistemas heterogêneos e que se comunicam de maneira inteligente, rápida e segura.

“Por um lado, se implantarmos as tecnologias da indústria 4.0, haverá uma natural redução de postos de trabalho operacionais, mas surgirão outros empregos de maior valor agregado relacionados às áreas mais tecnológicas. Por outro lado, e mais perigoso, se não implantarmos as tecnologias que estão emergindo, perderemos competitividade, a demanda será reduzida e, por consequência, o desemprego vai aparecer.”

Douglas Rafael Veit, pesquisador

A cada nova revolução, surgem questionamentos como: “Seremos substituídos por robôs? Nossas profissões vão acabar?”. Considerando que os sistemas com inteligência artificial estão mostrando cada vez mais agilidade e eficiência no cumprimento de tarefas como a análise de dados, o que você pensa a respeito?

O que responderia a quem se preocupa em perder o emprego? Acredito que os empregos não vão sumir. Assim como em outras revoluções, eles vão mudar. Sempre me pergunto quantas profissões existem hoje que não existiam há 20 anos, e quantas existirão daqui a 20 anos. As tarefas mais operacionais tendem a sumir. Neste sentido, especialização, capacitação e estudo devem ser buscados pelos profissionais. Deve-se estar atento ao conjunto de tecnologias que estão aparecendo gradativamente e se adaptar a elas. Essa adaptação não deve ser somente dos profissionais, mas também dos currículos dos cursos profissionalizantes, cursos superiores, de extensão, etc. É um movimento que deve ser sistêmico e não isolado.

Que competências serão esperadas desses profissionais?

Cada vez mais, a interdisciplinaridade está despontando. Não haverá mais espaço para aquele profissional que apresenta conhecimento específico. Usando a Indústria 4.0, por exemplo, os profissionais precisam saber de automação, TI, produção, robótica, simulação. Ou você entende tudo ou corre o risco de não saber usar a tecnologia de maneira mais eficiente. Toda essa tecnologia vai exigir profissionais proativos, inovadores e rápidos na solução de problemas.

Quais serão os desafios da Indústria 4.0, sobretudo em termos de ética e segurança?

Em minhas pesquisas, destaco este como um dos pontos mais relevantes na utilização das diferentes tecnologias. Em um futuro próximo, falando da manufatura aditiva, por exemplo, podemos chegar ao ponto de não vendermos mais os produtos físicos, e sim projetos. Esses projetos são disponibilizados na nuvem e impressos no cliente final para consumo. Aí surgem os problemas: como garantir que será impressa apenas a quantidade contratada? Como garantir a propriedade dos projetos? Há uma série de evoluções tecnológicas que podem afetar os modelos de negócio futuros e que precisam ser embasadas por questões de segurança da informação. Trabalhos neste campo são muito bem-vindos.

“Os investimentos no Brasil ainda estão engatinhando. Precisamos começar pela infraestrutura: garantir redes estáveis de energia elétrica, velocidade e estabilidade de internet e, principalmente, programas de investimento.”

Douglas Rafael Veit, pesquisador

A fábrica inteligente terá algum impacto em universidades e parques tecnológicos? Se sim, qual?

Vai impactar, sim! Acredito que principalmente nos currículos e na pesquisa. Precisamos adaptar os currículos de cursos afins para que essas tecnologias e seus impactos sejam repassados aos alunos. Precisamos formar profissionais completos para que, quando eles chegarem às organizações, possam saber utilizar a tecnologia para gerar resultados. No que tange à pesquisa, o campo é vasto. Uma série de aplicações e estudos pode ser conduzida para que todas essas tecnologias sejam “entendidas”, para identificar seus impactos e o que pode ser gerado a partir deles.

No processo para chegar à fábrica inteligente, onde está o Brasil?

Os investimentos no Brasil ainda estão engatinhando. Precisamos começar pela infraestrutura: garantir redes estáveis de energia elétrica, velocidade e estabilidade de internet e, principalmente, programas de investimento. Equipamentos para o nosso país, infelizmente, são caros. Diferente de países desenvolvidos, nossas taxas de juros para financiamentos estão entre as mais caras. Vejo empresas (principalmente as multinacionais com sede no Brasil) começando a usar algumas das tecnologias, mas de maneira isolada e tímida. É um primeiro passo, mas precisamos aumentar essa velocidade para não perder competitividade no mercado.

Como o Brasil pode se inspirar na Coreia para implantar a fábrica inteligente?

Precisamos sair da inércia. Perder o medo. As discussões referentes à redução de postos de trabalho, por exemplo, são de extrema importância, mas esta é uma situação que vai ocorrer, com ou sem a utilização da tecnologia. Explico: por um lado, se implantarmos as tecnologias da indústria 4.0, haverá uma natural redução de postos de trabalho operacionais, mas surgirão outros empregos de maior valor agregado relacionados às áreas mais tecnológicas. Por outro lado, e mais perigoso, se não implantarmos as tecnologias que estão emergindo, perderemos competitividade, a demanda será reduzida e, por consequência, o desemprego vai aparecer. Considero esta situação mais perigosa, pois, quando nos dermos conta, teremos que buscar a tecnologia, negligenciada no início, nos adaptarmos, reconquistar mercado e retomar o crescimento, o que pode não ser viável em um curto espaço de tempo.

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