Imagina você, em algum dia, dizendo que fez parte de uma grande descoberta mundial. Imagina que isso seja possível através do que você mais gosta de fazer. Imagina que isso faça parte dos teus estudos e que eles te levam a lugares incríveis. Imagina que isso seja agora ou, e ao mesmo tempo, há milhões de anos atrás. Imaginou? Pois saiba que isso já é uma realidade para Cristine Trevisan. A doutoranda de Geologia da Unisinos chegou ao Chile no dia 06 de fevereiro e já participou da preparação e da organização para a Expedição Cerro Guido, na Patagônia.
Foram 20 dias que Cristine ficou acampada no Complexo Cerro Guido e Las Chinas. A função, da única representante da Unisinos lá – e também do Brasil –, era de paleobotânica, ou seja, ela ficava responsável pelos achados de fósseis de plantas, incluindo coletar, guardar e classificar o material para posteriores estudos em laboratório. “Antes de viajar estava um pouco ansiosa, pois não sabia como seria a expedição e nunca tinha permanecido tanto tempo em um acampamento, num lugar onde é muito frio, tem muito vento e se sobe diariamente montanhas bastante íngremes, pois os fósseis estão localizados nos topos destas montanhas”, comenta a geóloga.
Uma nova expedição já está marcada. Ela acontece na segunda quinzena do mês de janeiro, do próximo ano – um pouco antes do término da bolsa de estudos de Cristine, que tem vigência até o dia 31 de janeiro –, e a doutoranda pretende participar. “Se for preciso ficar mais tempo, creio que ficarei mais pelo menos seis meses”, conta.
Confira a entrevista
Como surgiu a oportunidade de viajar ao Chile para a expedição?
A oportunidade surgiu em 2012 quando eu, meu colega Thièrs Wilberger, que também trabalha com paleobotânica, e a professora Tânia Dutra viemos participar do III Simpósio de Paleontologia no Chile. A professora Tânia é, atualmente, uma das melhores e mais conhecidas paleobotânicas em atividade e foi convidada pelo professor Marcelo Leppe – meu coorientador aqui no Chile – para participar do evento. E como nossos interesses científicos são muito similares e eu já estou trabalhando há alguns anos com os fósseis de samambaias da Antártida, que se encontram depositados no Laboratório de História da Vida e da Terra (LaViGaea – Unisinos), procedentes de mais de 20 anos de coletas e de pesquisa da professora Tânia, o professor Marcelo me convidou para trabalhar com os fósseis de samambaias de outras áreas da Antártida e agora incluindo os fósseis da Patagônia aqui no Chile.
Quais foram as principais descobertas feitas até agora?
Até o momento, foram encontrados diversos tipos de fósseis representados pela fauna e flora. Este lugar possui uma concentração de ambientes tanto marinhos como continentais e é uma localidade que nos proporciona informações muito importantes de um momento determinado da história do nosso planeta, neste caso do final do Período Cretáceo (83 a 66 milhões de anos). Estas descobertas também complementam a hipótese levantada durante os últimos anos, de que no fim do Cretáceo, houve um período frio que teria provocado a formação de gelo antártico e produzido uma grande diminuição do nível do mar. Esta variação climática é principalmente evidenciada pela diminuição do tamanho das folhas fósseis encontradas, e também pela presença e ausência de alguns tipos de plantas. Outra descoberta importante foi a de folhas fossilizadas de Nothofagus, espécie de árvore típica do hemisfério sul, que era exclusiva da Antártida e nos mostra a evidência concreta da mudança climática e que o continente antártico e a América do Sul estiveram conectados e, que, desta conexão pode ter sido a porta de entrada de muitas plantas que hoje ocorrem no sul da América do Sul, incluindo o Brasil. Também foi descoberta uma grande diversidade de fósseis de vertebrados, como os Sauropodos, os Hadrossauros e répteis, entre os que se destacam os Plesiossauros e os Mosassauros que estão sendo estudados por pesquisadores da Universidad de Santiago, do Chile.
Por que elas são importantes?
Graças aos resultados desta expedição paleontológica, uma nova página de entendimento da história do nosso planeta começa a ser escrita através destes inúmeros achados fósseis. A descoberta desta flora de origem antártica, pela primeira vez na América do Sul, se correlacionaria com a possibilidade de que o esfriamento climático possa ter produzido uma diminuição do nível do mar e, consequentemente, deixado descoberta “uma ponte terrestre entre a Antártida e a Patagônia”. O complexo Cerro Guido e Las Chinas é um dos cinco lugares mais importantes da América do Sul para o estudo da vida dos dinossauros e também das plantas, pois tem em suas rochas, diferentes ambientes do final do Cretáceo, que vão desde marinhos profundos – durante o Campaniano de 83 a 72 milhões de anos – com invertebrados e répteis marinhos, a litorâneos e continentais com rios e lagoas – durante o período Maastrichtiano de 72 a 66 milhões de anos. E outra importância relevante é que estudando estes fósseis de plantas podemos entender melhor a nossa flora atual, principalmente a do sul do Brasil, questionando como chegaram ao nosso país, quais foram os caminhos destas plantas, em que ambientes vivem atualmente, em que tipo de clima ocorrem, onde podem ter surgido algumas famílias dessas plantas, enfim, no momento estamos tentando responder a estas perguntas.
Qual a relação deste seu trabalho com o doutorado?
A relação com o projeto de doutorado, se sustenta no estudo em detalhe da flora, principalmente das samambaias representantes da Península Antártica, englobando ainda estes materiais, recentemente encontrados na Patagônia chilena (Cerro Guido e Las Chinas). Este levantamento e o aprofundamento dos estudos deste grupo de plantas, para estas áreas, buscam explorar sua aplicação na reconstrução dos biomas do extremo sul nestes intervalos de tempo, e na avaliação das alterações do clima. Leva-se em conta ainda a afinidade atual de muitas samambaias pelos ambientes vulcânicos, pois são pioneiras nestes contextos, nos auxiliando também na caracterização das mudanças paleogeográficas neste período.
O quanto esse intercâmbio é importante para você? E para a universidade?
Primeiramente, como estudante de doutorado está sendo de muito aprendizado, pois estou conhecendo uma nova cultura latina. O Chile é um país muito interessante, estou estudando uma nova língua e aprendendo a me adaptar em Punta Arenas, que é um lugar bem diferente do Brasil, mas muito agradável de morar. Acredito que para a universidade este convênio só tem a acrescentar e abrir caminhos para novos trabalhos, intensificar e ajudar a pesquisa antártica e consequentemente dar continuidade ao trabalho da professora Tânia, que é realizado há muitos anos. Para a Unisinos, penso também, que estar vinculada a um instituto de pesquisa antártica só adiciona, pois a logística para ir à Antártida é muito complexa e é importante salientar que esta expedição foi organizada pelo Instituto Antártico Chileno – INACH, e também contou com a participação da Universidade de Heidelberg, da Alemanha. Estudo na Unisinos desde minha graduação e acredito que a universidade tenha interesse em continuar com estas pesquisas que são fascinantes e importantes para contar a história do nosso planeta.