No início do mês de agosto, pesquisadores brasileiros publicaram na revista Gondwana Research uma importante descoberta para área da Paleontologia. O resultado do estudo, do qual os professores Paulo Sérgio Gomes Paim e Farid Chemale Júnior da Unisinos fazem parte, revela macrofósseis datados de 563 milhões de anos, incluindo animais de pelo menos três gêneros: Aspidella, Palaeopascichnus e Nimbia. Isso os torna os macrofósseis Ediacarano os mais antigos encontrados em qualquer massa de terra que fazia parte do Gondwana, antes do supercontinente se fragmentar há cerca de 180 milhões de anos. Todos os fósseis foram encontrados na Bacia do Itajaí, sudeste do Brasil.
Como tudo começou
“Fazendo um breve histórico, nos meados dos anos 90 desenvolvemos um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq, em conjunto com o Serviço Geológico da África do Sul, no qual comparamos bacias sedimentares de idade Ediacarana do sul da América do Sul e do sul da África, dentre as quais se inclui a Bacia do Itajaí, local onde os fósseis foram encontrados”, explica Farid.
O trabalho dos professores seguiu com um estudo mais detalhado da Bacia do Itajaí, financiado pela Petrobras. “Dentre os resultados desse projeto, descobrimos as primeiras evidências de vida na Bacia do Itajaí, tema esse que serviu de base para um trabalho de conclusão de curso (1999) e para uma dissertação de mestrado, concluída alguns anos mais tarde (2006)”, destaca Paim.
Há cerca de cinco anos, os pesquisadores, em consequência desses trabalhos iniciais, foram chamados pela professora da UFSCar, Mírian Pacheco, especialista em formas de vida do Ediacarano, para participarem do projeto de doutorado do biólogo Bruno Becker-Kerber sobre a Bacia do Itajaí. “A pesquisa incluía revisitar pontos previamente estudados, rever as descrições iniciais, buscar mais evidências de vida no período Ediacarano e situar no tempo, com mais precisão, o registro fóssil desta comunidade biológica. Retornamos assim à Bacia do Itajaí e teve início essa colaboração que, agora, está rendendo seus primeiros frutos”, conta Paim.
Novas descobertas
A origem da vida complexa na Terra é tema ainda pouco conhecido. Todos os grupos taxonômicos, reinos e filos, que conhecemos hoje, derivam dos organismos, animais ou vegetais, surgidos no Cambriano. “Antes desse período, iniciado há cerca de 541 milhões de anos, apenas os seres que compunham a Biota de Ediacara podem ser incluídos nessa categoria, com células diversificadas e especializadas. No entanto, essas comunidades mais antigas desapareceram por completo pouco antes da grande explosão da vida ocorrida no Cambriano. Este trabalho se insere nessa transição entre os períodos Ediacarano e Cambriano. Seus resultados expandem o intervalo de tempo com registro vida ediacarana no supercontinente Gondwana”, afirma Farid.
Paim destaca que o estudo expande a área de ocorrência ao redor da Terra de organismos ediacaranos de corpo mole e traz à tona algumas pistas sobre como os organismos mais antigos da fauna de Ediacara, típicos de ambientes marinho profundos, poderiam ter migrado para águas mais rasas, onde a luz do sol poderia penetrar e abundantes esteiras microbianas se desenvolver, podendo assim servir como alimento e proteção. “Essa íntima associação entre organismos complexos (Biota de Ediacara) e mais simples (vida microbiana) pode ser uma das chaves na evolução da vida. Essas evidências podem ser usadas tanto para melhor entender a evolução da vida na Terra quanto em outros planetas, onde organismos simples, tais como as bactérias, possam ter tido condições de surgir”, enfatiza.
Farid reforça a importância de conciliar trabalhos de pesquisa básica com atividades de pesquisa aplicada, onde os recursos costumam ser mais abundantes e os resultados mais palpáveis para a sociedade. “A continuidade da pesquisa básica é fundamental por ser imprevisível saber, de antemão, quais descobertas terão impacto no futuro e por ser a pesquisa aplicada totalmente fundamentada na pesquisa básica. Compreendem distintas extremidades de um mesmo corpo, portanto, unidas”, encerra.
Contribuições para a pesquisa
Esse tipo de estudo envolve uma série de especialidades que, em conjunto, nos dão uma ideia não apenas dos fósseis, mas do ambiente em que viviam e de quando viveram. O professor Paim contribuiu com a pesquisa atuando quanto aos ambientes onde os organismos fossilizados viveram (sedimentologia) e sua posição temporal relativa (estratigrafia). Já o professor Farid, foi responsável pelas questões relativas à formação da bacia onde os fósseis foram encontrados e pela idade absoluta deles. Além disso, o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geologia da Unisinos Tiago Girelli realizou o trabalho de datação isotópica de camadas próximas daquelas onde os fósseis foram encontrados.
O estudo contou com pesquisadores de quatro universidades brasileiras (Unisinos, UFSCar, USP e Unesp), do Centro de Pesquisas da Petrobras e da Universidade de Poitiers, na França. Na aquisição de dados analíticos, foram também utilizados o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e o Laboratório de Geologia Isotópica da UFOP, ambos no Brasil, além da Unidade Mista de Pesquisa na Universidade de Poitiers, unidade essa vinculada ao Centro Nacional de Pesquisa Científica da França.
Por fim, cabe salientar que, em conjunto com os pesquisadores acima citados, os professores Rodrigo Horodyski e Renata Guimarães Netto, além da doutoranda Ilana Lehn, todos vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Geologia da Unisinos, desenvolvem pesquisa similar em outras áreas, tendo inclusive a doutoranda encontrado e reportado, pela primeira vez, a presença de microfósseis ediacaranos na Bacia do Camaquã, bacia essa situada na região central do RS. O artigo com a descoberta foi publicado, em 2019, no periódico Scientific Reports da Nature. “Ambos os trabalhos abordam, entre outros temas, a vida no período Ediacarano. Resgatar a biodiversidade da época implica em trabalhar em várias regiões”, finaliza Paim.