Dona Maria até escuta as palavras, mas o discurso soa-lhe estranho aos ouvidos. “Processo fisiopatológico de obstrução” é o diagnóstico do médico. “A senhora tem que parar de fumar”, sentencia o doutor, ao que a paciente retruca: “É fácil falar, né? O senhor não fuma!”.
Em outra situação, dona Maria de volta ao consultório, chega um segundo doutor e diz: “A senhora já pensou em procurar um psiquiatra para tratar do tabagismo? Porque, pelo que está me contando, o cigarro interfere completamente no seu dia a dia”. E ela: “Tudo o que eu faço tem o cigarro no meio”. Daí desata a conversa, que termina com a paciente convicta de que sim, há de consultar o especialista indicado.
As conversas acima ilustram a tese de doutorado em Linguística Aplicada de Daniela Negraes Pinheiro Andrade. Na pesquisa – feita entre 2013 e 2015, com defesa em 2016 –, Daniela estuda as formas como os profissionais de uma instituição de saúde abordam pacientes cardiopatas sobre boas práticas de saúde no pós-alta.
Com a metodologia de Análise da Conversa, que observa interações verbais e não verbais entre agentes de um processo comunicacional, a doutora apresenta os dois lados da situação: como os profissionais (médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros e psicólogos) recomendam ou prescrevem boas práticas de saúde e como os pacientes respondem às orientações.
Situação de risco
De acordo com dados do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde pesquisados por Daniela, as doenças cardiovasculares são responsáveis por 30% dos óbitos/ano provocados por causas conhecidas. Além disso, acometem 35% da população brasileira acima dos 40 anos.
Esse cenário alerta para a necessidade de criação de programas educacionais voltados a portadores de cardiopatias, com vistas ao autocuidado. Entretanto, como destaca Daniela, “a simples elaboração e execução de um programa educacional não assegura a adesão, por parte de pacientes, aos cuidados de saúde recomendados para a prevenção ou o controle das doenças do coração”.
Segundo ela, é preciso compreender o que ocorre nos encontros e como as conversas se dão. A partir disso, é possível “melhorar os índices de corresponsabilização dos pacientes com o controle dos fatores de risco para cardiopatias”.
Atendimento particularizado
Como resultado da pesquisa, Daniela constata que as recomendações ou prescrições não são oferecidas de modo suficientemente particularizado para atender às necessidades de orientação do cardiopata. E a resposta para mudar esse cenário está nas maneiras de se usar a linguagem: “Perguntar ao paciente se ele faz o tipo de controle que se intenciona propor, se ele acredita que vale o esforço de adotar determinada prática de saúde e se tem meios de colocar em prática o que está sendo recomendado ou prescrito pode ser uma maneira eficaz de chamá-lo a comprometer-se com os hábitos preconizados pelos programas educacionais”, conclui a doutora.
Linguística Aplicada
O mestrado acadêmico e o doutorado em Linguística Aplicada da Unisinos – este, aliás, único no sul do país – existem para fomentar pesquisas como a de Daniela, que emprega conhecimentos sobre o uso da linguagem para mostrar que uma assistência ainda mais humanizada na área da saúde é possível.
Recomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com conceito cinco, o Programa de Pós-Graduação prevê a ampliação das áreas de interesse nos estudos da linguagem à medida que foca em tecnologias e interação.
O PPG tem como linhas de pesquisa: Interação e práticas discursivas; Linguagem e práticas escolares; Texto, léxico e tecnologia. Saiba mais no site da Unisinos.