Conexão Brasil-Alemanha

Ruth Barkmeyer tem laços afetivos com os dois países e afirma: “Um não é melhor que o outro”

No alto, suspensas entre as árvores do sítio da família Barkmeyer, tremulam pequenas bandeiras coloridas. É uma profusão de azuis, brancos, vermelhos, verdes e amarelos que vai se repetindo, sempre nessa ordem, por toda a extensão dos barbantes. Em cada pedaço de tecido, há uma mensagem manuscrita. Mas não são enfeites, também não estão lá por festividade. “Os dizeres são orações para o mundo”, explica Ruth, moradora do local, “estão ali para serem conduzidos pelo vento, como boas intenções para a humanidade”.

Trata-se de tradição budista apropriada especialmente para as bodas de porcelana de Ruth e Hans-Joachim. “Assistimos uma reportagem sobre esse costume na televisão, achamos bonito e decidimos usar a ideia para marcar nossos 20 anos de casamento, comemorados ano passado”, conta a esposa. As mensagens foram escolhidas pelos convidados, e vão de letras de músicas a poesias, em português e alemão.

Alemã, aliás, é a descendência da família. Ruth não nasceu na Alemanha, mas viveu lá e hoje é professora do idioma no Unilínguas. Mora em São Sebastião do Caí, nesse mesmo sítio com bandeiras coloridas e intenções positivas que fazem do lugar um lar doce lar bastante receptivo e acolhedor.

“Nós sempre temos muitas ideias formadas, e é importante lembrar que elas nem sempre se aplicam na realidade.”

Ruth Barkmeyer, professora de Alemão do Unilínguas

Você é descendente de alemães?

Ruth – Por parte de pai.

Por que ele veio para o Brasil?

Ruth – Veio para trabalhar e acabou ficando. Aqui ele conheceu minha mãe, que é de origem alemã, os dois se casaram e tiveram três filhas. Eu fui a primeira. Hoje, todas nós temos filhos também; a minha é a Katharina. Mas o engraçado é que uma das minhas irmãs é casada com o irmão do meu marido, que também é alemão, ou seja, tudo em família.

Você e seu marido se conheceram aqui ou na Alemanha?

Ruth – Na Alemanha. Eu estive lá várias vezes, e numa dessas ocasiões conheci ele. Aí me mudei para a Alemanha, e depois de um tempo nós viemos para cá, morar em Novo Hamburgo. Na verdade, eu sou de Novo Hamburgo. Da família, a única pessoa que é do Caí mesmo é minha mãe, e, no fim das contas, todos, com exceção da minha irmã mais nova, voltamos às origens dela.

Por que vocês decidiram se mudar de Novo Hamburgo para São Sebastião do Caí?

Ruth – Esta chácara já é do meu pai há muito tempo, mas nunca havíamos pensado em viver nela. Em 2005, a gente percebeu que não tinha mais graça morar em Novo Hamburgo, porque meu marido trabalhava aqui, com multiplicação de plantas em estufas, e eu na Unisinos. Nós só dormíamos lá, então decidimos nos mudar. Construímos a casa no mesmo ano, nossa filha veio estudar numa escola daqui, e hoje ela já está na universidade.

Seu pai, que é alemão, fala português?

Ruth – Sim, mas de um jeito “torto”, com sotaque. Ele trabalhou aqui, em uma fábrica de móveis, e era o “mestre”, então tinha de falar. Só que antigamente muita gente sabia alemão também, agora é que está diferente. Minha sogra não fala português e sente essa diferença quando vem nos visitar.

Quando você foi para a Alemanha pela primeira vez?

Ruth – Fui com meus pais, devia ter uns sete anos. Depois disso, não sei dizer, umas 10 vezes talvez, para fazer cursos ou simplesmente visitar parentes, porque meu pai mora aqui, mas todos os irmãos dele são ou da Suíça ou da Alemanha.

Como eram esses cursos?

Ruth – Eram cursos de aperfeiçoamento de língua e técnicas de aulas. Neles, a gente aprendia sobre métodos, materiais e aspectos da cultura local, tudo para voltar e transmitir esses conhecimentos. E não participava só gente do Brasil, mas do mundo inteiro, então o convívio era muito interessante, assim como a troca de experiências. E estar no país também era muito bom.

Por que você decidiu ser professora?

Ruth – Não fui eu que decidi, decidiram por mim (risos). Queria ser aeromoça – hoje se diz comissária de bordo, mas na época era aeromoça mesmo – ou então secretária bilíngue. Quando estava no terceiro ano do Ensino Médio, havia um grande incentivo da Alemanha para o estudo da língua, e precisava-se de professores. Nessa época, eu já sabia que iria cursar Letras na Unisinos, mas isso não significava que eu tinha de ser professora, até porque pretendia estudar inglês e português para outras coisas. Mesmo assim, trabalhei como tradutora intérprete até que o diretor da fundação me convidou a dar aula. Pensei “por que não?” e aceitei. Imaginava que seria só por um tempo, mas foi o resto da vida – pelo menos acho que vai ser. Gosto muito de fazer o que faço.

Desde quando você trabalha no Unilínguas?

Ruth – Desde o começo, quando ainda era curso de extensão, e não o Unilínguas, propriamente dito.

E como é o ensino do idioma alemão no instituto?

Ruth – A gente sente que o alemão está tendo quase que um renascer. Ele andava meio parado, por baixo, mas agora temos turmas bem boas, bem “gordinhas”. Nós imaginamos que talvez seja porque a Alemanha se mantém relativamente estável na questão do euro, e muita gente quer estudar lá. Apesar de poder usar o inglês para isso, se você mora no país é muito bom que saiba a língua. Não é só aula, também tem a vida, o sair, se divertir. E há, inclusive, empresas no Brasil que incentivam seus funcionários a aprender o idioma.

Quais aspectos culturais você considera fundamentais para o aprendizado de uma nova língua?

Ruth – Nós sempre temos muitas ideias formadas, e é importante lembrar que elas nem sempre se aplicam na realidade. Há um tempo, dizia-se “os alemães, diferente dos brasileiros, não são receptivos, simpáticos”, mas eu digo que já encontrei muito brasileiro que não recebeu bem seus visitantes, e muito alemão que se desdobrou para agradar alguém, quer dizer, tem “gente boa” e “gente menos boa” em tudo quanto é lugar. Por isso é interessante saber desmistificar. Outra coisa que me deixa impressionada é a cultura literária alemã, não só a produção própria do país, mas também literatura traduzida. Por exemplo, eu e meu marido temos muitos livros em alemão e inglês, porque sai mais barato do que comprar em português. E ainda lemos antes dos outros (risos).

Em termos de diferenças entre os dois países, o que mais chama a sua atenção?

Ruth – Certamente a segurança de lá, a questão de não termos os medos que temos aqui, como sair à noite, por exemplo. E na Alemanha é tudo muito bonito, arrumado, limpo. Outra coisa que sempre achei boa é a educação, o estudo. Quando morávamos lá, a escola era gratuita de verdade, quer dizer, os impostos eram muito bem investidos no ensino. Tem ainda algo que pode parecer bobagem: eu não sinto falta do churrasco e do feijão na Alemanha, porque lá também tem coisas maravilhosas e vice-versa. Um não é melhor que o outro.

Do que você sente falta da Alemanha?

Ruth – Falando em comida, tem uma coisa que eu adoro: o pretzel. O pretzel daqui não é a mesma coisa. E tem mais, como o chocolate também, o daqui é muito bom, e o de lá é melhor ainda. Mas sentir falta mesmo, talvez seja das livrarias e bibliotecas. Nós moramos durante um ano numa cidade alemã bem pequena, e a livraria que eles tinham era maior do que muita livraria por aí, então imagina numa cidade maior. É uma coisa muito boa entrar, pegar livros, sentar num sofá e dar uma lida, ver se gosta. Isso agora já tem por aqui também, mas ainda é um sistema muito novo. E lá tem livro para todo tipo de bolso. Acho que o problema brasileiro da falta de leitura é justamente esse, o preço.

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