E se a gente pudesse fechar os olhos e se teletransportar no tempo? Como seria ter a sensação acústica de quem viveu há séculos passados? Com o auxílio da tecnologia, essa hipótese já pode virar uma realidade. É o que indica a pesquisa realizada pela professora do Mestrado Profissional em Arquitetura e Urbanismo, Maria Fernanda de Oliveira.

A docente realiza um estudo, em parceria com o itt Performance, sobre a Reconstrução acústica da Igreja São Miguel Arcanjo das Missões Jesuíticas. A ideia de pesquisar o tema veio de uma proposta de pesquisa em conjunto com pesquisadores do Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa (LNEC). “Buscávamos uma edificação para o início dos trabalhos de reconstrução acústica a partir de simulações computacionais e a história da Igreja de São Miguel Arcanjo nos pareceu muito adequada para esses estudos. O simbolismo da Igreja para a cultura do RS foi determinante para a sua escolha”, explica.

Maria Fernanda fala da importância histórica e arquitetônica do local. “Atualmente em ruínas, a Igreja de São Miguel Arcanjo era composta por três naves separadas entre si por uma sequência de sete arcos. O teto, em madeira, era em forma de abóbada com vigamentos aparentes, e o transepto era coberto por uma cúpula, sobre a qual existia um telhado de seis águas. Seus onze altares, um na capelamor, quatro no cruzeiro e seis nas naves laterais, eram ornamentados com talha dourada e policromada, estatuária e pinturas”, descreve a professora.

Segundo a pesquisadora, a Igreja teve sua cobertura danificada por um incêndio e foi restaurada sem seguir os critérios de recuperação das características originais. Desta forma, a cúpula, anteriormente de madeira, foi reerguida com tijolos e cal. Em 1789, um novo incêndio ocorreu e, em 1886, um raio a atingiu a Igreja fazendo com que o telhado e a galilé desabaram. A recuperação das estruturas só começou a ser feita em 1925.

“Em relação aos usos da Igreja de São Miguel Arcanjo, podem-se traçar algumas relações com os demais exemplares que correspondem ao mesmo período, pois a arquitetura da Igreja cristã transformou seu layout conforme a forma e o uso do seu espaço de culto, concebido não apenas para o culto propriamente dito, mas também como lugar de memória, celebração e representação”, afirma Maria Fernanda.

Para saber mais sobre a pesquisa da professora, confira abaixo a entrevista completa.

Que habilidades específicas o profissional da área de arquitetura, que deseja trabalhar com reconstrução acústica, precisa ter?

A reconstrução acústica de uma edificação é uma das formas de valorização do patrimônio arquitetônico e atualmente pode ser desenvolvida de forma muito satisfatória a partir de simulações computacionais. O profissional que pretende atuar com essa temática deve ter uma sólida formação e constante atualização em acústica arquitetônica e em ferramentas computacionais específicas. Somente o uso da ferramenta computacional não garante boas análises e avaliações técnicas dos resultados, pois é necessário o entendimento da propagação do som e das variáveis relacionadas à geometria dos ambientes e os efeitos das trocas de materiais e de elementos construtivos na sonoridade de um local.

Que resultados a reconstrução acústica da igreja de São Miguel Arcanjo teve/terá?

Pretende-se chegar na reprodução da sonoridade do local na época em que as atividades aconteciam. Poderemos colocar um fone de ouvido e ter a percepção auditiva espacial das crianças cantando ao entrar na Igreja. Também poderemos ter uma percepção muito realística da distribuição do som durante o cântico do coral, por exemplo. Será possível ainda, nos deslocarmos, a partir de realidade virtual, e a sonoridade mudar simultaneamente, a medida em que fazemos o percurso dentro da Igreja de São Miguel Arcanjo.

Como aconteceu o processo de reconstrução passo a passo?

O processo envolve um detalhado levantamento métrico da edificação e a modelagem de sua geometria. Após a geometria pronta, são feitas pesquisa sobre os materiais utilizados na construção da Igreja e é realizada uma verificação das características físicas de cada revestimento para se chegar a valores dos coeficientes de absorção de espalhamento de cada superfície. Como a Igreja sofreu inúmeras alterações, todas as hipóteses são testadas. Por fim, são realizadas as simulações em software específico para se determinar valores que indicam a qualidade acústica do local e são analisadas as formas de dissipação do som a partir de arquivos de vídeos. Conforme mencionado, a Igreja de São Miguel da Missões passou por significativas alterações em seu interior. Para este estudo, foram adotadas as considerações que indicam que, antes da missa, as crianças cantavam no átrio em filas separadas por gênero, e depois entravam na igreja pelas portas principais. A nave central era ocupada pelas autoridades civis e atrás ficavam os rapazes e, aproximadamente dois metros atrás tanto na nave central com nas naves laterais, postavam-se as mulheres. Os locais de posicionamento do coro considerados foram: no altar como um coro de orações, no altar como um coral, no mezanino e no átrio na porta de entrada principal. Todas essas informações são muito relevantes para entendermos a forma com que o som se propagava no interior da Igreja e, consequentemente, como as pessoas percebiam esse som.

Como ficou o projeto final? 

O projeto ainda está em andamento, pois precisamos trabalhar na sonorização e nas definições espaciais para a etapa de uso da realidade virtual.

Abaixo uma simulação de como o som se propagaria dentro da Igreja.