No dia 26/11, o Grupo de Pesquisa “Direito, Risco e Ecocomplexidade”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, realizou a Aula Magna do Seminário de Mestrado sobre “regulamentação ambiental”. O encontro, realizado de forma online, reuniu alunos e interessados para discutirem sobre temas ligados ao chamado Direito do Desastre.
A convidada para falar sobre o assunto foi Carla Amado Gomes, professora titular de Direito Ambiental na Universidade de Lisboa (Portugal), e considerada uma das maiores autoridades europeias na área. As pautas debatidas na palestra foram baseadas principalmente na obra “Catástrofes Naturais:
uma realidade multidimensional”, organizada por Gomes e que reúne as discussões de um seminário dedicado às catástrofes climáticas e o que se pode fazer para contê-las. O e-book está disponível gratuitamente no site do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Universidade de Lisboa. Para acessá-lo, clique aqui.
Gestão do risco de inundação
A professora explicou que, nos últimos anos, a maioria dos registros de desastres naturais ocorridos em território europeu foram as cheias. “Desde o início da década de 2000, cerca de 700 pessoas perderam a vida por meio de catástrofes, além do deslocamento forçado de cerca de meio milhão de indivíduos”, revelou Gomes. Conforme a professora, as tragédias somaram até aqui pelo menos 25 milhões de euros de prejuízos econômicos. Portugal contou com um total de 16 episódios de enchentes entre 1950 e 2022, sendo o mais recente o ocorrido na Ilha da Madeira. “Por decorrência disso, a União Europeia criou o ‘quadro de gestão do risco de inundação’, precisamente por ser o fenômeno mais frequente da região”, observou Gomes.
Ela se refere à diretiva 2007/60, que fala sobre a avaliação e gestão do risco de inundações. Com a medida, desde 2010, Portugal possui um quadro operativo que responde a esse tipo de risco. É dividido em três fases: sinalizar as zonas de risco de inundação no território, fazer as cartas de risco e desenhar planos para cada região hidrográfica.
Gomes conta que esse plano tem como objetivo trabalhar com dados históricos das bacias hidrográficas de Portugal, entendendo de forma estatística como esses eventos climáticos acontecem e como remediá-los. “Os mapas são alterados periodicamente, já que é uma situação em que os dados mudam muito rapidamente, sobretudo por força do fenômeno das alterações climáticas, mudando a cadência das cartas”, sinalizou a professora. Atualmente, segundo Gomes, já existe um novo plano para o país europeu, que é a resolução do Bolsa de Ministros (63-2024), que traça uma estratégia para o período de 2022-2027 para a região.
Trabalho psicológico
Para se trabalhar com soluções futuras, devemos antes, enfatizou Gomes, resolver os problemas atuais. A palestrante avaliou que devemos entender a situação das localidades das cidades e como elas foram construídas, analisando a situação de risco da população e a gestão psíquica dela. “As pessoas pensam que isso acontece a cada 100 anos, e, por isso, por que a gente deveria mudar? É necessário um trabalho psicológico para que elas tenham a verdadeira percepção de um risco que hoje em dia é muito mais do que potencial”, destacou Gomes.
Para o planejamento português, a professora explicou que foram estabelecidas medidas de quatro ordens. A primeira trabalha com prevenção, para a reformulação de práticas de utilização do solo e a relocalização de infraestruturas. A segunda, com proteção e mitigação, que lida com a manutenção e o melhoramento das vias fluviais. A terceira, com a preparação, que trata dos sistemas de alerta e resposta de emergência para as hidrelétricas. E, por fim, as medidas de recuperação e aprendizagem.
Para a palestrante, a realização desses planos é de suma importância para a segurança da população e cuidado com o meio ambiente. “O problema, muitas vezes, é que nós não sabemos aprender com as lições que a realidade nos apresenta, com números elevados de mortos acompanhando essas mesmas lições”, apontou Gomes.
O clima é imprevisível
As sinalizações de risco ajudam o cidadão a compreender possíveis ameaças na região em que vivem. “Hoje, a gente sabe, estatisticamente, onde é que as coisas acontecem mais vezes, como acontecem, que tipo de risco geram”, comentou a professora, que, contudo, alerta: “O clima é imprevisível”.
A ideia da percepção do risco é muito importante, na opinião de Gomes, pois é apenas através da população que o Estado consegue localizar eventuais problemas e entender como os fenômenos climáticos acontecem. “É mediante essa percepção que nós temos que nos empoderar para cobrar das autoridades medidas efetivas. É claro que isso também é uma tarefa pública, educacional e informacional”, pontuou a professora.