A Era dos Desastres

Professor da Escola de Direito estudou mudanças climáticas e catástrofes ambientais na Califórnia

Desde que a sociedade passou a compreender que terremotos, vulcões e tempestades não eram brigas entre deuses, ou até mesmo punições contra os mortais, mas sim catástrofes naturais independentes da vontade humana, tornou-se necessário a criação de uma área do Direito que possuísse medidas para prevenção, compensação e até a recuperação de áreas atingidas em desastres. Surgiu assim o Direito Ambiental, que conecta os direitos penal, civil e administrativo, com a finalidade de proteção ao meio ambiente, e o Direito dos Desastres, área incipiente no Brasil, que tem a proposta de regulamentar juridicamente o que envolve eventos ambientais extremos.

A busca de novos horizontes de pesquisa acerca desse assunto foi o que levou o professor da Escola de Direito da Unisinos, Délton Winter de Carvalho, a embarcar para os Estados Unidos. Lá, vivenciou a experiência de um pós-doutorado na University of California at Berkeley a convite do professor Daniel A. Farber, seu tutor e com quem aprofundou conhecimentos de vanguarda. O pesquisador levou consigo a esposa e as filhas para a cidade californiana, onde além da vida acadêmica, pôde viver uma rotina em família no exterior, sendo bem acolhidos tanto na comunidade em que viviam como na Universidade.

O período pós-doutoral do professor Délton finalizou em janeiro deste ano. A imersão em Berkeley durou sete meses, compreendendo o período de fevereiro a julho de 2013. Após o retorno do pesquisador ao Brasil, seguiu-se um período de mais seis meses de produção e publicização da sua pesquisa, sendo ele também acompanhado, por meio de relatórios de produção e atividades, pelos órgãos de fomento. O professor, entretanto, salienta que o legado do pós-doc é muito mais extenso. Os projetos por ele desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, contam também com a interação e contribuições dos pesquisadores norte-americanos, aproximados por esta experiência.

”Mudanças climáticas estão, cada vez mais, demonstradas cientificamente e passarão a exigir do Direito estratégias urgentes para sua mitigação e adaptação”.

Délton Winter de Carvalho, professor da Unisinos.

Confira a entrevista.

1. Como surgiu a vontade de fazer um pós-doc?

Sempre vi o pós-doc como uma ótima oportunidade, criada no contexto de pesquisa brasileiro, para permitir ao pesquisador a sua ida a um polo de excelência mundial em uma determinada área, com a finalidade de trocar experiências, participar ativamente de pesquisas e se nutrir com outras tradições intelectuais. Meu interesse principal era buscar, num dos centros mais destacados do mundo em Direito Ambiental, um aprofundamento em minhas pesquisas sobre os novos avanços e estratégias utilizadas pelo Direito para lidar com aquele que entendo ser um dos maiores desafios de nossa era, as mudanças climáticas e os desastres ambientais. Meu interesse era, também, poder interagir com pesquisadores de outra cultura, promovendo, assim, um processo de integração interinstitucional.

2. Por que a escolha pelos Estados Unidos e pela University of California at Berkeley?

De longa data eu acompanho as pesquisas existentes em minha área nos contextos norte-americano e europeu, tendo sempre me chamado à atenção as desenvolvidas na UC Berkeley, pois ela detém uma visão de vanguarda no Direito Ambiental. Além de ter sido um dos berços do Direito Ambiental no mundo e ser uma das protagonistas na área jurídica ambiental nos Estados Unidos, esta Escola conta com uma das maiores referências do Direito Ambiental e do Direito dos Desastres no mundo. Além disso, o Direito dos Desastres, ainda muito recente no Brasil, é bastante desenvolvido no Direito norte-americano, com grande tradição na regulação jurídica dos processos de prevenção, mitigação, respostas de emergência, compensação e reconstrução de eventos extremos. Lá tive a oportunidade de interagir e participar ativamente dos prestigiados CLEE – Center for Law, Energy, and the Environment e CCRM – Center for Catastrophic Risk Management.

Finalmente, o fato de nossa tradição de Direito estar baseada na Civil Law, enquanto o Direito naquela tradição é Consuetudinário (Common Law), é, em minha opinião, motivo de grande interesse, pois as questões jurídicas são refletidas a partir de uma maior ênfase pragmática. Naquela tradição jurídica, parte-se, metodologicamente, de um caso em concreto a ser enfrentado pela decisão jurídica para, mediante reflexões profundas e sensíveis à interdisciplinaridade social (ciência, economia, política), chegar a uma decisão juridicamente legítima.

3. Qual o tema de sua pesquisa de pós-doutorado?

Minha pesquisa, desenvolvida em nível pós-doutoral na UC Berkeley, estuda o papel do “Direito Ambiental numa Era de Mudanças Climáticas: o emergir de um Direito dos Desastres”. Em razão das mudanças climáticas, do crescimento populacional e de um rápido desenvolvimento tecnocientífico, há um incremento da capacidade de impacto de nossa sociedade global e local sobre os recursos naturais. Há, assim, uma intensificação recente de eventos climáticos, ou mesmo acidentes industriais extremos, impondo-se a formação de um Direito dos Desastres com a função estruturante de integrar instrumentos e medidas para prevenir, mitigar, dar respostas emergenciais, compensar e recuperar áreas atingidas por desastres. Essa função deve ser permeada sempre por uma lógica de redução de riscos de novos desastres ambientais. O Direito, portanto, tem um papel central na gestão dos desastres, devendo sempre privilegiar a gestão de riscos em todas as fases de um desastre, mesmo que seja na etapa da reconstrução.

4. Quais as principais contribuições de sua pesquisa?

Diversos foram os aprendizados obtidos com esta experiência. Dentre eles, a convicção existente de que as mudanças climáticas estão, cada vez mais, demonstradas cientificamente e passarão a exigir do Direito estratégias urgentes para sua mitigação e adaptação. Tais exigências irão repercutir na mudança, ou ressignificação de institutos tradicionais do Direito, tais como a propriedade, o papel dos princípios da prevenção e precaução, o papel da ciência como prova jurídica, a valoração dos serviços ecossistêmicos, entre outros. Apenas a título exemplificativo, o Direito dos Desastres chama a atenção aos conflitos oriundos da elevação do nível dos oceanos, o que trará a perda de propriedades litorâneas e a premência da adoção de estratégias jurídicas para prevenção de desastres nas zonas costeiras.

Dentre as descobertas que mais me chamaram atenção estão o fato de que um Direito dos Desastres auxilia a desvelar que esses eventos são, frequentemente, ocasionados por vulnerabilidades físicas de determinadas comunidades, mas, acima de tudo, pelas vulnerabilidades sociais. Há, assim, necessárias reflexões sobre a justiça dos desastres, a partir das desigualdades e vulnerabilidades que levam a esses eventos. Ainda é, via de regra, o déficit no cumprimento e fiscalização da legislação ambiental que favorece a ocorrência de diversos desastres. Neste sentido, o Katrina e o vazamento de petróleo da British Petroleum (BP) são casos que apresentam uma gama enorme de lições a serem aprendidas, sobretudo acerca do papel do Direito na prevenção de desastres.

5. Culturalmente, o que o país tem em comum com o Brasil e em que é diferente?

A cultura americana é bastante diversa da brasileira. Talvez a identidade entre ambas seja o interesse por inovação em todas as áreas. A cultura norte-americana é menos calorosa do que a nossa; a hospitalidade é exercida de forma mais objetiva. As pessoas vivem mais em seu núcleo profissional ou familiar, de forma individualista, mas há um grande senso de solidariedade com aqueles que vêm de fora e precisam se adaptar rapidamente.

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