O principal ponto turístico da cidade não é acessível para cadeirantes. Nas comunidades carentes, a inanição prejudica o desenvolvimento infantil. O transporte público acumula atrasos. Segurança virou produto; cultura é privilégio.
Em meio ao caos diário da vida nas grandes metrópoles, a solução para tantos problemas parece distante, quase inalcançável. Mas você já parou para pensar que a resposta para esses dilemas pode estar no design?
Para entender como os princípios dessa disciplina – e sua aplicação no ecossistema urbano – podem solucionar questões da comunidade, é preciso retroceder alguns passos e analisar o efeito das demandas originadas com o novo século. Prepare-se para conhecer um universo em que invenções simples fazem a diferença no dia a dia.
As novas demandas das cidades no século XXI
Na década de 1940, quase 70% da população brasileira vivia na zona rural. Baseado em um sistema agrário-exportador, o país tinha na agricultura uma das principais atividades econômicas. É bem provável que os seus avós façam parte de uma geração que nasceu no interior e trabalhou com os pais no campo, seja no cultivo das uvas na serra, do arroz na região próxima à fronteira com o Uruguai ou da soja no norte do estado.
Mas o processo de industrialização modificou esse cenário, em um fenômeno que é conhecido como “êxodo rural”. A partir da década de 1950, a maior parte da população migrou para as cidades, motivada principalmente pela mecanização das atividades agrícolas e pela concentração de terras.
Hoje, mais de 85% dos brasileiros vivem nos centros urbanos. Em tese, nenhum problema. Só que, na maior parte das vezes, essa migração não ocorreu de forma controlada. Pelo contrário: as cidades foram povoadas de forma desordenada e irregular.
Com gente demais e habitações de menos, o planejamento sofre, e quem paga o preço é a população. É isso que aponta o professor Fabrício Tarouco, coordenador da graduação em Design da Unisinos. “O crescimento descontrolado da maioria das cidades inviabiliza um desenvolvimento sustentável, pois interfere negativamente em qualquer planejamento urbano, já que a proporção deste tipo de crescimento é maior e mais acelerada que a infraestrutura e as soluções que o poder público consegue proporcionar”, explica Fabrício.
Mobilidade, saúde, segurança, educação, cultura e habitação estão entre as reivindicações mais comuns da vida em comunidade. Boa parte dessas demandas são, inclusive, garantidas pela Constituição Federal. Mas o novo século e a fusão entre os mundos real e digital criaram outros desafios.
“Nos dias atuais, os centros urbanos também são desafiados a qualificar-se para atrair investimentos e novos públicos consumidores, a preparar as dinâmicas territoriais para as novas tecnologias que chegaram, a planejar essas cidades para a competitividade global e a engajar todos na tarefa de inovar neste contexto urbano, transformando a cidade num laboratório a céu aberto”, opina Fabrício. Mas como fazer isso?
Seja para aperfeiçoar a mobilidade urbana, amenizar o calor nas residências, facilitar o transporte de água nas comunidades carentes ou viabilizar a construção de casas sustentáveis, o design pode mostrar o caminho rumo às soluções.
Design viabiliza soluções inovadoras
Responda rápido: qual a primeira coisa que vem à sua cabeça quando o assunto é design? Talvez você associe a disciplina a artes gráficas, como logotipos, ou a produções digitais, como a interface de um aplicativo, mas a área de conhecimento vai muito além disso.
Do estudo tipográfico de uma fonte a soluções ergonômicas para o ambiente de trabalho, o design trabalha conceitos como estética, usabilidade e eficiência para lidar com as necessidades da sociedade e do mercado. É uma temática ampla, mas também específica.
Nas cidades, a aplicação dessa disciplina assume diversas frentes. “O Design não é responsável por pensar uma grande obra, uma via ou viaduto, mas é ele que pensa aquele aplicativo que transforma o trânsito ou aquele serviço de aluguel de bicicleta que estimula as pessoas a largarem o carro”, reflete Fabrício.
É o design, por exemplo, que está por trás do projeto Hippo Roller, concebido por uma dupla de engenheiros sul-africanos, em 1991, para facilitar o transporte de água em comunidades carentes – e sem saneamento básico – da África. O galão de água de 90 litros inventado pelos engenheiros permite que o líquido seja transportado de forma rápida e prática, sem risco de contaminação. Para quem caminhava até seis quilômetros todos os dias com um balde sobre a cabeça, foi uma revolução e tanto.
Outro exemplo de aplicação inovadora e social do design vem de Bangladesh, na Ásia, onde a maior parte da população rural vive em cabanas sem eletricidade construídas com metais, já que a área é propensa a inundações. No verão, o calor e a umidade do local elevam a sensação térmica para níveis próximos de 45ºC, e as cabanas se transformam em saunas onde é difícil dormir e até respirar.
A solução encontrada pelo projeto Eco-Cooler envolve apenas um material: garrafas PET. Cortando as garrafas e posicionando-as em painéis à frente de janelas, é possível reduzir a temperatura interna em até 12ºC: o ar esfria ao passar pela boca da garrafa, refrescando o ambiente. Simples, prático, reciclável e funcional: design.
Da universidade à prática
No contexto urbano, as aplicações do design também contribuem para potencializar a vocação de cada comunidade. “O design é o instrumento que ajuda a posicionar uma cidade como cidade criativa, cidade digital, cidade turística, cidade sustentável, cidade inovadora, cidade inteligente, etc.”, aponta Fabrício.
Para isso, é necessário pensar a cidade sob uma ótica distinta, questionando processos tidos como definitivos. “Com um entendimento do contexto de atuação, o design dá início ao seu processo criativo, utilizando ferramentas de criação que prospectam cenários futuros para este território e projetam soluções, que podem ser produtos, serviços, experiências ou estratégias de comunicação”, explica o professor.
O projeto Agenda Carlos Barbosa 2030, desenvolvido pela Escola de Design da Unisinos em parceria com a prefeitura da cidade, é um bom exemplo da aplicação do design estratégico no ecossistema das cidades. Para crescer sem perder a identidade, a administração de Carlos Barbosa definiu eixos estruturantes, que serviram como base condutora para o projeto – bem-estar, cultura, sustentabilidade, tecnologia e empreendedorismo. A partir daí, foram pensadas soluções para a cidade, por meio do olhar multidisciplinar do design.
Atualmente, os alunos do curso desenvolvem pesquisas que tratam dos vazios urbanos originados pela expansão da linha do Trensurb em Novo Hamburgo, da inclusão dos idosos no contexto das cidades criativas, das paradas de transporte público em Porto Alegre e do potencial turístico do Centro Histórico.
Mais do que soluções para os dilemas urbanos, os estudantes buscam maneiras de transformar a própria comunidade. O design não pode revolucionar o modo como nos relacionamos, mas talvez possa dissolver as barreiras que nos afastam.