• Treze de maio

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  • “Como que nós queremos um Brasil diferente, se só trabalhamos com os melhores?”, diz Joana Félix de Souza

    Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), apenas 36% dos alunos que completaram o ensino médio em uma escola da rede pública entram em uma faculdade. Quando se olha para alunos de escolas privadas, este percentual sobe para 79% dos casos. Além disso, o Brasil sofre com um problema mais grave: 52% […]

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  • A discriminação dos afrodescendentes continua

    Confira abaixo o artigo do teólogo, filósofo e escritor, Leonardo Boff, publicado por Instituto Humanitas Unisinos-IHU.  Uma consequência da campanha eleitoral de 2018, antidemocrática e marcada por um sem número de fake news (falsas notícias), foi o fortalecimento do já existente racismo contra indígenas, quilombolas e particularmente contra negros e negras. Segundo o último censo, […]

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Milionária, cantora que fez sucesso com música que descende da cultura negra prefere o sono esplêndido com retrocessos no país

A opinião é de Brenno Tardelli, publicada por CartaCapital.

No Brasil, terra onde a escravidão é romantizada, tem muitos artistas que vivem tranquilamente como se por nada fossem responsáveis ou com nada se responsabilizassem. Artistas que convivem com cenários coloniais com uma naturalidade espantosa, como ficou nítido recentemente na festa de Donata Meirelles, chefe da revista Vogue, que achou de bom tom remontar o cenário colonial com mulheres negras vestidas de mucamas e brancos brindando suas taças e posando em tronos de candomblé – que para muitos eram tronos de sinhá. Donata é casada com o publicitário Nizan Guanaes, envolvido com a propaganda positiva de agrotóxicos a serviço da bancada ruralista, e ambos recepcionaram a elite política e artística do país, entre a qual parte que se diz engajada como Caetano Veloso, a família Gil, Regina Casé, entre outros.
A festa foi um escândalo racista e quase que de modo instantâneo as redes foram tomadas pelas cenas perversas de mulheres brancas sentadas cercadas por negras que posavam para a foto. Retratos dantescos que transcenderam as fronteiras do país, mas isso não impediu que a festança continuasse. Tratava-se de um final de semana de festa regada a dinheiro do agrotóxico e, no segundo dia, Donata e Nizan contaram com a estrela Ivete Sangalo para entreter os sinhores e as sinhoras. A cantora, conhecida como uma das “Rainhas do Axé”, foi alvo de críticas por mais uma vez compactuar com situações aviltantes ao povo negro e pobre.

Um pequeno parênteses: um pressuposto lógico para ser Rainha do ponto de vista positivo e simbólico é a realeza, a nobreza, a postura e o compromisso com seu povo. Cabe ressaltar nesse texto que Ivete Sangalo falha em todos os pontos.

Explico. Ivete se valeu durante a carreira da música negra. Pessoalmente, e respeito gosto em sentido contrário, penso sua obra como deturpadora do Axé, dos batuques, um trabalho que confundiu a ginga e a dança com ficar pulando, pulando e pulando. Talento e presença de palco à parte, a indústria cultural que elegeu Ivete e outras como rainhas do Axé – sendo todas brancas, algo digno de nota e reflexão – transformou a música num produto muito distante do sentido original dos povos de matrizes africanas. Tal deturpação é motivo de crítica de vários intelectuais negros e negras que apontam o fato como grande exemplo a apropriação cultural. De algo que surgiu negro à “A cor dessa cidade sou eu”, cantado por uma outra mulher branca, muito foi saqueado pela indústria que elegeu Ivete como uma de suas Rainhas.

É verdade que num cenário industrial, essas artistas eram mera peça de reposição de objetos descartáveis no vocal. Não fossem essas, seriam outras mulheres brancas tão medianas quanto. Entretanto, atualmente, passadas décadas desse sistema de apagamento, Ivete Sangalo e outras se encontram ricas, para não dizer milionárias. Vão continuar ganhando dinheiro por gerações e, como tal, não precisam continuar sendo bonequinhos de ventríloquos de alguma gravadora e emissora. Podem ser cobradas à responsabilidade para resgatar o que se invisibilizou, promover cantoras jovens negras em busca de um acesso na íngreme estrada da música, como também se posicionar politicamente em favor das pautas e do povo sobre o qual pisaram nos ombros para alcançar o sucesso.

Dizer-se da Bahia tem muitos artistas que adoram dizer. O próprio Caetano Veloso, que estava no primeiro dia da festa internacionalmente denunciada como racista fazendo seu papel bobo da corte, é um que faz alusão à magia baiana. Ivete e tantos outros também fazem. Mas o que seria essa magia? Seria a romantização do período colonial? A saudade dos sorrisos forçados das mucamas e o tronco para aquelas desobedientes? Algo para se refletir. Ora, se ser da Bahia é, de fato, ressaltar a herança histórica e cultural forjada pelos povos negros, pelos terreiros, pelas rodas de capoeira, honrá-la seria trabalhar para empoderar a população que atualmente, se encontra em grande parte sob a mira do fuzil, sob as louças da cozinha da Casa Grande, lutando para ingressar em universidades públicas ameaçadas de extinção, entre outras situações. Uma cultura que enriqueceu e muito Ivete Sangalo. Isso me parece óbvio.

Como tudo aquilo que é fabricado nessa sociedade injusta, no entanto, Ivete Sangalo mostra-se vazia politicamente, como também se presta a papéis de boba da corte da Casa. Algo que vem desde muito tempo, mas se acentua em tempos absurdos, como, por exemplo, no silêncio sepulcral na ascensão, campanha e eleição de Jair Bolsonaro, rejeitado por mais de 70% das urnas da Bahia, embora tenha sido cobrada para tal postura. Ela pode dizer que é uma mera artista, que não tem obrigação de se posicionar, mas quem sabe se Ray Charles quando se recusou a se apresentar para plateia segregada, sendo banido por décadas e aceitando o preço, pensasse o mesmo? Isso só para ficarmos em um exemplo, já que existem inúmeros de artistas engajados, brasileiros inclusive. Mas os artistas alienados desse país nos tempos atuais pensam que por viverem na colônia podem passar a vida sem se comprometer com nada, apenas sugando e se apropriando do povo que é esquecido no momento da fortuna.

Quando é para se indispor com alguém da Casa Grande, então, aí é que não pode se esperar nada da classe artística, muito bem representada na figura de Ivete Sangalo. Um exemplo mais recente é seu show no dia seguinte à festa nababesca colonial de Donata Meirelles, o que já seria algo de repúdio, uma vez que havia ampla comoção e revolta na base que a elegeu contra o que tinha acontecido. Sem graça, no meio da apresentação, Ivete faz um discurso no sentido de que é preciso sentir a dor do próximo, homenageia a querida aniversariante e termina: bora cantar!
Por essas e por outras, bora cantar sim, mas bora ter responsabilidade, algo que há muito falta. Não são mais tempos de assepsia no palco com Renato Aragão. Quem tem mais pode mais e Criança Esperança parece a todos e todas insuficiente. A demanda política por cobrar responsabilidade e compromisso com os direitos humanos, em especial àquelas artistas que sugam de cultura negra, deve ser algo posto na mesa. Quem tem milhões e milhões angariados da cultura e do povo negro de Salvador tem o dever, sim, de se posicionar. Como diz Djamila Ribeiro, você pode não ser a pessoa que aperta o gatilho, mas pode ser aquela que pula o cadáver estendido no chão. Há muito tempo Ivete Sangalo tem pulado corpos.

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Gentem, sou negra e celebro com orgulho a minha raça desde quando não era “elegante” ser negro nesse país. Quando preto não usava o elevador dos “patrões”. Quando pretos motorneiros dos bondes eram substituídos por brancos em festividades com a presença de autoridades de pele branca. Da época em que jogadores de um clube carioca passavam pô de arroz no rosto para entrarem em campo, já que não “pegava bem” ter a pele escura. Desde que os garçons de um famoso hotel carioca não atendiam pretos no restaurante. Éramos invisíveis. Celebro minha raça desde o tempo em que gravadoras não davam coquetel de lançamento para os “discos dos pretos”. Celebro minha origem ancestral desde que “música de preto” era definição de estilo musical. Grito pelo meu povo desde a época em que se um homem famoso se separasse de sua mulher para ficar com uma negra, essa ganhava o “título” de vagabunda, mas não acontecia se próxima tivesse a pele “clara”. Sou bisneta de escrava, neta de escrava forra e minha mãe conhecia na fonte as histórias sobre o flagelo do povo negro. Protesto pelos direitos da minha raça desde que preta não entrava na sala das sinhás. Gentem, essas feridas todas eu carreguei na alma e trago as cicatrizes. A maioria do povo negro brasileiro. Feridas que não se curaram e são cutucadas para mantê-las abertas demonstrando que “lugar de preto é nessa Senzala moderna”, disfarçada, à espreita, como se vigiasse nosso povo. Povo que descende em sua maioria dos negros que colonizaram e construíram o nosso país. Hoje li sobre mais uma “cutucada” na ferida aberta do Brasil Colônia. Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para “enfeitar” um momento feliz da vida. Felicidade às custas do constrangimento do próximo, seja ele de qual raça for, não é felicidade, é dor. O limite é tênue. Elegância é ponderar, por mais inocente que sua ação pareça. A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais. Gritaremos isso pra quem não compreendeu ainda. Escravizar, nem de brincadeira. Seguimos em luta ✊

Uma publicação compartilhada por Elza Soares (@elzasoaresoficial) em 10 de Fev, 2019 às 10:36 PST

Primeira negra deputada estadual da Bahia, a parlamentar Olivia Santana (PCdoB) comentou sobre a polêmica festa que a diretora da Vogue, Donata Meirelles, fez na última sexta-feira (8), no Palácio da Aclamação, em Salvador. A baiana afirmou que a socialite deveria homenagear mulheres negras de outra maneira, inserindo elas na revista onde trabalha.

A reportagem foi publicada por Mídia Bahia e reproduzida por Geledés.

“Ela deveria colocar negras na capa da Vogue. Ela deveria colocar milhares dessas mulheres lá. Isso sim seria homenagem”, afirmou Olívia.

Olívia ainda disse que a polêmica foto, que repercutiu nas redes sociais no final de semana, faz referência ao período da escravidão. “Como mulher e negra, me senti extremamente incomodada com aquela imagem, porque uma foto fala e aquela fotografia da festa transmite a mensagem de senhoras mulheres brancas numa relação cordial com mulheres negras postas em subalternidade colonial. Basta olhar isso em um livro. A questão é que estamos no século XXI […] Aquilo era uma festa de gente branca e rica”, disse a parlamentar.

Confira o texto postado pela Parlamentar em seu instagram.

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A escravidão se transformou em um fetiche para nossas elites. Em vez de se libertar deste imaginário de senzalas e mucamas, ainda há quem recrie tais estereótipos como ornamentação de festas.  Tal prática é recorrente, porque o grau de consciência de uma larga parcela da nossa sociedade ainda está no século 19. As reações nas redes sociais sobre a festa da diretora da Vogue, certamente causou extremo desconforto a ela e espanto aos que  não conseguiram ver o que deveria ser óbvio na situação posta. Mas diz o ditado, quem não aprende pelo amor, aprende pela dor. A imagem que ficou das fotografias da festa transmite a velha mensagem de senhoras mulheres brancas numa relação cordial com mulheres negras postas em subalternidade colonial.  Não há retórica de apreço que resolva essa assimetria. Claro que baianas fazem parte do nosso universo cultural e são inclusive contratadas para eventos.  Mas, convenhamos, numa festa onde quase todos os convidados são brancos e ricos, mulheres negras, com “trajes típicos”, contratadas como enfeites para compor um cenário folclorizado, que remonta de forma romantizada a relação senhoras e mucamas,  não deveria ser constrangedor apenas para nós negros, mas para todas as pessoas de bom senso. A situação é lamentável,  mas a repercussão é  pedagógica. #DescolonizarAsMentes #EducarParaLibertar

Uma publicação compartilhada por Olívia Santana (@oliviasantana_oficial) em 9 de Fev, 2019 às 4:24 PST

Eleito melhor filme no PAFF de 2011, o longa terá sessões especiais na edição deste ano do festival.

A reportagem é de Pedro Rocha Do Terra, publicada por Geledés, 07/02/2019.

Este ano, o filme brasileiro Besouro completa 10 anos desde a sua estreia no Brasil, em 2009. A comemoração vem com a seleção do longa para sessões especiais no Festival de Cinema Pan Africano — ou PAFF, na sigla em inglês — onde foi eleito o melhor filme de ficção na edição de 2011.

Besouro será exibido novamente no festival, realizado em Los Angeles,nos EUA, nos dias 9, 14 e 18 de fevereiro, às 18h, 14h40 e 9h30, respectivamente. O filme vai receber ainda uma sessão de gala com o diretor, João Daniel Tikhomiroff, que não pode receber o prêmio conquistado por seu longa em 2011.

“Estava rodando uma série e não pude me ausentar, não fazia ideia que iria ganhar”, relembra Tikhomiroff, em entrevista ao Estado. “Insistiram para que eu estivesse lá desta vez, na sessão vou responder a perguntas do público.”

Besouro é a única produção brasileira a ter recebido o prêmio máximo nas 26 edições já realizadas do PAFF, festival internacional focado em filmes de promoção cultural das heranças africanas. Na apresentação do filme, em seu site, a organização do festival caracteriza Besouro como “uma das maiores produções cinematográficas brasileiras já feitas”.

O filme de Tikhomiroff é uma ficção inspirada pelas lendas que envolvem a figura real do baiano Manuel Henrique Pereira, capoeirista que esteve em atividade na Bahia nos anos 1920 e ficou conhecido como Besouro Mangangá. No longa, o Besouro tem poderes super-humanos, como o de voar, conquistados com a ajuda de Orixás, que utiliza para lutar contra a escravidão que seguiu no País mesmo após a abolição em 1888.

“Fico emocionado e orgulhoso”, diz o cineasta sobre o longa, que chegou a receber prêmios também em outros festivais. “O filme tem uma história muito brasileira, desde as origens e mitologias africanas do candomblé até algo completamente brasileiro, como a capoeira, que causa um encantamento em todo o mundo.”Besouro é um raro exemplo de filme de ação brasileiro e com aspectos que lembram as histórias em quadrinhos. O longa precedeu o grande boom de filmes de super-heróis promovido pelos estúdios Marvel, da Disney, ao longo desta década. “Ele é uma espécie de super-herói. Apesar de a história real estar ali, as lendas sobre o Besouro estão muito presentes, como a fantasia de que ele voava, ou de que quando ele morreu incorporou em outras pessoas.”

Para Tikhomiroff, é possível que Besouro tenha servido de referência visual para Pantera Negra, filme da Marvel sobre um fictício país africano, que em 2019 concorre ao Oscar de melhor filme. “Já me disseram que alguém da produção de Pantera Negra afirmou que Besouro foi uma referência”, relata. “É possível, há três cenas muito marcantes dos dois filmes que são visualmente parecidas, além da forma como o protagonista se relaciona com os Orixás.”

Tikhomiroff planeja agora inserir a lenda do Besouro Mangangá na televisão, em formato de série. O cineasta está desenvolvendo, com a produtora Mixer Filmes, um projeto para a TV baseado no personagem. Desta vez, o público vai encontrar o espírito do Besouro nos dias atuais, numa cidade grande. “É o mesmo personagem, mas nos dias de hoje, com uma outra forma”, explica o diretor. “Porém ainda capoeirista e com a relação com os Orixás.”

Nos últimos meses, circularam notícias de que o projeto estava em produção com a Globo, mas Tikhomiroff afirma que o canal de exibição do projeto ainda não está definido. A mesma notícia afirmava que a série não teria relação com o candomblé, o que o diretor também nega. “Seria um absurdo o personagem não ter essa relação religiosa, é algo que está na base da nossa cultura, seria uma pena desperdiçar isso.”

Para fazer a memória de Sepé Tiaraju e celebrar a resistência dos povos indígenas, o dia 7 de fevereiro foi sancionado, pela Presidência da República, em 2008, como o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas.

A reportagem foi publicada por CIMI, 07/02/2019.

Durante a Guerra Guaranítica (1753-1756), o Guarani Sepé Tiaraju liderou uma das principais revoltas contra a dominação colonizadora das coroas da Espanha e Portugal. O conflito foi uma consequência do Tratado de Madrid (1750), onde em uma negociação as fronteiras entre o território colonial espanhol e português, na América do Sul, foram redesenhadas. Os Guarani das missões jesuíticas se opuseram aos limites definidos e foram à guerra sob o eco da voz de Sepé: “Esta terra tem dono!”. A batalha levou três anos, com milhares de mortos entre os indígenas. Sepé tombou em 7 de fevereiro de 1756, durante um dos confrontos nas terras que hoje formam o Rio Grande do Sul. Pouco depois, em maio, a guerra acabou e os europeus saíram vitoriosos.

Para fazer memória e celebrar a resistência dos povos indígenas, o dia 7 de fevereiro foi sancionado, pela Presidência da República, como o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas (Lei nº 11.696, de 12 de Junho de 2008). Portanto, nesta quinta-feira, dia 7, os povos indígenas reafirmam sua resistência e luta voltando às palavras de Sepé Tiaraju: “Esta terra tem dono!”. O grito, que hoje mobiliza não só os Guarani, mas todos os povos do país, também é lembrado, há 13 anos, pelas reuniões anuais do Encontro em Memória de Sepé Tiaraju.

Sempre com encerramento programado para o dia 7 de fevereiro, este ano o encontro ocorreu na Terra Indígena Mbya Guarani Para Roke, em Rio Grande (RS). Conforme o documento final do encontro, “de Rio Grande os Guarani estão em sintonia com as lutas e mobilizações que acontecem em todo o Brasil pela garantia dos direitos as demarcações das terras, as diferenças étnicas e culturais e a de serem sujeitos de direitos, todos consagrados como direitos fundamentais na Constituição Federal em 1988”.

Leia na íntegra:

DOCUMENTO FINAL DO 13º ENCONTRO EM MEMÓRIA DE SEPÉ TIARAJU

Entre os dias 05 a 07 de fevereiro, na Terra Indígena Mbya Guarani Tekoha Pará Roke, no município de Rio Grande, RS, nos reunimos para a realização do 13º Encontro em Memória de Sepé Tiaraju, que foi morto pelos brancos, quando fazia a defesa do território de nosso povo. Desde Rio Grande, RS, estamos em sintonia com as lutas e mobilizações que acontecem em todo o Brasil. Essas lutas são pela garantia dos nossos direitos: a demarcação de nossas terras, de nos manifestarmos de acordo com nossas culturas, que sejam respeitadas as diferenças étnicas e religiosas e de sermos reconhecidos como cidadãos, sujeitos de direitos. Todos esses direitos foram consagrados na Constituição Federal de 1988, como direitos fundamentais.

De Rio Grande os nossos pensamentos, os nossos olhares e os espíritos dos mais de 200 Xeramoi, Xejaryi, Karai, Kunhã Karai, Caciques, homens e mulheres, crianças e jovens se unem a todos os povos do Brasil, numa única sintonia para combater as propostas do governo brasileiro de aniquilar os nossos direitos. Um governo que pretende dificultar ainda mais a aplicação da Constituição Federal, que nos assegura a terra como um bem originário. E, se hoje, não estamos em alguns dos espaços que reivindicamos é porque nos expulsaram, nos perseguiram, nos violentaram física, cultural e espiritualmente.

Por ocasião deste encontro, em Memória de Sepé Tiaraju, nos manifestamos contra as seguintes propostas do governo brasileiro:

– contra a Medida Provisória 870/2019, que transfere os poderes da Funai, de demarcar e proteger as terras indígenas, para o Ministério da Agricultura, instituição que representa os interesses dos fazendeiros, de deputados e senadores ruralistas;

– contra a transferência da Funai – Fundação Nacional do Índio – do Ministério da Justiça para o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, porque neste ministério o órgão indigenista estará esvaziado de suas funções. Dele foram retiradas as suas principais atribuições, de demarcar as terras, protegê-las, fiscalizá-las e fazer com que seja respeitado o seu usufruto exclusivo por nossas comunidades e não por invasores;

– contra o arrendamento de terras ou qualquer outra proposta que tenha por objetivo transferir a posse ou uso das nossas áreas para os brancos, fazendeiros, colonos, garimpeiros, madeireiros e mineradores;

– contra a municipalização da política de atenção à saúde dos povos indígenas, porque vai romper com a possibilidade de que tenhamos uma assistência diferenciada e de que haja nossa participação em todas as etapas da política, desde o planejamento até a sua execução nas comunidades;

– contra as medidas que visam a criminalização das nossas lideranças e de nossos aliados que lutam pela defesa e garantia dos direitos à terra e às políticas públicas diferenciadas;

– contra as medidas que visam inviabilizar o acesso a política de educação escolar bilíngue e diferenciada para os povos indígenas e que as regras atuais sejam mantidas e cumpridas tanto em âmbito estadual como federal;

– contra as teses do marco temporal e do renitente esbulho, pois com elas se pretende negar e impedir nosso direito à demarcação das terras. Essas teses visam apenas resguardar os interesses dos fazendeiros, das mineradores, dos deputados e senadores da bancada ruralista;

– contra as medidas políticas e jurídicas que pretendem impedir que possamos viver de acordo com nossas culturas, costumes, crenças e tradições e que nosso modo de ser seja respeitado, inclusive pelo Poder Judiciário dos brancos que sempre nos excluem dos processos que nos afetam, ou nos criminalizam sem respeitar nossas regras e leis internas.

Nós lideranças Mbya Guarani exigimos que o governo brasileiro:

– Respeite os diferentes povos de nosso país, cada um com suas culturas, costumes e tradições;

– retome de forma imediata a demarcação de nossas terras e sejam respeitadas e protegidas todas aquelas que foram demarcadas por governos anteriores;

-respeite o nosso direito de consulta livre, prévia e informada (Convenção 169 da OIT) quando planejarem projetos e empreendimentos que afetem nossas comunidades e quando estes forem irreversíveis que nossas comunidades sejam devidamente compensadas;

-fiscalize e proteja as nossas terras de invasores e puna todos aqueles que entram nas nossas áreas causando degradação e destruição do meio ambiente, tais como pescadores, madeireiros, fazendeiros, turistas;

-regularize todas as terras em demarcação e também todas aquelas que foram concedidas pelos governos estaduais ou municipais para o nosso usufruto exclusivo, assegurando as nossas comunidades o direito de nelas viver de modo seguro e tranquilo;

– mantenha o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, como previsto em lei, e que a Secretaria Especial de Saúde Indígena seja fortalecida;

– assegure que a política de educação escolar indígena seja diferenciada, bilíngue respeitando a diversidade de povos e culturas em nosso país;

– assegure e fortaleça as políticas de acesso e permanência de estudantes indígenas no ensino superior, garantindo o ingresso, permanência e formação adequada, respeitando todas as diferenças culturais.

Tekoha Pará Roke, RS, 07 de fevereiro de 2019, dia de Sepé Tiaraju.