• Treze de maio

    Em lembrança ao dia 13 de maio, abolição da escravatura no Brasil, o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas NEABI Unisinos publica a poesia da filosofa Renata Mouray. Confira o texto abaixo: Treze de Maio Uma data histórica que dizem que a princesa aboliu e no dia seguinte o que poderia ser política essa ideia […]

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  • “Como que nós queremos um Brasil diferente, se só trabalhamos com os melhores?”, diz Joana Félix de Souza

    Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), apenas 36% dos alunos que completaram o ensino médio em uma escola da rede pública entram em uma faculdade. Quando se olha para alunos de escolas privadas, este percentual sobe para 79% dos casos. Além disso, o Brasil sofre com um problema mais grave: 52% […]

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  • A discriminação dos afrodescendentes continua

    Confira abaixo o artigo do teólogo, filósofo e escritor, Leonardo Boff, publicado por Instituto Humanitas Unisinos-IHU.  Uma consequência da campanha eleitoral de 2018, antidemocrática e marcada por um sem número de fake news (falsas notícias), foi o fortalecimento do já existente racismo contra indígenas, quilombolas e particularmente contra negros e negras. Segundo o último censo, […]

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Se depender do rapper Emicida, o povo preto será retratado exalando poder, felicidade e vitória. Em seu novo single Eminência Parda, lançado nesta quinta-feira (9), o artista paulistano desconstrói a narrativa histórica e repleta de estereótipos, feita sob o ponto de vista do homem branco, de que negros só ocuparão a parte inferior da pirâmide social.

A reportagem é de Felipe Mascari, publicada por Rede Brasil Atual-RBA e reproduzida por Instituto Humanitas Unisinos, 11-05-2019.

O artista da zona norte paulistana ainda conta em seu lançamento com participação de Jé Santiago, do rimador português Papillon e da poeta Dona Onete. O single é o carro-chefe do novo ciclo de disco do rapper: Permita Que Eu Fale, ainda sem data de lançamento, e sucessor de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, álbum de 2015.

O videoclipe feito em parceria com o diretor mineiro Leandro HBL é a materialização da crítica que o rapper trouxe na letra: o estereótipo mata. Neste contexto, o rapper aponta a forma com que a população negra é vista e tratada de forma discriminatória, sem poder ocupar os mesmos espaços da classe média branca, seja na escala social ou em determinados locais.

O trabalho audiovisual exemplifica isso. O clipe traz uma família negra, que comemora o ingresso na faculdade, indo jantar em um restaurante caro e cheio de pessoas brancas. Apesar de ostentarem felicidade, a presença deles resulta em olhares racistas por parte dos outros clientes, com assimilações de estereótipos negativos, colocando-os como ladrões e escravos. O fim é trágico, com corpos negros estirados no chão.

“A partir do momento que você encontra uma família não branca fora do perfil do estereótipo que você espera, mas ainda os vê dentro desse estereótipo, você é cúmplice do apertar do gatilho. Na mentalidade de várias pessoas, a vida deles (negros) não importa”, explicou Emicida.

A provocação feita pelo artista já começa pelo título. O nome Eminência Parda é inspirado no termo em francês éminence grise, porém, utilizado de maneira depreciativa no século 17.

Segundo o próprio rapper, a eminência parda, em política, é o nome que se dá quando determinado sujeito não é o governante supremo de tal reino ou país, mas é o verdadeiro poderoso. “É uma música sobre grandeza autêntica”, acrescentou ele.

A música ainda é recheada de influências e linhas quentes. Ele lembra que sua vitória na vida “nunca foi sorte, sempre foi Exu” e afirma que vai “foder com a história branca” até que “chamem de colonização reversa” – uma ironia aos que acreditam no tal “racismo reverso”.

As participações também mostram que o rapper é atemporal. Emicida, que se diz “tubarão voraz” em uma das linhas, trouxe a autora de Festa de Tubarão: Dona Onete, para representar o passado e o canto dos ancestrais. A poetisa abre a música com um trecho do Canto II, tema do álbum Canto dos escravos, de Clementina de Jesus.

Já o futuro é reproduzido nas vozes do brasileiro Jé Santiago, integrante do grupo Recayd Mob, e do lusitano Papillon. Ambos jovens promissores talentos do rap em seus países.

Dentro de um instrumental e uma estética mais moderna, feito pelo produtor Nave Beatz, o chefe do selo Laboratório Fantasma também se mostra atualizado e em sintonia com as novas demandas do rap nacional, o que faz ele mesmo se classificar como “Jesus 2.0”, ao mesclar três tipos de flows em seu verso.

“Jé Santiago é um artista talentoso que nasce em uma ramificação mais jovem da nossa música chamada trap, porém somos todos tentáculos de um mesmo monstro. Acho o desafio (de fazer algo atual) instigante e vou atrás de buscar jogo”, disse.

Se antes, Emicida ainda tinha dúvidas de como poderia se expressar, após seis discos lançados. As reações do público e os milhares de visualizações alcançadas em minutos, mostram que as pessoas permitem – e pedem – que o rapper da zona norte fale. O seu novo lançamento faz jus a frase que sempre precede seus novos trabalhos: “o zica voltou”.

Treze de maio

0 Comentário em 13 - maio - 2019

Em lembrança ao dia 13 de maio, abolição da escravatura no Brasil, o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas NEABI Unisinos publica a poesia da filosofa Renata Mouray.

Confira o texto abaixo:

Treze de Maio

Uma data histórica que dizem que a princesa aboliu e no dia seguinte o que poderia ser política essa ideia também sumiu.
A Lei da libertação que deixou o povo com uma grande interrogação.
Sem terra, sem direito, sem política e sem educação.
Porque tenho que ser escrava de condição?
Mas sabe também entendo de religião, umbanda e nação.
Me seguro no axé dos pretos velhos e vivo a inclusão.
Porque treze de maio é dia dos pretos velhos.
Mas afinal qual era a discussão?
A lembrei era sobre a Lei da libertação.

(Renata Mouray)

 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), apenas 36% dos alunos que completaram o ensino médio em uma escola da rede pública entram em uma faculdade. Quando se olha para alunos de escolas privadas, este percentual sobe para 79% dos casos. Além disso, o Brasil sofre com um problema mais grave: 52% dos brasileiros não tem diploma do ensino médio, segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por isso, uma reinvenção na educação do país é necessária.

A vulnerabilidade social é uma das barreiras que tornam esses índices tão altos no Brasil e fazem da conquista do diploma de ensino médio algo mais difícil. Atenta a isso e convivendo com uma realidade diretamente atingida pela desigualdade social, a professora e pesquisadora Joana D’Arc Félix de Souza transformou o ensino na escola técnica em que trabalha.

Apostando em uma metodologia que combinasse a educação e a ciência, a professora mudou a forma de ensinar na Escola Técnica Estadual Prof. Carmelino Corrêa Júnior, em Franca, São Paulo. Joana implantou um projeto de bolsas de Iniciação Científica para seus alunos. O diferencial dessa aposta foi o fato de que ela optou por trabalhar com os alunos de baixo rendimento escolar. Segundo a pesquisadora, “como que nós queremos um Brasil diferente, se só trabalhamos com os melhores? Então os piores sempre vão ser excluídos. A gente sempre vai trabalhar com exclusão”, pergunta Joana.

Joana D’Arc Félix de Souza é PhD em química, pela Universidade de Harvard, dos Estados Unidos. Atualmente é professora e coordenadora do Curso Técnico em Curtimento, na ETEC Prof. Carmelino Corrêa Júnior, do Centro Paula Souza, na cidade de Franca, em São Paulo.

Confira a entrevista realizada pelo Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas, da Unisinos, via Skype.

Como é fazer educação de qualidade com incentivo à ciência e à pesquisa no Brasil atual? Qual é a perspectiva que você tem para o futuro da nossa educação científica?

Eu acredito no Brasil. Eu creio em uma educação de qualidade. Só que tem que existir uma educação pública, de qualidade para todos, porque assim todos terão as mesmas oportunidades, as mesmas chances, quando forem fazer uma prova do ENEM, uma prova do Vestibular. Então a educação pública de qualidade para todos, isso iguala a todos, todos vão concorrer de igual para igual. Porque do jeito que está, quem tem mais condições são alunos que estudam em uma boa escola e que vão bem em um Vestibular e em um ENEM. Mas nós podemos mudar um pouquinho a cara disto. Isso se cada professor começar a fazer a sua parte. Como assim? Eu até falo como um achado que foi aqui na escola quando nós começamos a trabalhar a educação científica, que é a educação aliada a ciência. Porque eu comecei isso aqui na escola? A escola estava passando por um grande problema de evasão escolar e essa foi uma maneira de estar reduzindo a evasão escolar e juntamente, concomitante a isso, estar melhorando o desempenho dos alunos no ENEM e no Vestibular.

A escola se localiza em um bairro de periferia aqui na cidade de Franca, em São Paulo. E é uma escola técnica, que nós temos o ensino técnico e o ensino médio também. E aqui, o bairro é dominado pelo tráfico de drogas e pela prostituição. Então, na escola nós temos muitos alunos envolvidos no tráfico de drogas e na prostituição. E eram esses alunos que estavam causando a grande evasão escolar. Como mudar essa realidade, reduzir a evasão escolar, prender esses alunos na escola, motivando esses alunos a vir à escola, eles tendo prazer de assistir aula?

Educação aliada à ciência

Então veio a educação científica, que é a educação aliada a ciência. Junto com isso, é importante a bolsa de Iniciação Científica. A realidade que eu encontrei desses alunos é a seguinte: eles falam que tem que levar dinheiro para casa. É muito triste você ouvir de uma garota de 14, 15 anos, de um garoto de 14, 15 anos, que a menina tem que se prostituir, por que a família esta esperando o dinheiro. O menino tem que traficar, por que a família está esperando o dinheiro. Então a bolsa veio, não sei se iguala valores, mas pelo menos contribuiu bastante. Por que a bolsa de Iniciação Científica na Fapesp, que é Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, eles chamam de Bolsa de Treinamento Técnico, tem um valor muito bom. Essa bolsa chega a ter até um valor maior que a bolsa do CPNq para Iniciação Científica na Graduação.

Qual o valor?

Hoje é em torno de R$1000. É um valor considerável. Ou seja, o segredo foi despertar um espirito investigativo no aluno, dar oportunidade. Porque como eu só trabalho com esse tipo de aluno, não é fácil, eu que tenho que correr atrás deles, porque se você colocar um anúncio “aceita-se inscrições para bolsas de Iniciação Científica”, esses meninos que estão no tráfico de drogas e na prostituição, eles se sentem excluídos. Porque, infelizmente, até na sala de aula por serem aqueles ditos piores alunos, então eles são excluídos. Eles não se candidatam, porque eles têm na mente deles que eles serão excluídos. Eles não se sentem pertencentes aquele lugar. Então eu que vou atrás. Essa é a forma que eu comecei a trabalhar e trabalho até hoje. Eu vou atrás desses meninos, mostro para eles o que é uma Iniciação Científica, o que é o desenvolvimento de um Projeto de Pesquisa. Mas não é fácil convencer, porque eles são muito desconfiados. Mas eu digo para eles que o importante é começar, se não gostarem, abandonem daqui uma semana, daqui um mês. Mas pelo menos comecem. E eu percebi que até hoje eu não tive nenhuma desistência. E o que é importante é que esses meninos começaram a se sentir valorizados. Aquele talento que estava adormecido dentro deles, eles colocam isto pra fora.

A bolsa de Iniciação Científica e a vulnerabilidade social

“Como que nós queremos um Brasil diferente, se só trabalhamos com os melhores? Então os piores sempre vão ser excluídos. A gente sempre vai trabalhar com exclusão”- Joana D’Arc Félix de Souza

O que é comum, quando o professor tem uma bolsa de Iniciação Científica, não é errado, mas geralmente o professor seleciona pelo histórico escolar. Como que nós queremos um Brasil diferente, se só trabalhamos com os melhores? Então os piores sempre vão ser excluídos. A gente sempre vai trabalhar com exclusão. Então dando oportunidade para esses meninos que vivem na vulnerabilidade social, eles tendo uma oportunidade, eles mostram aquele talento que está adormecido. E eles serão tão bons, quanto os primeiros ou muitas vezes até melhores, porque eles agarram essa oportunidade com unhas e dentes, eles querem vencer na vida. Esses meninos participando dessa educação científica, eles começam a ler assuntos além da sala de aula, e com isto eles começam a adquirir conhecimento, o que facilitou muito na hora da prova do ENEM e do Vestibular. Nós temos alunos que já fizeram Iniciação Científica comigo e já saíram da escola, todos passaram no ENEM e no Vestibular sem cursinho, porque eles ampliaram o leque de leitura e isso facilitou para adquirir conhecimento. A educação tem jeito, a partir do momento que nós professores, a gente não precisa ficar esperando entrar governo, sair governo para melhorar a educação. Eu acho que cada um de nós pode dar uma contribuição, pode melhorar um pouquinho.

E esse trabalho desenvolvido por você na escola técnica, impactou a realidade destas vidas, destes jovens, de uma forma geral, na comunidade?

Sim, bastante. Impactou bastante. Que já saíram da escola e fizeram Iniciação Científica comigo, foram 40. Desses 40, oito fizeram cursos técnicos e estão no mercado de trabalho e 32 estão na universidade e nenhuma desistência.

Como estes jovens se motivaram a seguir na Iniciação Científica? Sabemos que principalmente, em relação à vida de jovens negros, persistir em projetos como este, é muito mais difícil, por vários motivos. Principalmente, quando temos índices que atrasam ainda mais a vida destes jovens em nosso país. Será que os resultados que vocês obtêm ajudam a motivar estes alunos a persistir?

Sim, ajuda a motivar pelo seguinte: eles começam a olhar para a minha vida como um exemplo. Eu passei por necessidades, que eles também estão passando. Não tive problemas de drogas e nem prostituição na minha família, mas eu sei muito bem o que é ser excluída, sei muito bem o que é passar fome, o que é passar por necessidades, principalmente preconceito. Sofri muito preconceito. Tanto por conta da cor, quanto por condição social. Mas, mais por conta da cor. Então eles acabam me olhando como um exemplo: “ela venceu, eu tô na mesma situação, então eu também posso vencer”. Eles enxergam isto como uma motivação: “eu também posso conseguir”. Eu procuro participar de Feiras aqui dentro, Congressos, Feiras de Ciências com esses alunos, tanto aqui no país, como fora do país. Então eles se sentem muito valorizados quando eles vão representar a nossa escola, o nosso país, nos Estados Unidos ou na Europa. Essa valorização é muito importante, porque quando ele volta, ele acaba motivando outros alunos que estão na mesma situação. Ou seja, mostrando para os outros: “eu também posso”. Então é essa valorização que fez com que eles seguissem em frente e não desistissem. Eu tenho muitos alunos negros, porque eu vou atrás, que estão nessa situação e eles veem que são importantes. E ai, acaba tento aquele relato que eu também sofri. Quando eu era criança o meu pai falou assim: “estuda pra ser alguém na vida”. Ai eu falei assim: “como ser alguém na vida, sendo preta, usando sapato furado e roupa rasgada?”. Porque eu falei isso de como vencer na vida sendo preta? Porque a sociedade me excluiu de tal forma, que eu cheguei à conclusão, enquanto criança, que preto era lixo, que preto não valia nada. A sociedade me fez pensar assim. Mas o que eu tive de bom, apesar da pobreza, foi uma família estruturada. E meu pai teve sabedoria para falar: “estuda pra vencer na vida”. Porque, se de repente, eu encontrasse uma família desestruturada, eu poderia ter escutado aquilo que muitos dos alunos escutam dos pais: sai da escola, a escola não vai te levar a nada, a escola não vai melhorar a sua vida. Então isso também acaba desmotivando os alunos. Aqui na escola, além desse trabalho de orientação científica, ainda temos que fazer esse resgate da autoestima, recuperar essa autoestima dos alunos.

Na sua opinião, a ciência no Brasil é branca?

Muito, muito branca. No ano passado eu participei de um evento no Museu do Amanhã e fiquei espantada com um dado que eu não sabia. Mulheres negras, doutoras, no Brasil, são apenas 0,2%. A ciência brasileira, infelizmente ela é branca.

Eu falo muito em palestras para professores, a gente pode fazer cada um a sua parte, independente de salário. O objetivo de todos é mudar o Brasil. Cada professor tem que fazer a sua parte, independente de governo. Cada um tem condições de dar uma pequena contribuição, para que todas e todos mudem este país.

Como é ser mulher, negra e pesquisadora no Brasil?

Eu acho que até por conta dos trabalhos que são desenvolvidos, eu consegui um certo respeito. Mas mesmo assim, você ainda vê, em alguns lugares, pessoas que torcem o nariz. Só que eu não ligo para isso.

Um problema que vi no ano passado foi quando participei de um evento da Unifesp, Universidade Federal de São Paulo. Acho que foi dia 25 de julho do ano passado, dia internacional da mulher negra. Tinha mulheres do movimento negro, que infelizmente ainda tentavam se esconder atrás do vitimismo. Eu já sou ao contrário. Eu já falo não ao vitimismo. A gente tem que mostrar a cara. Tem que estar em todos os lugares para eles verem. Porque as vezes ficam assim: “a primeira negra que conseguiu isso, a primeira negra que conseguiu aquilo”. Então fica parecendo que nós somos tão inferiores, que hora, quando um se destaca é porque ela é inteligente. Não, eu acho que não é assim ‘a primeira’. Independente da cor, todo mundo tem que ter o mesmo valor. Eu acho que a gente não pode ter esse estereótipo, eu acho que a gente tem que ser enxergado como um ser humano, independente da cor. O que falta muito é a representatividade. Porque você vai em um hospital, você não vê médicos negros, você vai em consultório, dentista dificilmente. Está faltando muita representatividade. Falta aumentar a autoestima do negro brasileiro.

Você entrou na Universidade muito antes da Política de Cotas ser implementada no Brasil. Qual é a sua opinião sobre a inserção desta Politica Pública em universidades?

São fundamentais. Infelizmente, isso hoje ainda é necessário. Só que eu sou muito a favor das cotas sociais. Porque hoje em dia tem negros que conseguem pagar uma escola, dar uma boa educação para os filhos. Só que eu acho que infelizmente ainda precisamos das cotas raciais, das cotas sociais. Porque nós não temos uma educação pública de qualidade para todos. O dia que tivermos uma educação pública de qualidade para todos, ai não precisa mais existir cotas no país.

E o Brasil está muito longe disto?

Não precisava estar muito longe disto não. Se quem está no poder trabalhar em prol da educação e se nós professores, sem ficar esperando políticas governamentais, cada um fizer a sua parte. Vamos motivar esses alunos, vamos trabalhar de forma diferente, mudar a metodologia de ensino, a forma de ministrar as aulas. Cada um dando a sua pequena contribuição, cada um no seu lugar, na sua escola, eu acho que nós conseguimos atingir esse prazo 100%, em menos tempo daquilo que a gente espera.

E na sua área, que é a química, como você enxerga a atuação da mulher negra?

É muito baixa a atuação da mulher negra. Por que o que eu percebi na ‘parte de baixo’, a parte de baixo que eu falo é o ensino médio e técnico. Aqui, eu tenho bastante meninas. Eu tenho muito mais meninas na Iniciação Científica do que meninos. Eu tenho muito mais meninas negras na Iniciação Científica do que meninos. Por que isso se inverte no ensino superior? O que eu percebi de dados aqui da escola, muitas destas meninas, quando vivem na vulnerabilidade social, engravidam. E ela estando na vulnerabilidade social dificilmente volta para concluir um ensino médio, dificilmente ela volta pra concluir o ensino técnico. Então como que a gente está fazendo a nossa parte? Como é que a gente está mudando a realidade? Como eu tenho um número maior de meninas, essas mulheres estão conseguindo entrar em uma universidade. Então é por isso que eu te falo, se cada um fizer a sua parte nós vamos conseguir ter mais meninas na ciência, mais meninas negras na ciência.

Confira abaixo o artigo do teólogo, filósofo e escritor, Leonardo Boff, publicado por Instituto Humanitas Unisinos-IHU. 

Uma consequência da campanha eleitoral de 2018, antidemocrática e marcada por um sem número de fake news (falsas notícias), foi o fortalecimento do já existente racismo contra indígenas, quilombolas e particularmente contra negros e negras. Segundo o último censo, 55,4% se declaram pardos ou negros. Quer dizer, depois do Quênia somos a maior nação negra do mundo. A maioria tem em seu sangue a herança africana. Aliás todos, brancos, negros e amarelos e outros somos africanos. Pois foi em África que irrompeu o processo da antropogênese há milhões de anos.

Como nossa história foi escrita pela mão branca, muitos historiadores tentaram suavizar a escravidão. O fato é que a escravidão desumanizou a todos, senhores e escravos. Ambos viveram a escravidão numa permanente síndrome de medo, de revoltas, de envenenamentos, de assassinatos de patrões, de filhos, de assaltos a suas mulheres. Os senhores, para contê-los e aplicar a violência contra os negros, tiveram de reprimir seu sentido de humanidade e de compaixão. Por isso, até hoje as classes dominantes, herdeiras da ordem escravagista, são habitadas por preconceitos de que os negros, os mulatos devem ser tratados com violência e dureza. São considerados preguiçosos quando, na verdade, foram eles que construíram nossas igrejas e edifícios coloniais.

Os escravos eram quase sempre muito mais numerosos que os brancos. Em Salvador e na capitania de Sergipe, por volta de 1824, eram 666 mil escravos e 192 mil brancos livres (Clovis Moura, Sociologia do negro 1988, p. 232). Em 1818, no Brasil todo, 50,6% da população era de negros escravos (Beozzo, Igreja e escravidão, 1980, p. 259). E atualmente, como referimos acima, são 55,4% da população.

A escravidão desumanizou muito mais os negros. Darcy Ribeiro, em seu extraordinário O povo brasileiro (1995), resume bem a condição escrava:

“Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém – seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos -, maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente, vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de dedos, do furo dos seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinqüenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha, ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso” (p. 119-120).

Por causa desse tipo de violência, os escravos internalizaram dentro de si o opressor. Para sobreviver, tiveram de assumir a religião, os costumes e a língua de seus opressores. Desenvolveram a estratégia do “jeitinho” para nunca dizerem não e ao mesmo tempo poderem alcançar um objetivo que de outra forma jamais alcançariam.

Mas já há muito tempo surgiu forte a consciência da negritude com a determinação de resgatar a sua identidade, suas religiões e sua forma de estar no mundo. Trata-se da constituição do sujeito da libertação, os negros e negras, contra sua inserção forçada na iníqua história da barbárie branca.

A história contada pela mão negra não é apenas uma história contra o branco; é uma história própria, que não se confunde com a história de seus opressores e escravocratas, embora esteja ligada dialeticamente a ela. Ela está fazendo seu curso livre.

A abolição dos escravos em 1888 não significou a abolição da mentalidade escravocrata, presente na cultura dominante que continua mantendo centenas de trabalhadores com uma relação análoga à dos escravos. Em janeiro de 2019, havia 204 empreendedores cometendo esse crime. Basta ler a recente obra distribuída em 2019 “Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo” (Maud) com a colaboração de quarenta e quatro pesquisadores, cobrindo grande parte da área nacional, organizada pelo conhecido especialista junto com outros, Ricardo Rezende Figueira. A impressão final é estarrecedora. Como ainda hoje persiste a pérfida desumanidade de seres humanos escravizando outros seres humanos?

O artigo é de Achille Mbembe, publicado por Le Monde e reproduzido por Instituto Humanitas Unisinos. A tradução é de André Langer.

De todos os grandes desafios que a África enfrenta nesse início de século, nenhum é tão urgente e tão cheio de consequências quanto a mobilidade de sua população. Em grande medida, o seu futuro imediato dependerá da sua capacidade de garantir que as pessoas possam se deslocar pelo continente tão frequentemente quanto possível, o mais longe possível, o mais rápido possível e, de preferência, sem nenhum entrave. Além disso, tudo aí se desenvolve: tanto o crescimento da população, a intensificação da depredação econômica, quanto as dinâmicas da mudança climática.

Além disso, as grandes lutas sociais na África neste século se concentrarão tanto na transformação dos sistemas políticos, na extração dos recursos naturais e na distribuição da riqueza quanto no direito à mobilidade. Não há nada na criação digital que não se articulará aos processos de circulação. A revolução da mobilidade provocará profundas tensões e terá um peso nos equilíbrios futuros do continente, bem como sobre os de outras regiões do mundo, como já atestou a chamada crise migratória. E nós somos convidados a refletir sobre essas mudanças.

Para entender as implicações, ainda temos que dar as costas aos discursos neomaltusianos, muitas vezes alimentados com fantasmagorias racistas e que continuam a se espalhar.

Violência nas fronteiras
A “corrida para a Europa” é, a este respeito, um grande mito. O fato de que um habitante do planeta em quatro seja africano não representa nenhum perigo para ninguém. Afinal, atualmente, dos 420 milhões de habitantes da Europa Ocidental, apenas 1% é composto por africanos subsaarianos. Dos quase 1,3 bilhão de africanos, apenas 29,3 milhões vivem no exterior. Destes 29,3 milhões, 70% não tomaram o caminho da Europa ou de qualquer outra região do mundo. Eles se estabeleceram em outros países da África.

Na realidade, além de ser relativamente pouco povoada em vista de seus 30 milhões de quilômetros quadrados, a África emigra pouco. Em comparação com outros conjuntos continentais, a circulação de bens e de pessoas sofre muitos obstáculos, e é para desmantelar esses obstáculos que os tempos clamam.

Entretanto, é verdade que o custo humano das políticas europeias de controle das fronteiras continua a crescer, acentuando de passagem os riscos em que incorrem os eventuais migrantes. São incontáveis os migrantes que morrem durante a travessia. Cada semana traz a sua cota de histórias, umas mais escabrosas que as outras. Trata-se muitas vezes de histórias de homens, de mulheres e de crianças afogados, desidratados, intoxicados ou asfixiados nas costas do Mediterrâneo, do Mar Egeu, do Atlântico ou, cada vez mais, no deserto do Saara.

A violência nas fronteiras e pelas fronteiras tornou-se uma das características marcantes da situação contemporânea. Pouco a pouco, a luta contra as chamadas migrações ilegais assume a forma de uma guerra social agora travada em escala planetária. Dirigida mais contra as classes de populações do que contra indivíduos em particular, ela combina agora técnicas militares, policiais e de segurança e técnicas burocrático-administrativas, liberando fluxos de uma violência fria e, de vez em quando, não menos sangrenta.

Basta observar, a esse respeito, o vasto mecanismo administrativo que permite a cada ano mergulhar na ilegalidade milhares de pessoas legalmente estabelecidas, a cadeia de expulsões e deportações em condições realmente de tirar o fôlego, a abolição gradual do direito de asilo e a criminalização da hospitalidade.

O que dizer, além disso, da implantação de tecnologias coloniais para a regulação dos movimentos migratórios na era eletrônica, com seu cortejo de violências cotidiana, a exemplo dos intermináveis controles faciais, das incessantes caçadas de migrantes indocumentados, das muitas humilhações nos centros de detenção, dos olhos desfigurados e dos corpos algemados de jovens negros que são arrastados pelos corredores das delegacias de polícia, de onde saem com um olho roxo, com um dente quebrado, com uma mandíbula quebrada, o rosto desfigurado, a multidão de migrantes aos quais arrancam as últimas roupas e os últimos cobertores em pleno inverno, que são impedidos de se sentar nos bancos públicos, na aproximação dos quais fechamos as torneiras de água potável?

Novos êxodos
No entanto, o século não será apenas o dos obstáculos à mobilidade, tendo como pano de fundo a crise ecológica e a aceleração das velocidades. Também será caracterizado por uma reconfiguração planetária do espaço, da aceleração constante do tempo e uma profunda divisão demográfica.

Com efeito, em 2050, dois continentes reunirão quase dois terços da humanidade. A África subsaariana terá 2,2 bilhões de habitantes, ou seja, 22% da população mundial. A partir de 2060, estará entre as regiões mais populosas do mundo. A mudança demográfica da humanidade em prol do mundo afro-asiático será um fato consumado. O planeta se dividirá em um mundo de pessoas idosas (Europa, Estados Unidos, Japão e partes da América Latina) e um mundo emergente, que abrigará as populações mais jovens e numerosas do planeta. O declínio demográfico da Europa e da América do Norte continuará inexoravelmente. As migrações não vão parar. Pelo contrário, a Terra está às vésperas de novos êxodos.

O envelhecimento acelerado das nações ricas do mundo é um evento de grande alcance. Será o reverso dos grandes choques causados pelos excedentes demográficos do século XIX, que levou à colonização europeia de partes inteiras da Terra. Mais do que no passado, o governo da mobilidade humana será o meio pelo qual uma nova repartição do globo será colocada em prática.

Uma linha de fratura de um novo tipo e de alcance planetário desempatará a humanidade. Ela oporá aqueles que gozarão do direito incondicional de circulação e de seu corolário, o direito à velocidade, e aqueles que, tipificados essencialmente pela raça, serão excluídos do desfrute desses privilégios. Aqueles que assumirão os meios de produção da velocidade e das tecnologias da circulação se tornarão os novos mestres do mundo. Somente esses poderão decidir quem pode circular, quem deve ser condenado à imobilidade e quem deve se deslocar apenas em condições cada vez mais draconianas.

Um enorme Bantustão
Se, nesta nova ordem global da mobilidade, a África não se encarregar do reordenamento de sua economia espacial, ela será duplamente penalizada, de dentro e de fora. Porque a Europa decidiu não apenas militarizar suas fronteiras, mas ampliá-las por toda parte. Estas não se limitam mais ao Mediterrâneo. Elas agora se situam ao longo das rotas em fuga e dos percursos sinuosos que os candidatos à migração tomam. Elas se movem conforme as trajetórias que eles seguem. Na realidade, é o corpo do africano, de cada indivíduo africano tomado individualmente, e de todos os africanos como uma classe racial, que constitui agora a fronteira da Europa.

Esse novo tipo de corpo humano não é apenas a pele do corpo e o corpo abjeto do racismo epidérmico, mas o da segregação. É também o corpo-prisão dobrado do corpo-fronteira, aquele cuja mera aparição no campo fenomenal desperta, desde o início, desconfiança, hostilidade e agressão. O imaginário georacial e geocarcerário que tinha sido aperfeiçoado, não muito tempo atrás, pela África do Sul da época do apartheid não para de se universalizar.

Mais ainda, a Europa quer se arrogar o direito de determinar unilateralmente qual africano poderá se mover e sob quais condições, inclusive dentro do próprio continente. Depois de tê-la desmembrado em 1884-1885, ela busca, no início do século XXI, transformá-la em um imenso Bantustão e acentuar sua inclusão diferencial nos circuitos da guerra e do capital, ao mesmo tempo em que intensifica sua depredação. A política europeia de luta contra a imigração visa, portanto, o advento de um novo regime de segregação global. Isto é, em muitos aspectos, o equivalente da “política racial” de ontem. A África é seu principal alvo.

O governo das mobilidades em escala global constitui, como a crise ecológica, um dos maiores desafios do século XXI. A reativação das fronteiras é uma das respostas de curto prazo ao processo de longo prazo de repovoamento do planeta. As fronteiras, no entanto, não resolvem estritamente nada. Elas apenas agravam as contradições resultantes da contração do planeta.

De fato, nosso mundo tornou-se muito pequeno. Nisso, distingue-se do mundo do período das “grandes descobertas”, do mundo colonial das explorações, das conquistas e dos assentamentos. Ele não é mais extensível ao infinito. É um mundo finito, atravessado por todos os tipos de fluxos descontrolados e até mesmo incontroláveis, dos movimentos migratórios, dos movimentos de capital ligados à financeirização extrema das nossas economias e às forças extrativas que dominam a maior parte delas, especialmente no Sul. A tudo isso se deve acrescentar os fluxos imateriais conduzidos pelo advento da razão eletrônica e digital, a aceleração das velocidades e a transformação dos regimes do tempo.

Desbalcanizar o continente
Como, nesse contexto, pensar a África que vem? Se, fugindo de seus países de origem, muitos africanos correm para lugares onde ninguém os espera ou quer, este é o caso de cidadãos de outras regiões do mundo que, por mais curioso que possa parecer, esperam reconstruir suas vidas na África. Como quem não quer nada com nada, o continente também está prestes a se tornar o centro de gravidade de um novo ciclo de migrações globais. Os chineses se estabeleceram no coração de suas principais cidades e até mesmo em suas aldeias mais remotas, enquanto colônias comerciais africanas se estabelecem em várias megacidades da Ásia.

Dubai, Hong Kong, Istambul, Guangdong e Xangai substituem os principais destinos euro-americanos. Dezenas de milhares de estudantes estão indo para a China, ao passo que Brasil, Índia, Turquia e outras potências emergentes estão batendo à porta. Uma extraordinária vernacularização das formas e estilos está em curso, e está transformando as grandes cidades africanas em capitais mundiais de uma imaginação ao mesmo tempo barroca, crioula e mestiça.

Mas para que os africanos não sejam transformados em fragmentos de um planeta dotado de torres de vigilância, a África deve tornar-se seu próprio centro, sua própria potência, um vasto espaço de circulação, um continente-mundo. Deve completar o projeto de descolonização forjando para si uma nova política africana de mobilidade.

Este não vai acontecer sem uma descolonização cultural. Os africanos devem se livrar do desejo da Europa e aprender a guardar entre si o melhor de si mesmos e da sua gente. O desejo da Europa não pode ser nem seu horizonte existencial nem a última palavra de sua condição.

Depois, a descolonização territorial. Nada, historicamente, justifica o corte do continente entre o norte e o sul do deserto do Saara. Além disso, nenhum africano ou pessoa de origem africana pode ser tratado como um estrangeiro em qualquer parte do continente africano. Desbalcanizar o continente aparece, portanto, cada vez mais, como uma das condições para proteger vidas africanas atormentadas em todo o mundo.

Para conseguir isso, é urgente repensar de alto a baixo o princípio da glaciação das fronteiras coloniais adotado pela Organização da Unidade Africana (OUA, ancestral da União Africana) em 1963. Ao consagrar sua intangibilidade, as fronteiras herdadas da colonização foram transformadas na pedra jurídica explorada pela Europa para acelerar a “bantustanização” do continente.

Barreiras a serem removidas
A descolonização dificilmente será concluída antes de todos os africanos terem o direito de circular livremente pelo continente. Um primeiro passo nessa direção seria generalizar a concessão de vistos na chegada a todo viajante portador de um passaporte africano. A longo prazo, a liberalização do direito de residência deve complementar o direito de livre circulação das pessoas.

O maior desafio que a África enfrenta não é demográfico. Não é, como na época colonial, fixar as fronteiras, restringir a passagem, forçar as populações a permanecerem imóveis e sedentárias e intensificar os laços locais. É para organizar a circulação e permitir uma intensificação da mobilidade no interior do continente.

É intensificando as mobilidades e desenvolvendo as interconexões entre os lugares que serão desmantelados os antigos esquemas espaciais e infraestruturais que remontam à época da colonização. Hoje, não se trata mais de construir a soberania estatal com base em uma clara diferença entre o interior e o exterior. Trata-se de remover os obstáculos à mobilidade abolindo a multiplicidade de postos de fronteira, removendo barreiras físicas e políticas à fluidificação dos fluxos e desburocratizando o movimento. É assim que a África ganhará em velocidade e os africanos poderão se deslocar dentro do seu continente ao menor custo.