Por Alex Sandro da Silveira Filho[1]

Foto que sintetiza o massacre de Eldorado dos Carajás: suas vítimas, a dor, a lembrança, e a impunidade.*
Na segunda-feira, 13 de abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou o relatório intitulado “Conflitos no Campo – Brasil 2014”, onde constam dados sobre a violência no campo em nosso país que são, sem dúvida, estarrecedores. Curiosamente, o relatório foi divulgado na mesma semana em que se completam 19 anos do massacre ocorrido na cidade de Eldorado dos Carajás, no Pará, onde 19 membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram brutalmente assassinados, durante a ocupação da Fazenda Macaxeira, naquela cidade.
Naquela ocasião, 1.500 sem-terra queriam ocupar a Fazenda, mas foram barrados por conta do INCRA ter declarado que a terra é produtiva. Assim, eles pretendiam marchar até Belém, para negociar com as autoridades competentes. Porém, a fome e o cansaço os obrigou a pedir ajuda, e eles decidiram ocupar a Rodovia PA-275, querendo que o governo lhes desse ônibus para ir até a capital e alimentação, o que lhes seria concedido. Seria, porque, na manhã do dia 17, um coronel da PM paraense informou aos sem-terra o governo recusou a concessão dos benefícios, o que fez com eles ocupassem a rodovia PA-150. Então, os 1.500 manifestantes, durante a tarde, foram cercados por 150 policiais militares paraenses que receberam ordens do então governador do Pará, Almir Gabriel, para retirar os trabalhadores da rodovia a qualquer custo. Após isso, começaram a abrir fogo contra eles, ferindo centenas de pessoas, e matando os 19. Ademais, após o fim da operação, mais 13 integrantes do MST foram executados sumariamente, pois estavam agonizando no meio da estrada, que, segundo as ordens recebidas pelos policiais, deveria ser totalmente desobstruída. Existem também relatos de que alguns sem-terra assassinados foram espancados antes de serem mortos, vista aí a brutalidade ocorrida ao longo da operação, salientando-se, ainda, que os PMs retiraram todos os corpos da cena do crime.
O massacre foi processado, e todos os policiais militares e os comandantes envolvidos na operação, o que levou esse processo, até aquele ano, a ser a lide onde houve o maior número de réus da história criminal brasileira (155). E, de todos esses réus, apenas um coronel e um capitão foram condenados, e os demais réus absolvidos, voltaram normalmente para as suas atividades, como se nada houvesse acontecido. Isso mostra que, além da brutalidade, da truculência ocorrida em Eldorado do Carajás, outro detalhe fundamental desse massacre foi a impunidade dos seus agentes.
Mas isso não parou nesse ocorrido. Segundo o relatório da CPT mencionado acima, ocorreram em 2014 36 assassinatos e 56 tentativas de assassinatos em conflitos rurais, sendo a maioria deles nos estados do Pará, Mato Grosso, Maranhão e Rondônia. Porém, não são apenas os sem-terra que são vítimas dessa brutalidade. Populações tradicionais, como seringueiros, quilombolas, comunidades de fundo de pasto, ribeirinhos e indígenas, nesses últimos, até mesmo em áreas já homologadas, vem sendo alvo da perseguição e de assassinatos que, segundo a Comissão, contam com a premeditação de empresários (individuais ou grupos empresariais), mineradoras, madeireiros, grileiros e fazendeiros. Isso mostra que, por mais que a terra seja garantida, seja assegurada ao grupo, como no caso da homologação das terras indígenas, isso não lhes dá a segurança contra a violência e as invasões dos grandes donos de terras. Além disso, o relatório apresenta um aumento de 26% nos conflitos em zonas rurais por disputa de água em 2014, tendo ocorrido 101 casos, o maior número desde que essa modalidade de conflito passou a ser registrada, em 2002. E a média de impunidade segue estarrecedora: entre 1985 e 2010, de 1.684 pessoas assassinadas por meio de conflitos fundiários, somente 91 casos foram julgados, resultando na condenação de 21 mandantes e 72 executores, o que chega a proporção de um condenado por 17 assassinados. De acordo com a CPT, isso se dá, em grande parte, pela nova configuração dos latifúndios no Brasil, que agora, não é só de grandes proprietários de terras, mas também, de grandes empresas e grupos empresariais que compram milhares de hectares em nosso país, como podemos citar a Monsanto e a Cargill.
Assim, fica clara a impunidade e a brutalidade que passa pelo chamado “agronegócio”, que, apesar de ser visto como uma potente área de crescimento econômico do país, causa muita violência, e, em decorrência disso, muitas mortes, que geralmente passam impunes, tendo em vista o poder que esses agentes tem, e as suas relações intrínsecas com o Poder público. Quem sabe, a questão da reforma agrária no Brasil, que se tornou um assunto deixado de lado na última década, necessite recomeçar, aos poucos, ser discutido.
[1] Bacharelando dos cursos de Direito e Filosofia e Pesquisador PIBIC/CNPq do Núcleo de Direitos Humanos da UNISINOS/RS
REFERÊNCIAS:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42469-17-de-abril-de-1996-memorial-de-um-massacre-
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/541762-comissao-pastoral-da-terra-cpt-mostra-aumento-de-26-nos-conflitos-por-agua-no-pais
http://www.cartacapital.com.br/politica/conflito-no-campo-um-condenado-para-cada-17-assassinados
* Fonte da imagem: http://n.i.uol.com.br/noticia/2011/04/16/o-massacre-de-eldorado-dos-carajas-em-50-fotos-1302925868920_615x300.jpg