0 Comentário em 24 - março - 2015

[1]Por Ananda Aron

A mudança de paradigma em relação à natureza e o ser humano é medida imprescindível na contemporaneidade. É preciso superar o sistema que considera o homem como o centro do universo, bem como renunciar às estruturas formadas a partir da primazia eurocêntrica, buscando uma nova relação baseada na solidariedade e cooperação com a natureza, abandonando o pensamento de exploração e dominação fundado no modelo do antropocentrismo cartesiano.

Neste sentido, a ideia essencial do “bem-viver”, preconizada pela Constituição Equatoriana de 2008, é de extrema importância no que se refere à crise ambiental vivenciada atualmente. Trata-se de um novo Constitucionalismo, com base em uma democracia comunitária latino-americana, que tem como fundamento a solidariedade dos povos originários desta região em relação à natureza, onde esta assume a condição de sujeito de direitos.

Tendo em vista o modo de vida insustentável que impera hodiernamente, é necessário ultrapassar a visão antropocêntrica, descolonizar o pensamento estruturado pelas ideias do progresso econômico a qualquer custo. O atual modelo de desenvolvimento vem impedindo a mudança de paradigma para um modelo estabelecido pelas ideias do “bem viver”, que se opõe ao antropocentrismo.

Desta forma, diante da crise ecológica universal, o texto constitucional equatoriano vem romper com o paradigma dogmático mecanicista, fazendo emergir uma emancipação ecológica. Trata-se de uma nova forma de compreender as relações do ser humano com a natureza, que não seja instituída por um modelo de crescimento econômico desenfreado. Com isto, não se está querendo dizer que o desenvolvimento deva ser combatido, ou que o progresso tenha de ser rejeitado. A ideia do “bem viver” surge como princípio fundamental para uma convivência harmônica do ser humano com a natureza.

Ao reconhecer os direitos como interdependentes, a nova Constituição do Equador rompe com a ideia que prioriza determinados direitos sobre outros. Neste sentido, o item 6 do artigo 11 da Carta Magna equatoriana dispõe que todos os direitos são de igual hierarquia. Assim, os direitos ao “bem viver” ocupam o mesmo patamar que os demais e, segundo Gudynas, é a primeira vez, pelo menos no hemisfério ocidental, que um texto constitucional reconhece os direitos da natureza.

Para Zaffaroni, a incorporação da natureza ao direito constitucional como sujeito de direitos dá início a um novo capítulo na história do direito, a respeito do qual a nossa imaginação é pobre, uma vez que nos movemos ainda dentro do paradigma que nega direitos a todo o não humano. Zaffaroni esclarece que o paradigma do bem viver trata da ética que deve reger a ação do Estado e conforme a que também devem relacionar-se as pessoas entre si e em especial com a natureza.

Assim, verifica-se que a doutrina do “bem viver” revela uma ideia de solidariedade e de coletividade, uma vez que abandona o individualismo que evidencia o modo de vida atualmente. Deste modo, o ser humano deixa de ser o centro do universo e passa a integrar a natureza. A relação do indivíduo com a Pachamama passa a ser outra, a qual renuncia o ideal eurocêntrico de desenvolvimento, provocando uma verdadeira transformação no direito, indicando uma tendência ecocêntrica. Trata-se de uma epistemologia própria, que reivindica a prática de novos conceitos, fundada na convivência harmônica e interdependente do ser humano com a natureza, afinal, como aduz Gudynas, são os humanos que tem a capacidade de se adaptar aos contextos ecológicos, não se podendo esperar que as plantas e os animais se adaptem às necessidades de consumo das pessoas.

[1] Mestranda em Direito pela Unisinos e integrante do NDH

Referências:

http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf

BELLO, Enzo ; VAL, Eduardo Manuel. O pensamento pós e descolonial no novo constitucionalismo latino-americano. Caxias do Sul: Educs, 2014.

GUDYNAS, Eduardo; ACOSTA, Alberto. El buen vivir más Allá Del desarrollo. Quito: AbyaYala, 2009.

______. La senda biocéntrica: valores intrínsecos, derechos de La naturaleza y justicia ecológica. Tabula Rasa, Bogotá, n.13, julio-diciembre, 2010: p. 45-71.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: perspectivas desde una epistemologia Del Sur. Quito: AbyaYala, 2010.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La Pachamama y el Humano. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediciones Madres de Plaza de Mayo, 2013.

______. La Natureza como persona: Pachamama y gaia. In: Bolivia: Nueva Constitucion Política del Estado: conceptos elementales para su desarrollo normativo. Vice Presidencia de la Republica. La Paz, 2010.

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