3 Comentários em 17 - março - 2015

[1]Por Karina Macedo Fernandes

Entre os dias 8 e 15 de março de 2015, uma série de protestos chamou a atenção para uma crescente indignação de grande parte da população brasileira. No dia 8, após o pronunciamento oficial da presidenta Dilma Rousseff sobre o dia da mulher, um “panelaço” tomou conta de bairros de classe média alta em São Paulo e em outras grandes cidades do país. No dia 13, uma grande manifestação nacional saiu em defesa da democracia e da Petrobras, defendendo especificamente a integridade das instituições democraticamente constituídas e reagindo à possibilidade de privatização da petroleira estatal.

Pedidos de intervenção militar causaram espanto até na mídia internacional. Fonte: Sul21

Pedidos de intervenção militar causaram espanto até na mídia internacional. Fonte: Sul21

Finalmente, no simbólico dia 15 de março (definido na outorgada e ilegítima Constituição de 1967 como o dia oficial da posse presidencial – o que ocorreu nos anos de 1967, 1974, 1979 e 1985, quando foram empossados, respectivamente, os ditadores Artur da Costa e Silva, Ernesto Geisel e João Figueiredo, e, por fim, José Sarney – que, embora não tenha sido democraticamente eleito com Tancredo Neves, foi o primeiro presidente civil do país desde o golpe de 1964, representando simbolicamente o fim da ditadura), milhares de manifestantes saíram às ruas para protestar por melhorias na cena política brasileira, com reivindicações que foram desde a destituição do governo federal atual até a intervenção militar, passando pelo (inconstitucional) impeachment da presidenta e causando espanto até na imprensa internacional.

O que há em comum nesses eventos, especialmente dos dias 8 e 15, e que desponta à análise é a desarticulação de informações, a ausência de pautas específicas e, sobretudo, a falta de bom senso de grande parte dos manifestantes. Enquanto no dia 8 prevaleceram xingamentos pessoais e misóginos à presidenta Dilma, no dia 15 esses mesmos xingamentos foram acompanhados por pedidos de golpe militar, de volta da ditadura e por inúmeros cartazes de “fora Dilma”, “fora Lula” e “fora PT”.

Pouco ou quase nada se viu quanto à necessidade de reforma política, de reforma tributária, de reforma orçamentária ou mesmo de fundamentos concretos aos pedidos de melhorias na saúde e na educação, de diminuição do preço dos combustíveis e de combate à corrupção que foram levantados em um sem número de cartazes. 40,5% dos manifestantes ganham mais de dez salários mínimos por mês; 87,2% são brancos e 73,6% possuem emprego formal, segundo apontamento feito pelo instituto Índex para a Zero Hora em matéria que segue ao final deste texto. Isso demonstra que a indignação revelada em 15 de março de 2015 não foi por melhorias nas estruturas do Estado porque a maioria dos manifestantes sequer necessita do aparato do Estado para viver: quem protesta pela redução do preço da gasolina não protesta pela redução da tarifa do transporte público – no mínimo não com a mesma convicção.

Se em 2013, a indignação articulada que levou às ruas grandes manifestações indicou a necessidade urgente dessas reformas que jamais se concretizaram, em 2015 os protestos perderam o sentido diante do preconceito, da desinformação (sobretudo quanto à história do país e à atual situação política e econômica) e da ausência de fundamentos horizontalmente discutidos e que pudessem dar vazão a um fazer político eficiente. O junho de 2013 e o março de 2015 são momentos antagônicos na história do Brasil.

As inúmeras aberrações que se viram nesses protestos apenas enfraquecem a possibilidade de avanços reais nas mudanças que são cada vez mais necessárias na esfera pública, demonstrando, ao revés, a formação de uma cultura do ódio jamais vista no Brasil. O medo do “inimigo” volta a crescer nos estamentos elitistas e conservadores brasileiros, tal qual ocorreu em 1964, quando se legitimou, sob o discurso desse medo e da defesa da “tradicional família brasileira”, o mais atroz e terrível período da história do país.

Imagens de Lula e Dilma enforcados demonstram o ódio de parte dos protestantes do dia 15 de março. Fonte: Sul21

Imagens de Lula e Dilma enforcados demonstram o ódio de parte dos protestantes do dia 15 de março. Fonte: Sul21

As manifestações violentas contra a presidenta, por ser mulher e por ser a mulher que preside o poder executivo federal, reforçam o dado de que o Brasil é um dos países mais hostis para uma mulher viver nos dias de hoje, tamanho machismo que, de tão normalizado na nossa sociedade, chega a ter voz em manifestações que supostamente pretendem melhorar a política feita no país. Reforçam, em verdade, a perpetuação da violência de gênero nessa sociedade, que se manifesta na recalcitrante aceitação do patriarcado, conforme aferido pelo IPEA no trabalho de pesquisa intitulado “Tolerância social à violência contra as mulheres” (link abaixo).

Somente por vivermos em uma democracia é que tais manifestações são possíveis. E por isso mesmo é que pedidos teratológicos por intervenção militar ou pela volta da ditadura chocam tanto e representam o desperdício de um espaço poderoso como o das ruas num momento delicado como o presente. A liberdade para o exercício do direito à manifestação não necessariamente muda o cenário atual para aquele que se quer. Essa possibilidade do fazer político, levantada pela Natalia Castilho aqui no blog em 2013 como sendo um instrumento poderoso para a efetivação de mudanças concretas na história política do nosso país, “no caminho de uma emancipação real do legado de dependência latino-americana”, parece, infelizmente, ter se esvaído para o campo do nonsense e da ignorância, afastando-se do debate de pautas realmente necessárias, como a da – urgente – reforma política.

O pior analfabeto é o analfabeto político, como certamente diria Bertold Brecht nessa conjuntura.

[1] Mestre e doutoranda em Direito pela Unisinos e integrante do NDH)

Leia mais em:

http://www.sul21.com.br/jornal/milhares-tomam-as-ruas-de-porto-alegre-contra-dilma-e-o-pt/

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/03/institutos-de-pesquisa-fazem-levantamentos-sobre-o-perfil-dos-manifestantes-em-porto-alegre-4719348.html

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1596370-ricos-nutrem-odio-ao-pt-diz-ex-ministro.shtml

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/dilma-defende-manifestacoes-na-minha-epoca-quem-protestava-ia-para-cadeia.html

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/imagens-constrangedoras-das-manifestacoes-de-domingo.html

http://www.theguardian.com/world/2015/mar/15/brazil-protesters-rouseff-impeachment-petrobas

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres_novo.pdf

http://ihu.unisinos.br/noticias/540848–estamos-deixando-de-discutir-as-verdadeiras-pautas-nesse-protesto

http://ihu.unisinos.br/entrevistas/540671-crise-politica-e-economica-o-resultado-da-falta-de-um-projeto-nacional-entrevista-especial-com-carlos-lessa-

http://unisinos.br/blogs/ndh/2013/06/25/o-fazer-politico-e-suas-contradicoes-nas-ruas-de-um-pais-indignado/

categorias: Destaque

3 respostas

  1. Helena disse:

    Análise perfeita! Parabéns!

  2. Luis Antônio Medeiros disse:

    Ao mesmo tempo em que uma manifestação de hum milhão em meio de pessoas é dita de direita, elitista, baboseiras, a esquerda insiste em não enxergar que a maioria estava nas ruas por não aguentar mais a corrupção como um todo (até Dilma conseguiu enxergar, pelo menos se postou mais aberta). Num ambiente em que empresários, aqueles que pagam impostos e sustentam a esquerda no poder, são considerados vilões numa cegueira típica de Chaves, que já conseguiu quebrar a democracia Venezuelana, deixando de resto apenas um ditador que pode tudo, apesar da riqueza em petróleo. Num ambiente em que sem terra cheios de carros de luxo invadem e quebram propriedades privadas e produtivas deixando terra arrasada e danos morais, materiais e humanos e deles nada se diz ou estabelece para resolver o problema, mesmo num governo de esquerda que governa o país há 12 anos. Quando se armam os poderes para destruir a Constituição, e começam a falar de reforma política, com um viés que pode levar o que se alcançou para o lixo por um sonho bolivariano, ao invés de estudar algo mais sofisticado, tecnológico e menos simplista populista, enaltecer minorias equivocadas alçando vontades individuais à condição de maioria absoluta e representativa somente com a intenção de diminuir o valor do dia 15 passado. Este foi um dia 15 muito melhor que outros, onde ninguém destruiu nada, onde havia um amor pelo Brasil e uma vontade de mudanças, apenas um grupo insiste em ver o que quer, e acha que os desvios são normais e corretos desde que o poder seja mantido, que os outros eram “mais piores” e isso já é suficiente para que todo corrupto amigo seja protegido. Desde o resultado das eleições passadas sabíamos que o candidato derrotado não era saída, mas um contraponto importante, que desandos de um lado precisam de vigilância do outro, que países fortes no mundo defendem a ordem interna ou se afundam em populismos que destroem a capacidade de crescimento. Esse jogo precisa de equilíbrio, pois quem sustentou o país nesses doze anos não foi o PT ou qualquer outro partido, mas o trabalho da economia verdadeira. Que se façam condições isso sim dessa economia continuar sobrevivendo aos produtos chineses, à enorme taxa de impostos imposta e repassada a todos, aos descontroles e altos custos das obras públicas brasileiras (obras sem duvida superfaturadas e vinculadas ao repasse de propinas eleitoreiras, e não me digam que não existem). Então chega de cegos, se há os da direita, há os da esquerda, chega de corruptos, ED, chega de propinas e cabides de emprego (ED). Chega de termos os políticos mais caros do mundo, e a Esquerda e Direita se juntam pra continuar se locupletando, apadrinhando e achando um jeito de se perpetuar. Agora dizer que essa era uma manifestação elitista e achar adjetivos podres somente é muito pobre pra quem se acha inteligente. Há que se enxergar o recado e tomar rumo decente.

  3. Luciana Cavalheiro disse:

    Olá,

    Lendo o texto agora, fiquei preocupada com o viés partidário que ele traz. Parece-me que há outros espaços para este tipo de posicionamento que, ao meu ver, não deveriam ser o do âmbito acadêmico, espaço de discussão crítica e troca aberta de ponto de vista diversos.
    Reduzir a manifestação do dia 15 a um ato movido pelo ódio, ou afirmar que a maioria dos manifestantes não estavam preocupados com uma reforma política e sim revelavam uma ignorância histórica e um desrespeito à democracia, parece-me ir contra também aos direitos humanos, que penso compreender o direito ao descontentamento com este ou aquele governo, independente de partido político.

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