0 Comentário em 5 - setembro - 2013

Não é a primeira vez que a revolução síria é tema de postagem do blog. Antes, tratamos do destino (ou falta dele) dado aos refugiados da guerra civil que assola a sociedade síria (veja mais aqui). Há pouco mais de 10 dias, 1.429 sírios foram mortos em uma parte da capital do país e tudo leva a crer que o ataque teve como arma um gás tóxico, com origem em uma região controlada pelo governo. Além desses, 3600 outros sírios foram recebidos em hospitais da região apresentando “sintomas neurotóxicos”, resultando na morte de mais 355 civis. O território atingido abrange as regiões de Muadamiyat al-Cham e Ghuta oriental, duas localidades controladas pelos rebeldes, de leste a oeste de Damasco. A utilização de armas químicas é considerada pela ONU, afirmou Ban Ki-Moon, como crime contra a humanidade![1]

Manifestantes protestam em resistência aos ataques norteamericanos.

Manifestantes protestam em resistência aos ataques norteamericanos.

Alguns pontos devem ser considerados: a evidente violação de direitos humanos pelo ataque utilizando gases tóxicos, em contraste com a grande limitação dos tratados e convenções internacionais aos seus países-signatários. Ainda, é mister que analisemos a vontade e propensão de alguns Estados de intervir militarmente na guerra, sem deixar de lado a legitimidade e a legalidade desses possíveis atos.

As chamadas armas de destruição em massa, como são os gases tóxicos, têm a capacidade de devastar cidades e dizimar toda e qualquer forma de vida existente em uma região de maneira desproporcional e, assim, injusta. A utilização desses gases nos remonta à primeira vez que armas químicas foram utilizadas na história: em 1915, na Primeira Guerra Mundial, em que o exército alemão lançou uma nuvem de gás cloro sobre as tropas francesas, resultando na morte de 15.000 soldados franceses, argelinos e canadenses. Não é de hoje que as armas químicas são fortemente repreendidas, por se tratarem de instrumento de matança brutal e sem critério. O regime sírio nega que tenha utilizado esse tipo de material belicoso contra os rebeldes; porém, as reportagens atuais demonstram claros indícios: em menos de 24 horas após o dito bombardeio de mísseis de gás tóxico, foram utilizados outros projeteis na tentativa de apagar vestígios. Isso faz com que cheguemos à conclusão de que não só os direitos à dignidade e à vida foram violados com esses ataques, como estão sendo atingidos na tentativa do regime de se exonerar de suas responsabilidades.

A Síria é um dos países-membro fundadores da Organização das Nações Unidas (ONU), estando sujeita às suas declarações. Entretanto, o país em questão não é signatário da Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Uso de Armas Químicas e sobre sua Destruição, principal, mas não único, documento que barra o manuseio dessas ferramentas de matança, causando, com isso, um conflito de ordem formal quanto a qualquer intervenção da comunidade internacional. Uma vez que o país não tenha assinado a convenção, não se subjuga às condições e proibições por ela impostas. Não se justifica, contudo, a utilização de meios desproporcionais de guerrear. A matança indiscriminada já foi fortemente condenada na história e está se repetindo!

A utilização de armas químicas é considerada crime contra a humanidade, segundo a ONU.

A utilização de armas químicas é considerada crime contra a humanidade, segundo a ONU.

O posicionamento de alguns países trava um conflito na comunidade internacional: os Estados Unidos, que no início havia se posicionado como “não intervencionista”, deixou claro que a utilização de armas químicas ultrapassaria uma “linha vermelha”. Eles propõem a intervenção militar e recebem apoio da França e da Turquia. Líbano (em que parte da população é Hezbollah, apoiador de Al-Assad), Irã e Jordânia são contra qualquer ação militar, por se preocuparem com os possíveis efeitos dela na região. Em pronunciamento, o novo representante do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo Machado, afirmou que o Brasil é da opinião de que o uso de forças armadas deve ser o último recurso e que qualquer ação deve ser precedida da autorização do Conselho de Segurança da ONU. Sabe-se que, pela Carta das Nações Unidas (Charter of United Nations[2]), a intervenção militarizada da comunidade internacional é refutada, a não ser que se trate de caso de legítima defesa (art. 51) ou na autorização expressa do Conselho de Segurança da ONU (art. 39 e 42).

Manifestantes em frente à Casa Branca contra o posicionamento dos Estados Unidos em relação à Síria.

Manifestantes em frente à Casa Branca contra o posicionamento dos Estados Unidos em relação à Síria.

Os Estados Unidos, por meio de seu secretário de Estado, John Kerry, não só deixaram claro que estão dispostos a agir de forma a deter o regime de Bashar Al-Assad, como acreditam que a ação servirá de aviso para o Irã e o Hezbollah, que detêm poder nuclear. Questionado sobre a similaridade de qualquer intervenção com os episódios com o Iraque e com o Afeganistão, o secretário se defendeu afirmando que será diferente, já que “não colocarão botas no terreno” e que a ação será “seletiva”. Em um mural de discussões do The New York Times online[3], dentre as mais diversas posições, além de levantar a ilegalidade do ataque por falta da autorização do Conselho da ONU, o conselheiro de relações exteriores dos Estados Unidos, Micah Zenko, expôs aquilo que se tentava mascarar: um ataque limitado, como se propõe, levará a uma intervenção mais profunda.

Bem, os números só crescem e não nos permitem esconder a grave e preocupante situação: de março de 2011 a julho de 2013, as mortes passam de 100 mil pessoas, quase 2 milhões estão refugiados em países próximos e mais de 4 milhões são considerados deslocados internos. Segundo a ONU, pelo menos 6,8 milhões de sírios necessitam de assistência humanitária urgente.

NOTA: Em 4 de setembro, o Senado americano, numa maioria de 10 votos contra 7, votou pela aprovação da ação militar na Síria, limitando o prazo a 60 dias de intervenção, com a previsão da possibilidade de extensão para 90 dias, ainda que isso vá contra as disposições da ONU. Com isso, a França passou a discussão de apoio aos Estados Unidos ao seu Parlamento. Entretanto, pode François Hollande, presidente da França, deliberar sozinho pelo apoio à ação militar.

(por Thaís Salvadori Gracia, aluna da graduação em Direito da Unisinos, bolsista FAPERGS/Probic e integrante do Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos)

 


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