O clima de protestos, manifestações e de crescente indignação que tem marcado o Brasil, principalmente nos últimos meses, traz à tona a pauta do direito à cidade e à mobilidade urbana, há muito tempo recorrente na luta. Mas o que está em xeque nessas reivindicações?

Discutir que tipo de cidade queremos significa discutir o uso dos espaços urbanos em prol das pessoas. Fonte da imagem: http://www.cicloativismo.com/mobilidade-urbana/
O direito à mobilidade nada mais é do que o direito à cidade, o direito de ir e vir, de melhorar e de construir de forma participativa o espaço urbano e as garantias de acesso igualitário e democrático aos bens culturais, econômicos e sociais da cidade. Mais do que isso, o direito à mobilidade é o direito de ocupar os espaços da rua, a qual, por sua vez, é o espaço da democracia. Discutir a mobilidade urbana significa problematizar a realidade de injustiça, opressão, agressão e exclusão, que permeia o cotidiano das cidades e seleciona de forma hierarquizada (e elitista) os que podem ou não desfrutar e exercer efetivamente o direito à cidade. Significa discutir sobre que tipo de cidade queremos: uma cidade projetada na escala humana ou na escala do capital?
Nesse sentido, os movimentos sociais, os militantes e as organizações não governamentais têm papel primordial na proposição dessas discussões, que buscam sempre enfatizar o papel das cidades como sendo o espaço onde estejam assegurados o usufruto da riqueza, cultura, bens e conhecimentos a toda a coletividade e não somente aos proprietários do poder e do capital. O direito à cidade, assim como os demais direitos humanos, é interdependente de direitos como o direito à moradia, à autodeterminação, ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, às justas condições de trabalho e ao exercício da cidadania.
Nesse contexto de luta por uma cidade mais humana, destacam-se as reivindic(ações) do Movimento Passe Livre (MPL), que se insurge às arbitrariedades perpetradas pelo poder público no âmbito do transporte coletivo. O movimento teve sua atuação e histórico destacados nas últimas mobilizações por todo Brasil, especialmente na cidade de São Paulo, na qual efetivamente se conquistou a articulação de grupos de trabalho nacionais, encontros nacionais, a eleição do dia 26 de outubro como o dia nacional de luta pelo passe livre e, mais recentemente, o início dos atos de protesto nas grandes capitais contra o aumento da tarifa do ônibus.
Criado em janeiro de 2005, na Plenária Nacional pelo Passe Livre (ocorrida em Porto Alegre), o Movimento Passe Livre é um movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, que luta por um transporte público de verdade, gratuito para o conjunto da população e que vá além da iniciativa privada. Antes do seu batismo oficial, o MPL teve forte atuação na Revolta do Buzu (Salvador, 2003) e nas Revoltas da Catraca (Florianópolis, 2004 e 2005). Em 2006 o MPL realizou seu 3º Encontro Nacional, com a participação de mais de 10 cidades brasileiras, na Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em São Paulo.

O Movimento Passe Livre (MPL), que se insurge às arbitrariedades perpetradas pelo poder público no âmbito do transporte coletivo, se insere no contexto de luta por uma cidade mais humana. Fonte da imagem: http://www.brasildefato.com.br/node/13275
Dentre as ações do MPL, destacam-se as pressões ao governo por políticas públicas em prol da mobilidade e da melhora do serviço público. Nesse sentido, as reivindicações por educação e saúde públicas e de qualidade também passam pela pauta do transporte público, uma vez que o acesso a esses direitos por todas as pessoas só é possível se houver transporte real e efetivamente público.
Diferentemente do que muitos pensam, o MPL não luta por ônibus de graça, mas pela compensação tributária, o que significa que cada um manterá o transporte público através de impostos progressivos, e não pela tarifa que é representada pela passagem de ônibus. Daí a importância de uma reforma tributária, que faça com que quem tem mais contribua com mais para o Fisco e quem tem menos, com menos. Além disso, é primordial uma reforma na distribuição orçamentária do Poder Público, de maneira que se invista menos em propaganda institucional, por exemplo, e mais nas necessidades reais da população.
Na atual conjuntura, a maior parte dos governos prioriza um modelo de cidade em que o fluxo de veículos é mais valorizado do que o fluxo de seres humanos, e em que o espaço público é cada vez mais privatizado e restrito. Porto Alegre, por exemplo, possui 1,5 milhão de habitantes e ocupa um espaço em que caberiam 15 milhões, além de possuir uma frota de veículos de passeio que cresce em torno de 100 novas unidades por dia.
A luta pelo direito à cidade inclui a resistência aos modelos de desenvolvimento e gestão urbana que contribuem para o aumento da concentração de renda, da exclusão e da segregação social e territorial. A luta contra as sucessivas violações de direitos humanos em que se insere o direito à cidade tem o potencial de empoderamento daqueles que resistem e se insurgem a isso, formando um espaço de democracia que além de ser, por si, uma conquista social, tem o poder de dar visibilidade aos descontentamentos do povo e de criar a responsabilidade de reação dos governos em atender as tantas vozes que gritam por mudanças.
(por Karina Macedo Fernandes, mestranda do PPG em Direito da UNISINOS, bolsista PROSUP/CAPES e integrante do Núcleo de Direitos Humanos)
Fontes da pesquisa e maiores informações em:
Movimento Passe Livre São Paulo – Por uma vida sem catracas
Cidade Mais Humana – Coletivo Marcelo Sgarbossa
Reuters Brasil – Após vitória, Movimento Passe Livre evita protagonismo e foca tarifa zero
Arquitetônico – Uma impressionante renovação urbana em Seul