O próximo dia 23 de julho marca os 20 anos da Chacina da Candelária, massacre de crianças e adolescentes moradores de rua por um grupo de extermínio, formado por policiais militares, que vitimou oito jovens, seis deles menores de 18 anos. Na ocasião, mais de 40 crianças e adolescentes dormiam na praça em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, quando cinco homens desceram de dois carros e fizeram vários disparos na direção do grupo. Dos policiais envolvidos, apenas três foram condenados. O homicídio qualificado praticado pelos ex-policiais só foi considerado hediondo no ano seguinte. Durante a investigação policial, comprovou-se que se tratava de uma milícia que atuava a serviço de grupos e indivíduos para exterminar moradores de rua.
No Rio de Janeiro, desde então ocorrerão chacinas em Vigário Geral (1993), no morro do Borel (2003), na Via Show (2003), e na Baixada Fluminense (2005). Todas foram cometidas por policiais e as vítimas foram majoritariamente adolescentes negros e pobres. No caso de Vigário Geral, dos cinquenta policiais militares acusados de envolvimento no episódio, apenas dois estão presos. Nenhum dos parentes das vítimas recebeu a indenização completa do Estado.
Para citar casos mais recentes, aponta-se a investigação, realizada na cidade de Fortaleza, de 24 homicídios entre os anos de 2000 e 2002 (dados da Procuradoria Federal de Defesa do Cidadão), incluindo-se de adolescentes, promovidos por um grupo de policiais militares e ex-policiais, chefiados por um major da PM. Uma situação de extermínio de jovens e adolescentes praticados por agentes do Poder Público com o patrocínio de empresas privadas.
Entre 2009 a 2012, 6.483 pessoas foram assassinadas em Salvador – a maior parte das vítimas possuía entre 19 e 24 anos. Segundo reportagem da Agencia Pública, uma pesquisa realizada pelo Fórum Comunitário de Combate à Violência (FCCV) apontou que entre 1998 e 2004, das 6.308 pessoas assassinadas em Salvador, 5.852 eram negras ou pardas. Um índice de 92,7% frente aos 85% de afrodescendentes que à época formavam a população da capital da Bahia. A polícia não sabe quantificar o percentual praticado por grupos de extermínio, mas a frequência de crimes desse tipo já foi admitida pelas autoridades policiais do Estado: as vítimas, a maioria delas moradores de rua, “foram algemadas ou amarradas, e atingidas na cabeça por assassinos encapuzados, que chegaram ao local em carros com placas clonada e armados com munição de grosso calibre.” (Veja mais clicando aqui)
20 anos após a Chacina da Candelária, uma breve análise desses casos atesta que a política de segurança pública das principais capitais brasileiras mudou de forma, mas não foi alterada substancialmente: continua se baseando na criminalização da pobreza e no extermínio da juventude pobre e negra. Conforme o assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, em recente entrevista ao jornal Correio Brasiliense, a não ocorrência de grandes chacinas como a da Candelária, nos últimos anos, não representa um “avanço”. As operações policiais altamente questionáveis são frequentes, e matam um grande número de pessoas.
Embora extremamente invisibilizada pela grande mídia, essa pauta orienta de forma intensa o recente clima de “outono brasileiro”, principalmente nas mobilizações organizadas pelos movimentos populares urbano nas periferias. Recentemente, uma proposta concreta de atuação dos policiais em ações nas comunidades foi apresentada pela organização Observatório de Favelas. A discussão ocorreu durante a audiência pública promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ), para discutir a segurança pública e a atuação policial nas manifestações, ocorrida na última sexta-feira.
Reivindicações estruturantes como essa deslocam o debate para o campo da macropolítica e problematizam uma realidade conhecida e silenciada pelas grandes corporações formadoras da “opinião pública” – a do extermínio organizado, inclusive por agentes do Poder Público, da juventude pobre e negra. Relembrar a Chacina da Candelária e ressaltar os dados alarmantes da violência policial no país nos dias de hoje é resistir à violência cotidiana e seletiva do Estado e ressaltar a importância do conteúdo crítico dos direitos humanos, também enquanto discurso, para o enfrentamento dessa realidade.
(por Natalia Martinuzzi Castilho, mestranda do PPG em Direito da UNISINOS, bolsista PROSUP/CAPES e integrante do Núcleo de Direitos Humanos)
Fontes e sites interessantes para mais informações:
Correio Braziliense: Último condenado pela chacina da Candelária é libertado pelo TJRJ
Correio Braziliense: Após 20 anos da Chacina da Candelária, forma de violência policial mudou
Rede Democrática: 20 anos da chacina da Candelária
ONDE VAMOS PARAR? 29 de agosto : 11 anos da chacina de Vigário Geral – Artigo de Marcelo Freixo
Portal EBC: missa e vigília marcam os 20 anos da chacina da Candelária
Portal EBC: Observatório de Favelas propõe protocolo de atuação de polícia nas comunidades