0 Comentário em 25 - junho - 2013
A possibilidade de se fazer a política nas ruas sendo vivenciada pela geração dos anos 90. Fonte da imagem: http://www.redesuldenoticias.com.br/noticia.aspx?id=53680

A possibilidade de se fazer a política nas ruas sendo vivenciada pela geração dos anos 90. Fonte da imagem: http://www.redesuldenoticias.com.br/noticia.aspx?id=53680

As manifestações e a indignação que permeiam o nosso país nas últimas semanas refletem a rejeição e a insuficiência das políticas de pão e circo, que aprofundam os pactos entre as oligarquias nacionais e internacionais, mantendo os antigos privilégios e a lógica desenvolvimentista. O aumento do preço da tarifa de ônibus em São Paulo representou o estopim, mas não qualquer estopim. A falta de qualidade do transporte público, o preço elevado que consome de 25 a 30% do orçamento mensal dos trabalhadores brasileiros – contando-se somente a ida e a volta ao trabalho (o direito à cidade reduzido ao direito a ter explorada sua força de trabalho) – representou, no nosso caso, a gota d’água. A juventude nas ruas, até meados de 13 de junho, recebia a pecha de “baderneiros”, que mereciam, portanto, ser combatidos à bala de borracha e gás lacrimogêneo. Mas já não se tratava de um movimento isolado, possível de ser esmagado por uma força repressiva sedenta para garantir a paz e a ordem propícia aos olhos da FIFA e sua Copa das Confederações (o circo). Mais que o peso da repressão, a insatisfação geral sentida diariamente na condução casa-trabalho-casa, como única condição possível de sobreviver nas cidades, tornou-se mais poderosa, fazendo expandir uma solidariedade concreta entre nós. Pesou a insuficiência das migalhas sociais (o pão) condensadas nos projetos assistencialistas do governo, como o Minha Casa, Minha Vida, que endividam milhões de brasileiros e promovem a lógica de um desenvolvimento urbano desigual, racista, que aprofunda a exclusão da pobreza e um modelo de estética urbana “para turista ver”. Escandalizaram as contrapartidas do Estado à Fifa e a flexibilização de direitos constitucionalmente assegurados, mas que podem ser temporariamente suprimidos em benefício das multinacionais e do mercado. Tudo junto e misturado em um contexto de avanço neoliberal na América Latina, especialmente a partir dos anos 2000, de governos incapazes de avançar na efetivação dos direitos sociais por meio de políticas públicas concretas, como a reforma agrária ou a demarcação das terras indígenas; que continuam mantendo as alianças com a direita, os monopólios, o agronegócio e com o capital financeiro.

Manifestações na última quinta,  20/6, no Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Marcello Casal/Abr

Manifestações na última quinta, 20/6, no Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Marcello Casal/Abr

A tudo isso se gritou um longo e sonoro “basta!”. A possibilidade de se fazer a política nas ruas, sendo a rua um lugar de massiva discussão política, mobilização e conscientização, realmente nunca tinha sido vivenciada pela geração dos anos 90, e pelas novas e antigas organizações pós-governo Lula. Isso combinado à crise de representação política experimentada pela maior parte de nossa juventude, ao ranso e ao desgosto gerado pela política das coalizões e dos marqueteiros/eleitoreiros de plantão e ao vazio político aprofundado por um modelo democrático-representativo-capitalista que reduz a participação ao peso do voto, entre outras razões, também abriu frestas perigosas, no correr das mobilizações. O anti-partidarismo extremado, os sentimentos ufanistas (e por vezes fascistas) e a desconsideração do caráter de classe, justamente ao se ignorar a história e as lutas de setores, partidos e movimentos sociais que há muito estão acordados, são consequências reais dessa conjuntura, mas que precisam ser combatidas por nós em nosso cotidiano, seja nas ruas, na sala de aula, no trabalho, em casa.

Manifestações na noite de ontem, 25/6, no viaduto Otávio Rocha, em Porto Alegre. Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Manifestações na noite de ontem, 25/6, no viaduto Otávio Rocha, em Porto Alegre. Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Apesar de todas as tentativas de fazer desse “basta!” um grito isolado contra a corrupção, as ruas exigem mais e representam essa nova e empolgante possibilidade de um fazer-político ombro a ombro, horizontal, capaz de transformar a indignação em projetos políticos concretos para o país. Quando se rompe essa pequena fronteira entre simplesmente “curtir” e acompanhar do sofá as discussões, entre o lado de dentro de casa e a porta da rua, e se mostra possível reverter ou frear a perda de direitos (o não-aumento das tarifas de transporte, p. ex.) a partir da auto-organização popular, algo muito poderoso acontece. É preciso transformar esse sentimento de coletividade tão poderoso na possibilidade de mudanças concretas da história política do nosso país, no caminho de uma emancipação real do legado de dependência latino-americana.

(por Natalia Martinuzzi Castilho, mestranda do PPG em Direito da Unisinos, bolsista PROSUP/CAPES e integrante do Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos)

 

Fontes e maiores informações em:

Atilio Boron – Brasil, um nuevo ciclo de luchas populares;

Esther Vivas – Indignarse, patrimonio de la humanidad. Ahora, Brasil;

Carta Maior – A tarefa mais urgente: conversar sobre o Brasil.

categorias: Destaque, Reflexão

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