0 Comentário em 14 - junho - 2013

A paixão que o povo brasileiro demonstra aos esportes, especialmente ao futebol, faz com que se receba com grande alegria a oportunidade que o Brasil experimenta de sediar megaeventos desportivos, como aconteceu com os Jogos Panamericanos e está acontecendo em relação à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos. Esta alegria não raro se torna especialmente mais intensa para aqueles que vivem nas cidades que sediarão momentos destes megaeventos e que se veem protagonistas de um grande sentimento de hospitalidade com aqueles que vêm ao país nestas ocasiões. Todavia, este clima positivo que é proporcionado pela forte expressão cultural do esporte perde o sentido quando se verificam as realidades sociais que são por ele mascaradas. Enquanto a mídia expõe os benefícios da realização da Copa do Mundo, permanecem invisibilizadas as violências causadas para que este megaevento se concretize, através de práticas de profunda repressão e relativização dos direitos humanos positivados no ordenamento jurídico, tanto em normas internas quanto em normas internacionais das quais o Brasil é signatário.

Corrupção e violações de direitos humanos para atender às exigências da FIFA. Charge de Dalcio Machado. Fonte da imagem: http://1.bp.blogspot.com/-BNLuzphEyI8/UBtKyxbc6YI/AAAAAAAAGmg/Ztn3NkVX9HE/s1600/copa+2014+logo+-+dinheiro+-+corrup%C3%A7%C3%A3o.jpg

Corrupção e violações de direitos humanos para atender às exigências da FIFA. Charge de Dalcio Machado. Fonte da imagem: http://1.bp.blogspot.com/-BNLuzphEyI8/UBtKyxbc6YI/AAAAAAAAGmg/Ztn3NkVX9HE/s1600/copa+2014+logo+-+dinheiro+-+corrup%C3%A7%C3%A3o.jpg

Faltando um dia para a realização da Copa das Confederações e menos de um ano para a Copa do Mundo de 2014, intensificam-se as ações da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), coletivo que reúne movimentos sociais, organizações, representantes de comunidades, pesquisadores e outras pessoas e entidades engajadas na crítica e na resistência à postura do Estado nas transformações urbanas que vêm sendo realizadas para a produção dos megaeventos. O grupo tem produzido dossiês, relatórios especiais e denúncias de arbitrariedades e violações a direitos humanos que vêm ocorrendo como consequência da aceleração de um modelo de desenvolvimento adotado pelo poder público para atender às exigências da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), alterando substancialmente o espaço urbano e a estrutura das cidades.

No recente dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil”, que teve a sua segunda edição lançada em maio de 2013, aponta-se que 170 mil pessoas têm ou tiveram o seu direito à moradia violado ou ameaçado, assim como que o direito à informação e à participação nos processos decisórios têm sido negado a milhões de brasileiros, que desconhecem as alterações do espaço urbano que vêm sendo empreendidas por ocasião dos megaeventos. O documento também relata que os chamados Comitê Olímpico Internacional, Comitê Olímpico Brasileiro e os comitês organizadores locais dos eventos são constituídos por entidades privadas a quem o governo tem delegado responsabilidades e atribuições públicas. Mais ainda, o relatório afirma que 3.099 famílias já foram removidas e que outras 7.843 estão sob ameaça de remoção pelas obras para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

O Dossiê, que está focado em 21 casos de vilas e favelas nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, refere que o Estado tem como objetivo principal a higienização, a “faxina social”, para que as cidades anfitriãs dos megaeventos possam disponibilizar o uso futuro de localidade de alto valor imobiliário, onde o Estado possa repassar a mais-valia decorrente de seus investimentos à iniciativa privada.

Nesse sentido, no informe anual sobre moradia adequada como elemento integrante do direito a um nível de vida adequado e sobre o direito a não discriminação a este respeito, a Relatora Especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, refere que “é difícil encontrar nos procedimentos e normativas da FIFA alguma norma que ajude a instituição e seus membros a integrar uma perspectiva de direitos humanos em suas atividades cotidianas”. Isso demonstra que a escolha do governo em privilegiar os interesses privados da FIFA para promover uma suposta regeneração das cidades anfitriãs dos megaeventos, em desconsideração aos efeitos na vida dos moradores dessas cidades, leva a sérias disparidades e na acentuação da desigualdade social.

Em todo o Brasil, intensificam-se as manifestações contra as arbitrariedades cometidas pelo Estado em nome dos megaeventos esportivos. Fonte da imagem: http://www.rederua.org.br/news/upload/fullnews.php?fn_id=10

Em todo o Brasil, intensificam-se as manifestações contra as arbitrariedades cometidas pelo Estado em nome dos megaeventos esportivos. Fonte da imagem: http://www.rederua.org.br/news/upload/fullnews.php?fn_id=10

A elitização do esporte através dos exorbitantes preços cobrados para assistir aos jogos, a imposição da restrição comercial às marcas patrocinadoras da Copa em detrimento do comércio local (e da cultura também, por que não dizer? Considerando que a venda de acarajés, na Bahia, um costume arraigado à cultura baiana, só foi autorizada depois de intensos protestos populares, é possível visualizar também uma forte negação da cultura dos lugares-sede), a imposição de leis de exceção (suspensão de licitações e violação intensa de direitos sociais, uma vez que os trabalhadores das obras, sobretudo dos estádios, laboram em condições precárias) e a resignação ampla e irrestrita do poder público brasileiro às exigências da FIFA (um organismo internacional de direito privado, vale ressaltar) revelam a formação de um Estado de exceção, especialmente nas cidades anfitriãs dos jogos.

Dessa forma, é difícil visualizar um panorama positivo à realização desses megaeventos em países considerados periféricos como o Brasil, uma vez que servem exclusivamente para atender aos interesses do lucro e do capital em detrimento total dos direitos humanos e fundamentais, o que se justifica por um discurso desenvolvimentista, de levar o progresso ao “submundo” que será o centro das atenções mundiais nesse contexto.

Resta a pergunta: quem ganha com os megaeventos?

 

(por Karina Macedo Fernandes, mestranda do PPG em Direito da Unisinos, bolsista PROSUP/CAPES e integrante do Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos)

Fontes de pesquisa e maiores informações em:

Relatório da ONU sobre Megaeventos (em inglês);

Tradução não oficial do relatório para o português;

Portal Popular da Copa;

Comitê Popular da Copa do Rio Grande do Sul;

Observatório das Metrópoles – Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016;

Portal Popular da Copa – A Regra é Clara: Lei Geral é Inconstitucional;

Fórum de Articulação das Lutas nos Territórios Afetados pela Copa em Salvador;

Revista IHU Online – Copa do mundo: Para quem e para quê?

IHU Unisinos – Megaeventos e “uma limpeza urbana injustificada”. Entrevista especial com Sônia Fleury;

Rede Brasil Atual – Comitês se mobilizam em 15 cidades contra violações promovidas pelas obras da copa;

Jamil Chade/Estadão – ONU e ativistas denunciam violações de direitos humanos na preparação da Copa no Brasil;

The Guardian (UK) – Will Brazil be left counting the cost of hosting the World Cup and Olympics?

categorias: Destaque, Reflexão

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