No início do mês de maio, 02, houve uma paralização na construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, devida à ocupação realizada, por aproximadamente, 200 indígenas, no canteiro principal das obras no Rio Xingu, no Pará. Entre os manifestantes, estavam representantes dos povos Munduruku, Juruna, Kayapó, Xipaya, Kuruaya, Asurini, Parakanã, Arara, além de pescadores e ribeirinhos. Sua reivindicação diz respeito à necessidade de realização e regulamentação da consulta prévia, prevista na Convenção 169 da OIT, e a suspensão imediata de todas as obras e estudos relacionados às barragens nos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires.
O processo de consulta aos povos tradicionais, como indígenas e quilombolas, está formalmente previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil é signatário de referida norma internacional, aprovada pelo Congresso Nacional em 20 de junho de 2002, na forma do Decreto nº. 143, promulgado pela Presidência da República em 19 de abril de 2004. Entre outras disposições, a Convenção estabelece que os povos indígenas e os que são regidos – total ou parcialmente- por seus próprios costumes e tradições ou por legislação especial, devem ser consultados sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetar seus interesses. A convenção determina que a consulta deve ser feita “mediante procedimentos apropriados” e por meio de suas instituições representativas: “com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”. Entretanto, a disposição não foi regulamentada, havendo intensa discussão acerca do modo como deve ser instrumentalizada no Brasil.

Fonte da imagem: http://noticias.uol.com.br/album/2013/05/09/justica-determina-reintegracao-de-posse-em-belo-monte.htm
No caso Belo Monte, a consulta não foi realizada. Os indígenas afirmam a existência de violações de direitos humanos e ilegalidades no processo de licenciamento da Usina Hidrelétricaem construção. Taisafirmações foram levadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, que manifestou-se afirmando que “o governo brasileiro vem ignorando sistematicamente alertas da comunidade científica, da sociedade civil organizada, ambientalistas, ribeirinhos, povos indígenas, do Ministério Público e organizações de direitos humanos”.
Durante o período da ocupação, foram escritas cartas contando o cotidiano e esclarecendo as reivindicações dos povos indígenas com o objetivo de facilitar o colóquio. Nessas cartas foram relatadas a experiência e as intenções dos indígenas vitimados pelas obras de Belo Monte, como se pode ver do trecho que segue: “(…) Estamos aqui para dialogar com o governo. Para protestar contra a construção de grandes projetos que impactam definitivamente nossas vidas. Para exigir que seja regulamentada a lei que vai garantir e realizar a consulta prévia – ou seja, antes de estudos e construções! Por fim, e mais importante, ocupamos o canteiro para exigir que seja realizada a consulta prévia sobre a construção de empreendimentos em nossas terras, rios e florestas. (…)”¹.
O retorno dado pelo governo ocorreu no dia 3 de maio, através de uma proposta para que fosse feita a desocupação em troca de um possível diálogo entre uma pequena comissão formada pelos povos indígenas e o Ministério Publico. A proposta não foi aceita, sob o argumento que o dialogo fosse feito com todo o grupo e um representante legal da secretária-geral da Presidência da República, órgão que em nenhum momento tentou contato direto com os manifestantes, o que corrobora a falta de interesse do governo em relação aos povos indígenas.
Juntamente aos representantes do governo, chegaram à Altamira (PA) 100 policiais dentre os quais militares, civis, federais, tropa de choque, Ronda Tática Metropolitana (ROTAM) e Força Nacional. A presença destas forças armadas foi autorizada pela presidenta Dilma Rousseff por meio do decreto 7.957/2013 para garantir as obras das hidrelétricas na região.
No mesmo dia 3 de maio, a Juíza estadual Cristina Sandoval Collyer, da comarca de Altamira, deferiu parcialmente o pedido de reintegração de posse das terras da região, feito pela Norte Energia. Expulsando apenas jornalistas e ativistas do local, o que dificultou a transmissão dos acontecimentos pela mídia e contribuiu para desestruturar a mobilização.
A magistrada também determinou que a FUNAI e o MPF negociassem a saída indígena de forma pacífica. Esses representantes compareceram à ocupação, mas não garantiram apoio às necessidades dos doentes, idosos, mulheres e crianças diante do conflito. E também das condições a que os indígenas se submeteram na ocupação para defender seus direitos e de outros grupos. Ofenderam e pressionaram a saída dos ocupantes, sem dar quaisquer respostas às reivindicações levantadas pelas comunidades atingidas.
Posteriormente, em 6 de maio, a Secretária-geral da Presidência da República, lançou uma nota de “Esclarecimentos sobre a consulta aos Munduruku e a invasão de Belo Monte”, na qual o Estado Brasileiro, sob gerência do governo da presidenta Dilma Rousseff, assume publicamente uma postura preconceituosa e discriminatória contra os indígenas brasileiros; para o governo, a mobilização não foi legitima e, mais do que isso, contou com “autodenominadas ou pretensas lideranças”.
Evidentemente, esta postura pró-neodesenvolvimentismo atinge a todos os povos, os quais desde o governo Lula são considerados obstáculos à implementação desse modelo de desenvolvimento, por se insurgirem à sua lógica economicista, neocolonial e mercantilista de ocupação de territórios. Dessa forma, intensificam-se veritginosamente medidas repressivas, acompanhadas de campanhas enganosas e de descaracterização, de maneira semelhante à repressão do regime autoritário do governo, contra o qual muitos dos atuais representantes do governo tanto lutaram.
Entretanto, no último dia 8, a Norte Energia recorreu ao Tribunal Regional Federal em Brasília que, de forma insensata, respondeu com o deferimento da reintegração de posse do canteiro de Belo Monte aos empresários, autorizando inclusive o uso da força policial para tanto. A decisão foi proferida pela desembargadora Selene Almeida, e despachada pelo juiz Sérgio Wolney Guedes, de Altamira.
Mesmo diante de toda a repressão e de todo o desrespeito que a Norte Energia e o poder público empreendem contra os povos indígenas, a ocupação que paralisou os canteiros de Belo Monte entre os dia 2 e 10 de maio de 2013 pode ser vista com otimismo. Foi uma mobilização pacífica, que apresentou uma pauta de reivindicações justas e legítimas, e contou com uma aliança inédita entre os povos indígenas dos rios Tapajós, Teles Pires e Xingu.
Na quinta-feira, dia 16, menos de dez dias depois da saída do canteiro, os indígenas lançaram a “Campanha Munduruku” em apoio às suas lutas e contra as hidrelétricas na Amazônia.
Na madrugada do dia 27, voltaram a ocupar, afirmando que estes megaprojetos de geração de energia causam graves impactos ambientais e sociais, além de destruírem o modo de vida dos povos e das comunidades tradicionais da região. Um oficial da Justiça Federal esteve no canteiro para entregar o documento da reintegração de posse aos manifestantes, com o prazo de 24 horas para a retirada do local. A leitura do documento não causou espanto aos indígenas, que o rasgaram diante do oficial.
Embora o governo venha se recusando a ouvir esses grupos e tenha tentado calar essas vozes, difamar e distorcer essa luta, a resistência continua.
(por Luiza Waechter Heemann, graduanda em Direito da Unisinos, coordenadora do Centro dos Estudantes de Direito da Unisinos, bolsista PIBIC/CNPq e integrante do Núcleo de Direitos Humanos)
Fontes da pesquisa e maiores informações em:
Portal Amazônia:
http://amazonia.org.br/2013/05/povos-ind%C3%ADgenas-e-o-governo/
Greenpeace Brasil:
http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/juntos-pelo-tapajs-livre/blog/44975/
Instituto Humanitas Unisinos:
Ocupação Belo Monte:
http://ocupacaobelomonte.wordpress.com/2013/05/02/carta-da-ocupacao-de-belo-monte-numero-1/
http://ocupacaobelomonte.wordpress.com/2013/05/04/carta-no-3/
http://ocupacaobelomonte.wordpress.com/2013/05/07/carta-no-4/
http://ocupacaobelomonte.wordpress.com/2013/05/08/carta-n-5-para-aqueles-que-nos-apoiam/