A discussão acerca da reforma da maioridade penal no Brasil voltou ao debate nacional após um rapaz de 17 anos confessar um assassinatoem São Pauloum dia antes de completar 18 anos, fato que fez o governador do Estado, Geraldo Alckmin, chegar a defender mudanças na legislação para casos mais graves e reincidentes. Com isso, tem sido impossível chegar a uma resposta sobre essa temática sem antes validar os argumentos favoráveis e contrários à proposta, não havendo mais espaço para utopias: é necessário analisar a situação, possíveis alternativas e suas consequências, conscientes de que, mesmo sem o esgotamento do problema, é possível se concluir por uma situação menos danosa para todos.
Segundo o artigo 228 da Constituição Federal, reforçado pelo artigo 27 do Código Penal e pelo artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), a maioridade penal no Brasil ocorre aos 18 anos. Isso não significa, entretanto, que indivíduos de até 18 anos estejam impunes caso cometam qualquer conduta tipificada como crime ou contravenção penal. As condutas praticadas por crianças e adolescentes, compreendidas as crianças até 12 anos e adolescente dos 12 aos 18 anos, são chamadas atos infracionais (cf. artigo 103, do ECA) e têm como forma de sanção as chamadas “medidas socioeducativas” ou “medidas de proteção” (leiam-se os artigos 101 e 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Grande parte dos defensores da redução da maioridade penal acredita que assim será possível, por exemplo, o combate ao aliciamento de jovens e crianças ao mercado do tráfico de entorpecentes. Essa alternativa, no entanto, apenas adia o problema, uma vez que, se reduzida a maioridade penal para 16 ou 14 anos, nada impede que indivíduos de 15 ou 13 anos os substituam sob a tutela do Estatuto da Criança e do Adolescente. Da mesma forma, a redução não resolve o problema da criminalidade entre os jovens, mas tão somente indica que aquele menor não necessita mais de cuidados especiais do Estado, o que é um grande erro.
A discussão sobre esta problemática, embora permeie os limites da política criminal brasileira, deveria ser debatida no âmbito da política social. O que se deve discutir não é a idade em que o indivíduo deve estar apto a ingressar no sistema penitenciário, mas sim, o sistema em si e os fatores agravantes da violência. É de conhecimento de toda a sociedade a precariedade do nosso Sistema Penitenciário. Recentemente, o Estado brasileiro foi denunciado por meio de representação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelas violações aos direitos humanos de todas as espécies ocorridas no Presídio Central de Porto Alegre[1]. Não só, há muito tempo o discurso da finalidade da pena como medida de caráter ressocializador já está superado na dogmática penal, sendo pacífico que as penitenciárias servem, hoje, como verdadeiras “escolas do crime”, além da passagem pelo sistema prisional gerar uma série de sentimentos negativos no jovem em relação à sociedade que o excluiu ao invés de acolhê-lo. Ainda, se a problemática da superlotação dos presídios importa na falta de vagas para os indivíduos maiores de 18 anos atualmente, o que acontecerá diante da elevação desse número com o advento da maioridade penal aquém dos 18 anos?
A redução da maioridade penal não é a solução, mas a alternativa mais simples e superficial. Violência não é combatida com violência, mas sim com educação, respeito e, acima de tudo, valorização da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos, princípios e direitos relegados a segundo plano numa sociedade sedenta por vingança e às margens de um Sistema Penitenciário que se tornou pressuposto de impunidade.
Como se vê, a realidade social não nos permite concluir que a redução da maioridade penal viria a combater a violência de forma eficaz, pois de nada adianta modificar Leis Penais se o fundamento do ordenamento jurídico – a Constituição Federal e seus princípios e garantias fundamentais – não for respeitado. Temos a obrigação, enquanto cidadãos de um Estado Democrático de Direito, de nos pautarmos pelo que leciona o texto constitucional, pressuposto este de uma sociedade mais justa, equânime e democrática.
(por Bruna Köche, aluna da graduação em Direito da Unisinos, bolsista PIBIC/CNPq e integrante do projeto “Estado e Política Criminal: a expansão do Direito Penal como forma de combate ao terrorista”, coordenado pelo Prof. Dr. André Luís Callegari e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos)
[1]Disponível em: http://www.adpergs.org.br/todas-as-noticias/item/comissao-interamericana-de-direitos-humanos-da-oea-pede-esclarecimentos-ao-brasil-sobre-situacao-no-presidio-central. Acessado em 22 de abr de 2013.
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