Todos nós sabemos que o dia 1º de abril é lembrado em todo o país por ser considerado o dia da mentira, ou o dia dos bobos, como queiram. Foi neste mesmo dia, em 1964, que teve início uma das mais terríveis épocas da história do Brasil. Afinal de contas, os americanos nos enganaram perfeitamente, por meio da propaganda, e pela corrupção de poderosos líderes políticos que, libertando o país da “ameaça” comunista, acataram a promessa de que seríamos um povo livre e democratizado, como eles. Aconteceu qualquer coisa durante o período do governo Militar, menos a concretização da liberdade e da democracia em nosso país. Sim, nós realmente fomos feitos de bobos, pelas mãos americanas.
Talvez você esteja se perguntando: mas o que os Estados Unidos tem a ver com a Ditadura Militar brasileira? Muito mais do que você pensa, meu caro. Aliás, para uma melhor compreensão do que será tratado nesse texto, recomendo ao amigo leitor que assista ao documentário “O Dia que durou 21 Anos”, dirigido por Camilo Tavares, lançado na última sexta-feira (29/03), e que está em exibição nas principais salas de cinema do nosso país. Esse documentário mostra, de uma forma precisa e rica em detalhes, como os EUA influenciaram a Ditadura Militar no Brasil.

O embaixador Americano Lincoln Gordon e o primeiro presidente da Ditadura Militar, General Castelo Branco. Fonte: http://novobloglimpinhoecheiroso.files.wordpress.com/2013/03/castelo_branco01_lincoln_gordon.jpg?w=450&h=375
Como é sabido, entre 1948 e 1991 o mundo presenciou a distribuição geopolítica do controle econômico político e cultural de grande parte do mundo pelos dois principais blocos mundiais: o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o bloco socialista, liderado pela União Soviética. A essa disputa pelo controle do mundo foi conferido o nome de Guerra Fria. Ademais, em 1959, se instaurou na Ilha de Cuba, na América Central, sob a liderança de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, o primeiro regime socialista da América Latina, deixando a Casa Branca de cabelos em pé, e com um certo medo de que novos regimes socialistas viessem a surgir na região.
Com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em 1961, assume a chefia da República o gaúcho João Goulart, vice de Jânio, que tinha fama de “esquerdista”, por ter feito viagens diplomáticas à China, e também por implementar as chamadas “reformas de base”, um conjunto de medidas que incluíam uma série de pautas reivindicatórias dos movimentos sociais, como a reforma agrária, durante o governo de seu antecessor. Com o receio de que uma “nova Cuba” surgisse, e sabendo do enorme potencial econômico e territorial do Brasil, o governo americano, então liderado pelo presidente John F. Kennedy, percebeu que algo precisava ser feito. Dessa forma, para coordenar essa “conspiração” visando impedir que o comunismo se instaurasse no Brasil, Kennedy nomeou o economista Lincoln Gordon para que fosse o embaixador dos EUA em nosso país, e daqui pudesse informar a Casa Branca sobre eventuais avanços e retrocessos do governo de Goulart. Não tendo muito sucesso por vias diplomáticas, pois o então Presidente brasileiro era um anti-intervencionista declarado, os EUA decidiram buscar outras formas de impedir o avanço comunista no Brasil. A primeira delas foi financiar candidaturas de influentes parlamentares do Congresso, e em troca eles apenas deveriam apoiar a “Democracia”. Outra forma utilizada pelo governo norte-americano para suprimir a ameaça do comunismo foi financiar, produzir e difundir, nos jornais no rádio e na televisão, propagandas de caráter anticomunista, o que acabou criando um efeito muito positivo para a Casa Branca, fazendo crescer no Brasil a oposição a João Goulart.
O assassinato do presidente Kennedy, em 1963, permitiu mudanças no plano de intervenção dos americanos no governo brasileiro, pois Kennedy não queria que o Brasil fosse vitimado por uma Revolução. O presidente que assumiu a Casa Branca, Lyndon Johnson, era mais agressivo, e queria fazer tudo o que fosse necessário para sacar João Goulart da Presidência da República. Para tanto, ele decidiu que os EUA deveriam desenvolver alianças com os militares que desejavam tomar o poder. Foi incumbido dessa tarefa o general Vernon Walters, que havia lutado com militares brasileiros na Itália, durante a II Guerra Mundial.
Assim começou, de uma forma gradual, a derrocada do governo de Goulart que, percebendo que estava perdendo poder, especialmente pela Marcha da Família com Deus pela Liberdade – organizada pelos órgãos de propaganda financiados pelos EUA, levaram mais de 500 mil pessoas às ruas do Rio de Janeiro. A Casa Branca decidiu que era a hora de agir. Assim, na virada do dia 31 de março para o dia 1º de abril de 1964, os militares tomaram o Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, e nesse meio tempo, João Goulart fugiu para sua fazenda, no Rio Grande do Sul. De imediato, foi declarada vaga a Presidência da República, de forma ilegítima (pelo fato de um Presidente eleito pelo povo ter sido destituído), passando o cargo à Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara dos Deputados, posse que foi rapidamente reconhecida como legítima pelo governo americano, deixando um ar de desconfiança na comunidade internacional. Por fim, em 11 de abril de 1964, o general Humberto Castelo Branco foi eleito Presidente da República pelo Congresso Nacional, tomando posse no dia 15 de abril daquele mesmo ano. Estava começando ali um dos mais nefastos períodos da história política de nosso país.
Cinco Atos Institucionais, cassação de mandatos dos parlamentares que eram de posição contrária ao do regime, suspensão de diversos direitos e garantias fundamentais, como o direito de reunião e a liberdade de expressão, milhares de pessoas capturadas e presas, sem que os seus familiares sequer pudessem ter notícias deles. Enfim, foram 21 anos de sofrimento, de repressão, de terror, de perguntas sem resposta para o povo brasileiro.

A repressão violenta contra a cidadania. Fonte da imagem: http://4.bp.blogspot.com/-cFHzqo8nyQw/TZPCVDGGSsI/AAAAAAAAAbg/467H-pobnfE/s1600/ditadura+1.jpg
É fundamental registrar aqui o quanto foi grande a luta do povo brasileiro contra a repressão executada pelos militares. Estudantes, trabalhadores, homens e mulheres, iam para as ruas, para as avenidas, para as praças, cobrar do regime a democracia e a liberdade que fora prometida nas propagandas que eram veiculadas nos meios de comunicação, de caráter anticomunista, e também lutar para que os direitos humanos pudessem ser criados no cotidiano, por todos os cidadãos. Em contrapartida, a reação do governo Militar não poderia ser pior: intolerância, violência, perseguições, prisões, e por consequência, mortes. Mortes como a do jovem Édson Luiz de Lima Souto, que fora assassinado pelos militares no dia 28 de março de 1968 (completando então, na última quinta-feira, 45 anos de sua morte), enquanto protestava, junto com outros estudantes, pela redução dos preços das refeições do Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, causando uma enorme comoção em todo o país, com vários protestos, e por consequência, mais violência por parte dos militares.
O Brasil não foi o único país latino-americano que sofreu com a repressão e a intolerância de uma Ditadura Militar. Outros países também passaram por esse período, como exemplo podemos citar o Chile, país que, em 1973, tinha um Presidente socialista eleito pelo povo, Salvador Allende, que se suicidou antes de ter a sede do governo chileno, o Palacio de La Moneda, atacado por tropas do Exército e aviões da Força Aérea Chilena, que posteriormente passariam o comando do país para o general Augusto Pinochet, que permaneceu no poder até 1990. Assim como em nosso país, o povo chileno sofreu com a intolerância e a violência do regime, que ficou marcada pelo assassinato, em 29 de março de 1985, dos irmãos Rafael e Eduardo Vergara Toledo, que integravam o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), pelas Forças de Segurança do governo (também chamadas de Carabineiros), durante uma operação policial na comunidade onde os irmãos moravam, em Santiago, capital do país. Por causa desse fato, é lembrado no chile, de forma extraoficial (não é reconhecido pelo Estado), o dia 29 de março como sendo o Dia do Jovem Combatente.
Retomando ao âmbito brasileiro, objeto deste texto, a Ditadura Militar chegou ao fim em nosso país em 1985, deixando muitas feridas abertas e muitas perguntas sem resposta. A principal forma que o Estado encontrou para tentar sarar essas feridas foi salvaguardar, na Constituição democrática de 1988, todos os direitos e garantias fundamentais dos brasileiros, que foram abruptamente violados durante o regime dos militares. Mas, ainda assim, essa proteção não bastou para que as feridas que a ditadura deixou, por duas causas em especial. A primeira foi o questionamento acerca dos interesses jurídicos e políticos envoltos à Lei da Anistia, criada pelo último presidente militar, general João Batista Figueiredo, em 1979, que no § 1º do seu Artigo 1º prevê que se encaixam nesse quadro de anistiados os cometedores de “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”, dando a entender que a Lei protegia também os militares vinculados ao regime, e os torturadores dos presos políticos, desencadeando assim, muita discussão em nosso Supremo Tribunal Federal, que ainda não revisou essa Lei, fazendo com que o Brasil fosse processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por causa disso. O segundo elemento que comprova as feridas abertas da Ditadura Militar consiste nas informações sobre os presos políticos durante o regime, muitos dos quais não há, até hoje, qualquer tipo de informação, inclusive para os seus familiares, o que veio a provocar diversos protestos por parte do povo brasileiro. Tais protestos fizeram com que, em 2012, fosse instituída a Comissão Nacional da Verdade, cuja finalidade é apurar graves violações dos direitos humanos que tenham ocorrido entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1948, permitindo também a reabertura dos arquivos do regime, o que foi uma grande vitória para a população brasileira, especialmente para os familiares de vítimas. Um dos casos trazidos à tona pela CNV foi o da morte do jornalista Vladimir Herzog, que teve a sua certidão de óbito retificada, mudando a causa da morte de “asfixia mecânica” para “lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)”, acabando com a farsa que ele havia se suicidado, criada pelos militares.
Isso comprova que, infelizmente, a ampla proteção que a Constituição de 1988 conferiu aos direitos fundamentais é ineficiente, pois para que esses valores éticos e políticos escritos nas páginas de nossa Carta Magna possam ter algum efeito concreto, são necessários movimentos de resistência e pressão popular, como no caso da CNV, e o governo, na grande parte dos casos, age com medidas lentas e graduais.

O povo se insurge às arbitrariedades do Estado. Fonte da imagem: https://agenotic.files.wordpress.com/2012/04/ditadura-evandro-teixeira.gif
Embora o nosso país tenha se livrado do jogo criado pela política imperialista norte-americana, que resultou na Ditadura Militar, após o final da Guerra Fria os EUA seguem exercendo os seus interesses ao redor do mundo (e ainda na América Latina), invadindo nações e as oprimindo, com o seu falso “Pacotão de Democracia”, ao qual agora também inclui direitos humanos no “kit”. E como se sabe, olhando os exemplos recentes de intervenções norte-americanas, no Afeganistão e no Iraque, democracia e direitos humanos, assim como no Brasil, foram os elementos que menos puderam ser vistos…
Fontes e mais informações em:
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=pt&cod=65671
http://guebala.blogspot.com.br/2011/03/edson-luis-presente.html
Série “O Dia que Durou 21 Anos”. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=p2Esuu-RATQ (Capítulo I)
http://www.youtube.com/watch?v=PpBzW2O6Lvg (Capítulo II)
http://www.youtube.com/watch?v=eNSARIEZ3b4 (Capítulo III)
(por Alex Sandro Da Silveira Filho, aluno da graduação da UNISINOS, bolsista PRATIC e membro do NDH)