Aconteceu no último dia 22 de novembro a reunião do Núcleo de Direitos Humanos antropologia e direito, na qual palestrou a professora e antropóloga Cláudia Lee Williams Fonseca, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na ocasião, a professora Claudia falou acerca da sua pesquisa sobre a relação entre a ciência e a justiça, especificamente no que tange às tecnologias que fazem uso do DNA para compor provas técnicas no Poder Judiciário. Nesse sentido, a professora alertou para o boom comercial ocasionados pelos testes de paternidade, assim como para as mudanças que o advento desses testes trouxe para a antropologia e para o direito, designadamente em relação à conjunção de três áreas temáticas: – antropologia de parentesco e relações de gênero; – antropologia do direito, e; – antropologia da ciência. Tudo isso fez com que se verificasse uma verdadeira “guinada generalizada” em relação à prática, o que veio a ser sustentado por autores como Gertz, Bourdieu, Foucault e Sahlins.

Professora Cláudia Lee Williams Fonseca, professora Fernanda Bragato e professora Daniela Cademartori
Num segundo momento de sua exposição, a professora Cláudia detalhou sua pesquisa, que foi focada no universo do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, nos anos de 2002 e 2003, especificamente na atuação da Defensoria Pública, das Varas de Família e da participação dos atores nas audiências conciliatórias e nas coletas de sangue. As primeiras verificações foram de que a conduta e o discurso dos advogados são marcados por um forte teor sexista e maquineisticamente reproduzido, mas que, em contrapartida, houve uma mudança na retórica jurídica a partir do DNA. Ainda assim, verificou-se uma performance ritualística das demandas de investigação de paternidade, de maneira que tudo acentua a autoridade do tribunal e a pouca agência dos usuário, que têm pouco – ou mesmo não têm – lugar para se expressar. Detalhando a descrição da pesquisa, a professora concluiu que o DNA trouxe uma afirmação da libertação da sexualidade feminina, na medida em que, fazendo um teste de DNA é dispensável a comprovação do teor sexual da conduta. Contudo, para a professora, “o DNA é a certeza que criou uma dúvida”, já que possibilita que aqueles que sempre viveram em união se sintam em dúvida apenas pela certeza que o DNA trouxe, o que pode contribuir para uma fragilização das relações afetivas.
Segundo a professora Cláudia, a pesquisa observou algumas consequências da inovação do DNA nas relações de parentesco, como reações inesperadas entre gerações e gênero (homens passam a sublinhar suas dúvidas e mulheres passam a assumir a sua liberdade sexual), bem como uma genetização das relações familiares, à medida que há um deslocamento da ênfase de uma relação psicossocial para uma lógica bio. Outra dessas consequências foi a criação da dicotomia das intenções dos planejadores x a lógica dos consumidores. Enquanto os primeiros não planejaram a afirmação de um fato biogenético e a incorporação deste no Poder Judiciário, os consumidores, tanto mulheres quanto homens, puderam afirmar suas dúvidas e a própria liberdade sexual. Nessa direção, algumas conclusões que não se podem tirar quanto à influência dos exames de DNA para verificação de paternidade na antropologia e no direito são quanto à existência de romantismo, determinismo tecnológico e determinismo cultural.
A seguir, a professora trouxe os casos de três países quanto ao tratamento que conferem ao uso do DNA para investigação de paternidade: enquanto no Brasil este é um campo aberto, na França só é permitida a coleta de testes com determinação judicial, sob pena de multa. Já na Índia, a Corte Suprema, em caso paradigmático, barrou o teste de DNA de um homem casado, utilizando legislação internacional para fundamentar os direitos da criança e a dignidade da mulher – os mesmos argumentos que são utilizados no Brasil para autorizar os testes.
Em fim, as conclusões da explanação da professora são de que, antes de tudo, é preciso estranhar o “óbvio”, o que seria obviamente positivo: de onde vieram essas ideias e quais as repercussões que elas têm na nossa realidade? O Brasil seguiu uma via anglo-saxã/norte-americana pela ideia de que a ciência sempre faz a justiça. No entanto, há graves problemas ocasionados com os avanços científicos que levam ao fortalecimento da biopolítica e do biopoder (Foucault), o que pode ser verificado, por exemplo, na diferença do acesso à justiça de acordo com a classe social a que se pertence: para as classes mais baixas, o DNA é absoluto, enquanto que para as mais altas, ele é frequentemente falho/relativizado, tornando possível que a ciência dê espaço às falas das pessoas. E para se pensar nos aspectos da justiça que estão relacionados à questão do uso do DNA nos testes de paternidade, é necessário ir além do universo normativo e do que os discursos e silogismos das leis trazem, papel basilar da antropologia clássica e da pesquisa antropológica.