Hoje, 20 de novembro, é o dia de celebrar a Consciência Negra, dia de se pensar sobre o papel do negro no contexto social brasileiro. A data foi instituída através da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, lei que também tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afrobrasileira na educação básica. Com a promulgação da referida lei, o dia da consciência se tornou feriado em mais de 400 municípios brasileiros.

Dia Nacional da Consciência Negra. Fonte da imagem: http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/11/20/acoes-marcam-dia-da-consciencia-negra
A data de 20 de novembro foi escolhida para celebrar a consciência negra em homenagem ao líder quilombola Zumbi dos Palmares, morto neste mesmo dia, em 1695. Zumbi nasceu em Palmares, região da Serra da Barriga, Alagoas, em 1655. Apesar de ter nascido livre, Zumbi foi capturado e entregue a uma família portuguesa, domínio do qual fugiu aos 15 anos, em direção à sua localidade de nascimento. A partir de então, tornou-se o mais famoso líder quilombola, por ter lutado incessantemente contra a opressão portuguesa.
O legado de Zumbi é lembrado em cada ação afirmativa que o Estado brasileiro promove ao respeito pela consciência negra. Com o advento da Lei nº 10.639/2003, os planos de ensino da educação básica passaram a versar sobre história da África e dos africanos, bem como sobre a luta dos negros no Brasil, a cultura negra e o papel do negro na formação da sociedade brasileira. Além disso, permitiu a determinação de feriado municipal, o que ocorreu em mais de 400 municípios brasileiros, o que pode ser considerado um avanço considerável no pensamento sócio-cultural do brasileiro em relação à consciência negra.
Foi também em 2003 que o Governo Federal criou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), em reconhecimento às lutas históricas do Movimento Negro brasileiro. A data de criação da Seppir, 21 de março, é a mesma data em que se comemora o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em memória do Massacre de Shaperville, ocorrido em 1960, na cidade de Joanesburgo, África do Sul.
Também merece destaque nesse sentido a aprovação da Lei 12.288, de 20 de julho de 2010, que criou o Estatuto da Igualdade Racial e que, de acordo com a Seppir, orientou a elaboração do Plano Plurianual 2012-2015, resultando na criação de um programa específico intitulado “Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial”.
A Questão das Cotas
Outro destaque deve ser dado à recente aprovação pelo Governo Federal da chamada “Lei de Cotas”, instituída através da Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012 e do Decreto 7.824, de 11 de outubro de 2012, que a regulamentou. Através desses mecanismos legais, ampliou-se o acesso democrático nas universidades federais e instituições federais de ensino técnico e de nível médio, uma vez que a referida legislação garante percentuais mínimos de vagas nessas instituições para estudantes pretos, pardos, indígenas, oriundos de famílias de baixa renda e egressos de escolas públicas.
O critério estabelecido pela lei para definir a proporção das vagas destinadas a esses grupos nas instituições federais é o resultado dos dados do último Censo Demográfico divulgado pelo IBGE, conforme segue:
Pelos números do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, o Brasil contava com uma população de quase 191 milhões de habitantes, dos quais cerca de 15 milhões se declararam como pretos (7,6% do total) e 82 milhões como pardos (43,1% do total).
A fonte dos dados acima – e principal bibliografia consultada – se encontra no portal do IBGE.
Em tempos de globalização e capitalismo financeiro, discursos levantados atualmente para deflagrar a legitimação da opressão e da exclusão de diversos grupos e movimentos sociais, importante que se fortaleçam políticas públicas e ações afirmativas que reconheçam direitos e garantias ao povo negro no Estado Democrático de Direito Brasileiro. Reconhecendo a luta histórica do movimento negro na sociedade brasileira, sobretudo no que diz respeito às questões de preconceito e discriminações raciais, ao concretizar medidas de alteridade em prol deste povo que, juntamente com sua cultura, foi marginalizado no cenário estatal brasileiro, verifica-se um esforço desse mesmo Estado em frear os interesses econômicos, que tradicionalmente fomentaram o racismo, para ressignificar suas políticas de inclusão social.
Se o racismo existiu para fins de dominação (seja sob a perspectiva econômica quanto sob o viés social, político e cultural), as políticas públicas e ações afirmativas anti-racismo são a resposta abolicionista a este triste capítulo da História do Brasil: o do construcionismo social embasado na ideia de que o negro seria alguém inferior em razão das suas características biológicas e da escravidão que lhe foi imposta pelo europeu colonizador. Ideia que, aliás, atravessou gerações de marginalização e opressão. A legislação e as políticas de cotas raciais são uma resposta àqueles que, embora não diretamente, mas nas suas origens afro, são egressos das senzalas, dos cativeiros e que foram historicamente privados, em maior ou menor medida, do acesso ao acesso pleno à cidadania, o que pode ser visualizado nas barreiras de acesso ao emprego, à moradia, à educação, à saúde pública, à participação política, enfim, ao exercício pleno da cidadania.
Em razão de o preconceito racial ser hoje uma violência simbólica, para lembrar Bourdieu, que perpassa a esfera do micropoder (Foucault) e, portanto, impossível de ser desvelado precisamente, as ações de discriminação positiva (e preventiva, por assim dizer) são fundamentais nos Estados que se pretendem dizer democráticos. E de Direito, como é o caso do Brasil. São exatamente essas discriminações temporárias que, mais adiante, promoverão avanços na igualdade e na fiança dos cidadãos, através da promoção de direitos fundamentais a todos. Neste mesmo Estado Democrático de Direito, a promoção plena do acesso à esfera pública é um dever minimamente ético e social.
Num país em que muito já se falou no mito da democracia racial e em políticas públicas falaciosamente legitimadas por um darwinismo social de “branqueamento da população”, encontrar pessoas pobres, marginais (na acepção literal da palavra) e excluídas das garantias do Estado é recorrente. Considerar estas mesmas pessoas “suspeitas” ou “bandidas” sem qualquer justificativa plausível para tanto, também é.
Em vista disso, a mudança de paradigmas e convivências sociais emergia fortemente: mesmo que as cotas não exterminem o principal problema, que é o do preconceito, parecem ser uma solução viável para uma sociedade tão complexa e injusta como a brasileira – ante as injustiças que o Estado não consegue alcançar, é o papel deste realizar alguma política compensatória. No caso, quanto à visibilização dos negros e à oferta de oportunidades iguais a todos, independentemente de raça.
Por fim, vale atentar a uma passagem do artigo “Reações às cotas subestimam o racismo”, publicado por Matheus Pichonelli em abril deste ano, no portal Carta Capital:
“A herança escravocrata é uma ferida aberta num país em que brancos e negros cometem os mesmos crimes, mas só uns são maioria nas prisões, e outros, maioria nas universidades – o topo de uma estrutura cujo caminho pede, muito mais que esforço, igualdade de condições para se alcançar. Muitos ficaram pelo caminho, e não foi por falta de esforço nem talento.
Só não vê quem não quer. Ou quem se esforça negando o racismo citando a profusão de mestiços num país onde todos se relacionam com todos – o que catalisou nossa identidade, diria Gilberto Freyre. Certo? Pois a Casa Grande segue inacessível. E, para reconhecer a Casa Grande, basta um passeio pelos lugares frequentados apenas por uma elite histórica – aconselho, inclusive, um passeio por redações de jornais e revistas.”
Leia também: Ações marcam dia da Consciência Negra – Portal Brasil.
(por Karina Fernandes, mestranda PPGD/UNISINOS, bolsista PROSUP/CAPES e membro do NDH)