0 Comentário em 2 - dezembro - 2010

Nessa semana, em face da grande repercussão que vem se dando aos conflitos armados entre agentes da segurança pública e criminosos no Rio de Janeiro, optou-se por trazer no espaço do Blog dois textos de opinião  acerca desse conflito. Em especial, duas opiniões contrárias. A sugestão se deu em face de encontrarmos no todo (não somente na dita “mídia hegemônica” ou  na “não hegemônica”) duas opiniões contrárias, e já que não podemos nos pautar apenas por uma opinião, que possamos avaliar entre elas a mais plausível. Em seguida se apresenta os textos na ordem de publicação.

ARTIGO/TEXTO DE OPINIÃO

Não haverá vencedores

MARCELO FREIXO

Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.
Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida.
Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.

As imagens aéreas na TV, em tempo real, são terríveis: exibem pessoas que tanto podem matar como se tornar cadáveres a qualquer hora. A cena ocorre após a chegada das forças policiais do Estado à Vila Cruzeiro e ao Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.

O ideal seria uma rendição, mas isso é difícil de acontecer. O risco de um banho de sangue, sim, é real, porque prevalece na segurança pública a lógica da guerra. O Estado cumpre, assim, o seu papel tradicional. Mas, ao final, não costuma haver vencedores.
Esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.

Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.
Essa crise se explica, em parte, por uma concepção do papel da polícia que envolve o confronto armado com os bandos do varejo das drogas. Isso nunca vai acabar com o tráfico. Este existe em todo lugar, no mundo inteiro. E quem leva drogas e armas às favelas?

É preciso patrulhar a baía de Guanabara, portos, fronteiras, aeroportos clandestinos. O lucrativo negócio das armas e drogas é máfia internacional. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve.

Falta vontade política para valorizar e preparar os policiais para enfrentar o crime onde o crime se organiza -onde há poder e dinheiro. E, na origem da crise, há ainda a desigualdade. É a miséria que se apresenta como pano de fundo no zoom das câmeras de TV. Mas são os homens armados em fuga e o aparato bélico do Estado os protagonistas do impressionante espetáculo, em narrativa estruturada pelo viés maniqueísta da eterna “guerra” entre o bem e o mal.

Como o “inimigo” mora na favela, são seus moradores que sofrem os efeitos colaterais da “guerra”, enquanto a crise parece não afetar tanto assim a vida na zona sul, onde a ação da polícia se traduziu no aumento do policiamento preventivo. A violência é desigual.

É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer.

O poder público não recolhe o lixo nas áreas em que a polícia é instrumento de apartheid. Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública terá de passar pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos da favela.

Da população das favelas, 99% são pessoas honestas que saem todo dia para trabalhar na fábrica, na rua, na nossa casa, para produzir trabalho, arte e vida. E essa gente -com as suas comunidades tornadas em praças de “guerra”- não consegue exercer sequer o direito de dormir em paz.

Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário…

Marcelo Freixo, professor de história, deputado estadual (PSOL-RJ), é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Para aqueles que não são assinates do jornal “Folha de São Paulo”, o texto esta disponível no site: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/marcelo-freixo-nao-havera-vencedores.html acessado em 01/12/2010

ARTIGO/TEXTO DE OPINIÃO

Patriotismo da Bala

DEMÓSTENES TORRES

De repente o Rio de Janeiro acordou maravilhado. Operou-se um rito de passagem onde foram invertidas as percepções sobre a realidade. As polícias que tinham conceitos de corruptas e violentas caíram nas graças da sociedade como instituição eficaz. O Estado que possuía a imagem da negligência virou entreposto de pleno atendimento administrativo. Até o coitadismo com que eram tratados os bandidos por conta das causas sociais da violência foi dissolvido pelos aplausos às cenas de bandos de marginais encurralados, presos e mortos.

Perfeitamente, mas agora o que se espera da ação espetacular que deixou a população carioca feliz e os políticos vaidosos é o passo seguinte em forma de uma política de segurança pública para o Brasil. O País precisa acolher essa oportunidade valiosa de apoio popular para iniciar a grande reforma das instituições policiais e do sistema penitenciário. Ficou provado que o problema do tráfico é um assunto essencialmente de polícia e para que a ofensiva se torne permanente e não um espasmo de pirotecnia é imprescindível a liderança da União para se construir um novo modelo policial.

O certo seria partimos logo para uma transição motivada na unificação das corporações civis e militares, hoje completamente divorciadas em seus objetivos estratégicos. A iniciativa iria permitir a edificação de uma polícia de resultados, moralmente purificada, e com capacidade para otimizar os recursos disponíveis de logística e inteligência. Desde a redemocratização do País, parte influente da sociedade e do Estado acreditou que essas instituições eram um instrumento da repressão e por isso deveriam ser desacreditadas.

Tanto desprestígio político colaborou em muito para que se prosperassem as bandas podres nas corporações, especialmente alimentadas pela associação ao tráfico de drogas. Nos últimos 30 anos se operou no Brasil grande aberração institucional. Justamente quando o comércio ilegal de entorpecentes adquiria formação de crime organizado, desmoralizamos as polícias, promovemos sistemático afrouxamento da legislação penal e deixamos ruir o sistema penitenciário. O resultado é o estado criminal que ameaça a democracia brasileira.

Imaginava-se até a ação espetacular do último fim de semana que a polícia era sinônimo de desmando. Hoje, até o pessoal engajado na sociologia criminal toma o seu chopinho em Ipanema a filosofar sobre a utilidade das corporações. Não quero estragar o entusiasmo de ninguém, só não podemos nos deixar iludir com a ideia de que há hoje uma “pacificação” da criminalidade violenta. Agora é que são elas! Para que haja reversão da tendência consolidada de banditismo, será determinante a capacidade dos governos de formular uma política de segurança pública para o País.

Estou a falar não só de uma estratégia nacional de combate ao crime, como de investimentos pesados para que se materializem as boas ideias. O governo federal mostrou disposição ao emprestar apoio à ofensiva ocorrida no Rio de Janeiro e decidiu tratar da matéria no âmbito externo por intermédio da formulação de um plano sulamericano de combate às drogas. Porque não fez antes é a pergunta que não quer se calar, uma vez que é prontamente sabido que vieram do Paraguai as 40 toneladas de maconha apreendidas na operação, bem como grande parte do armamento pesado recolhido dos marginais.

De igual forma, qualquer soldado que acabou de sentar praça na PM tem conhecimento de que a Bolívia, o Peru e a Colômbia são os grandes fornecedores da cocaína que infecciona a sociedade brasileira e faz do território nacional corredor de transporte da droga para a Europa e a África. É bonito praticar a comiseração com os pobres povos andinos por meio do perdão a dívidas, da aceitação do esbulho de empresas brasileiras e da tolerância a mandaletes autoritários. Agora, o Brasil precisa exercitar a sua liderança no subcontinente e exigir ações ostensivas de combate à produção e ao comércio ilegal de entorpecentes nos países de influência.

De acordo com o Relatório Mundial sobre as Drogas 2010 elaborado pela ONU, nos últimos nove anos a produção de cocaína na Bolívia aumentou 112% e o próprio presidente do país, a quem o governo brasileiro dá suporte, é cocaleiro profissional. Positivamente, assim não dá! Repito: não podemos deixar que a oportunidade seja desperdiçada. Normalmente o brasileiro só se entusiasma com os valores nacionais em época de Copa de Mundo, o chamado patriotismo da bola. Desta vez conseguimos a união do País em relação à necessidade de se reverter a crise de segurança pública, sentimento que já está sendo chamado de patriotismo da bala.

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

O texto esta disponível no site: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/ acessado em 01/12/2010

categorias: Reflexão

Deixe uma resposta