Tradução: Daniel Carneiro Leão Romaguera
Revisão: Profª. Fernanda Bragato
A última mutação da doutrina neoliberal é transformar a Grécia numa distopia da vida real, mas a resistência ainda pode salvar o dia.
O filme de Michael Anderson “Fuga no Século XXIII” (1976) começa com a seguinte declaração:
Em algum momento do século XXIII, os sobreviventes de uma guerra, superpopulação e poluição estão vivendo em uma cidade cúpula, selada longe do mundo externo esquecido. Aqui, em um mundo ecologicamente equilibrado, a humanidade vive apenas para o prazer, libertada pelos servomecanismos que fornecem tudo. Há apenas um problema: A vida deve terminar em trinta anos a não ser que haja o renascer no ritual de fogo de carrossel [1].
A primeira parte é uma descrição de praticamente todas as utopias. Uma sociedade afastada do mundo externo ameaçador, que vive isolada em paz e abundância. Não há conflito, as pessoas estão felizes, nada perturba sua existência, as suas necessidades, e, desejos são totalmente satisfeitos. As pessoas podem chamar parceiros sexuais ou ir às salas de orgia, mas eles não podem ter relacionamentos de longo prazo.
Usualmente, como é o caso, as utopias têm uma pequena falha que as transforma em distopias. Os moradores da cúpula são condicionados a aceitar que a vida será “renovada” quando atingida a idade de 30 anos. Implantados “relógios-da-vida” que mudam de cores, de acordo com a idade avançada de seus titulares, eles estão preparados para o “último dia” em seu trigésimo aniversário. Mas, quando reunidos no “carrossel” para “renascer”, são exterminados.
A “utopia” da paz cosmopolita, colaboração global e uma vida de abundância era a promessa do “fim da história” em 1989. Tal cenário seria entregue numa nova ligação íntima entre os interesses privados, liberdade de escolha e bem comum. Após o decolar da indústria e da agricultura para o mundo em desenvolvimento, o endividamento para o consumo tornou-se a estratégia de crescimento do oeste. Endividamento e consumismo eram a ordem do dia, “Iphone ou Blackberry”, o último dilema existencial. Ambos eram sustentados pela disponibilidade de crédito sem limites. A poupança ao longo da vida foi transformada em “produtos” financeiros, os trabalhadores tornaram-se acionistas diretos ou de investimentos de empresas de seguros e fundos de pensões. O trabalhador endividado com uma pequena carteira de ações aceita a escolha do consumidor e a responsabilidade pessoal como principais critérios de sucesso.
A proliferação de direitos individuais e de consumo aprofundou a integração socioeconômica. A ideologia dominante declarou que todo desejo pode se tornar um direito, para cada “eu quero X”, “eu tenho o direito de X”. Os interesses da classe trabalhadora gradualmente se aproximaram dos interesses capitalistas, apesar do diferencial de renda que cresceu a níveis sem precedentes. As hipotecas mostraram que o capitalismo financeiro teve que “investir na vida nua de pessoas que não podem fornecer qualquer garantia, não oferecem nada além de si mesma”. [1]
A mensagem foi clara: investir seu dinheiro em ações e tomar empréstimos, gastar e ser feliz. Lembro-me de ser aconselhado por um banqueiro grego para comprar um “produto” financeiro especial chamado “repos”, porque ele era um “investimento seguro com retorno elevado”. Eu perguntei o que eram esses “repos”, mas ele foi vago. Quando adicionei que não possuo ações ou quotas, ele estava incrédulo.
“Eu pensei que você fosse um cara inteligente por ser professor em Londres. Eu não tenho certeza mais”. O consumo notório foi à promessa do sonho neoliberal. Empréstimos fáceis e baratos, recompensas para a especulação do mercado, aumento rápido dos valores imobiliários se tornaram instrumentos de política econômica, bem como critérios de mobilidade social e bem-estar individual. O imperativo moral do período “desfrutar”, “comprar”, “viver como se este fosse seu último dia”, “prazer obrigatório” foi o impulso político.
Grécia: Na vanguarda da decadência.
A Grécia é um caso clássico do entrelaçamento complexo entre o controle populacional e a disciplina dos indivíduos através da promoção superficial da liberdade. Depois do ingresso na União Europeia, o consumo e o hedonismo promovido pelo governo tornaram-se a principal forma de sucesso. O crescimento distorcido da economia, com base em empréstimos que formaram a bolha financeira chegou ao fim em 2008. As medidas de austeridade inverteram as prioridades, ao estabelecer uma verdadeira novela e administração brutal da população e dos indivíduos. O “resgate” da Grécia é visto como um retorno à “probidade” fiscal. Cortes de gastos públicos, aumento de impostos e privatizações são as ferramentas. As pessoas foram informadas por cerca de vinte anos que a principal preocupação do poder foi o sucesso econômico e a felicidade dos indivíduos. Agora, as políticas anteriores foram ultrapassadas. A política do desejo pessoal e prazer foi abandonada por uma estratégia de salvar a nação, literalmente, seu DNA, que resultou no abandono de seus membros individuais. População é tudo, ou seja, o nada individual. A obrigatoriedade do prazer individual se transformou em uma proibição do prazer.
No nível coletivo, a austeridade divide a população de acordo com o trabalho, idade, situação econômica, gênero e critérios de raça, nas exigências dos indivíduos a reforma radical do comportamento se dá em prol da probidade fiscal e competitividade. As medidas abrangem todos os aspectos da vida do consumo, de alimentos básicos à saúde, educação, trabalho e lazer. As pessoas são conduzidas a alinhar seu comportamento com as “necessidades” da nação e se submeter ao controle extenso que visa à recuperação da “saúde social”. A mudança de comportamento foi inicialmente exigida dos trabalhadores de baixa remuneração e pensionistas; e eventualmente se espalhou para todos. Cada nova onda de austeridade prorrogou as medidas a grupos cada vez maiores da população, como a classe média que foi trazida para o turbilhão com enormes impostos sobre a propriedade.
Nesse sentido, as estratégias populacionais tiveram que ser suplementadas com amplas intervenções a nível individual. Os vinte anos de hedonismo tiveram que ser levados a um rápido fim. Para fazer isso, uma versão extrema da receita da “doutrina de choque” foi imposta na esperança de que a introdução violenta da austeridade reduzisse a resistência e reorganizasse o comportamento social. Sua estratégia econômica é a criação de enormes carências na prestação social e individualização do processo de disciplinamento. Dinheiro, trabalho, direitos, segurança e aspirações são racionados e as pessoas são convidadas para encontrar um substituto privado de serviços até então públicos, ou a aceitar que a súbita reversão é a consequência apenas de seus pecados e culpas.
Percebe-se o resultado sem precedentes em tempos de paz: a contração de 25% do PIB, o desemprego de 27%, desemprego juvenil de 60%, uma crise humanitária, enorme aumento de doenças, suicídio, mortes evitáveis, ascensão de neonazistas em ataques contra imigrantes, esquerdistas, homossexuais e ciganos.
Os netos da história
A distopia “The Children of Men”, filme dirigido por Alfonso Cuarón em 2006, é uma versão extrema da situação grega. Nessa ficção a humanidade está enfrentando a extinção após um longo período de infertilidade global. A Grã-Bretanha tem sido inundada por refugiados e tornou-se um estado policial com campos de concentração e uma guerra brutal entre o governo e os grupos de imigrantes. Kee, a única mulher grávida viva, é escoltada por um burocrata estatal e imigrantes radicais através da zona de guerra e campos de concentração em direção ao mar, onde um navio irá levá-la para um “projeto humano” de tentar reverter à infertilidade. Nesse trajeto, ela dá a luz em um quarto fornecido por uma mulher cigana, e, eventualmente, chega ao navio chamado “Tomorrow” com a possibilidade de redenção.
Quase na mesma linha, os governos gregos de austeridade usaram imigrantes e as mulheres para mostrar rigidez e pureza ideológica. Durante a campanha eleitoral em Maio de 2012, os Ministros da Saúde e da Ordem Pública lançaram uma campanha para remover imigrantes do centro da cidade, chamando-os de “lixo humano” e acusando-os de propagação de doenças infecciosas –foi apenas um show; os detidos voltaram logo para o centro da cidade.
Não por outro lado, o governo de direita eleito em Junho de 2012, respondeu com a promessa de “reconquistar” o centro de Atenas dos “invasores”. Uma vez no poder, lançaram uma campanha chamada “Xenios (hospitable) Zeus” para prender e remover os imigrantes das cidades. Campos de detenção chamados “centros de acolhimento” foram estabelecidos em toda a Grécia. Chamar o conjunto de imigrantes de “Xenios” pode ser explicado tanto como uma ignorância do significado da palavra como uma ironia pós-moderna.
Mais uma vez, antes das eleições de maio de 2012, os ministros lançaram uma campanha vergonhosa contra o “olhar estrangeiro” das profissionais do sexo. As mulheres foram presas, testadas por HIV e detidas até julgamento de crimes não especificados. Seus nomes e fotos foram divulgados em jornais e sites. Tal prática foi copiada dos infames “Atos britânicos de Doenças Contagiosas” da década de 1860, que autorizou a contenção de prostitutas e mulheres julgadas promíscuas para testes obrigatórios de doenças venéreas e posterior prisão. A operação do século XIX foi universalmente condenada e contribuiu para a ascensão do feminismo, como Joanna Bourke secamente comenta “a legislação tratou as mulheres como um todo em que identificou as reais “criaturas mudas” em termos de classe”.[2]
A operação contemporânea adicionou a disputa de classe e de gênero e oferece um símbolo vergonhoso do cinismo do poder, supostamente destinado a proteger a “saúde” da nação grega através da punição e humilhação das mulheres racionalmente “inferiores”. O governo foi salvar os homens das “predadoras” sexuais estrangeiras intencionadas em destruir a genética grega. Quando se soube que quase todas as mulheres detidas eram gregas e a maioria delas não eram profissionais do sexo, a publicidade diminui. No século XIX as mulheres de classe média se uniram à causa de suas perseguidas irmãs. Em seguida, no século XXI, apenas a esquerda defendeu a dignidade e a privacidade dessas mulheres. Até porque, no capitalismo tardio as orgulhosas tradições liberais foram abandonadas pelos neoliberais e são mantidas vivas apenas pelos radicais que criaram extensas campanhas de solidariedade para as excluídas e perseguidas.
Da utopia à distopia, e vice-versa.
Michel Foucault, Gilles Deleuze e Giorgio Agamben explicaram como o poder é agora exercido sobre a vida, estende-se das profundezas da consciência para o corpo dos indivíduos e populações inteiras, atingidas com base em características como sexo, raça, saúde, idade ou profissão. Tecnologias coletivas de poder são completadas por “tecnologias do self”. As pessoas são convidadas a ajustar seu comportamento através de práticas de autoaperfeiçoamento e disciplina em nome da felicidade individual, saúde, sucesso e bem-estar coletivo. A biopolítica do capitalismo produz não apenas comodidades para sujeitos, mas sujeitos, em primeiro lugar, e, mais importante, o sujeito livre de desejos e direitos.
O self é o alvo e produto de duas estratégias. A primeira inscreve necessidades, desejos e expectativas no indivíduo, fazendo com que se sinta livre, autônomo e criativo. Apenas conforme disciplinado pelo simbólico do poder adquirimos o imaginário de liberdade. O segundo, preocupado com a força das populações, adota políticas em torno da taxa de natalidade, expectativa de vida, sexualidade, saúde, educação, formação, trabalho e lazer. O indivíduo é de pouco interesse aqui. Este registro duplo tem um objetivo comum, o disciplinamento e controle do comportamento. O poder é indiferente em relação a ideias: você pode ser um comunista, anarquista ou trotskista, enquanto seu comportamento e postura seguirem a prescrição. Existe escapatória?
A integração direta da pessoa que trabalha na economia do endividamento é o calcanhar de Aquiles do capitalismo tardio. O trabalhador pode retirar de forma abrupta e violenta, se algum dos elos da cadeia de integração quebrar. Isso pode acontecer por meio da súbita perda de emprego, maior deterioração das condições de vida ou expectativas, e a frustração de desejos ou promessas. Isso é o que os protestos e revoltas estão conseguindo em todo o mundo, de Tahrir ao Syntagma e Taksim.
A resistência desarticula as identidades do circuito do desejo-consumo-frustração e ajuda no surgimento de indivíduos desobedientes. Quando a vida se torna insuportável e a sujeição intolerável, a recusa em obedecer à lei e as políticas conduz a invenção de novos tipos de resistência e transforma a desobediência em um “batismo político”. Ela libera o sujeito das consolações de normalidade e do entorpecimento da normalização. Na Grécia, o batismo de resistência passou mais rápido do que em outros alvos da austeridade neoliberal. [3]
Em “Logan’s Run”, aqueles que percebem que o carrossel da “renovação” é uma artimanha que levaria a extinção em massa fogem da cidade. Eles se tornam “corredores” que buscam um “santuário” para além da cidade. E, são perseguidos por “Sandmen” – policiais especiais e autorizados para a exterminação. Logan, um “Sandmen” perseguindo um “corredor”, percebe que não existe um santuário e retorna para a cidade de cúpula e encontra sua morte com os cidadãos liberados no exterior.
A utopia do Sul da Europa virou uma distopia de desemprego, pobreza, doenças e suicídio. Como Logan e Kee, a única resposta é escapar pelo êxodo do falso paraíso da felicidade obediente do consumo e do estado de exceção de acampamentos, da polícia e da guerra não declarada contra a maioria da população.
Utopias transformam-se de forma breve em distopias, assim que a sua “verdade” é revelada tem sua falha fatal. Distopias, por outro lado são um terreno fértil para a desobediência e resistência. O povo grego tem visto além do mito da “felicidade”.
Se eles continuarem no caminho da resistência, um caminho oculto e conflituoso que têm percorrido um longo caminho até agora, a Europa ainda pode ser salva.
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[1] Christian Marazzi, The Violence of Financial Capitalism (Los Angeles, Semiotext(e), 2007), 40.
[2] Joanna Bourke, What it Means to be Human (Virago, 2012), 98.
[3] Costas Douzinas, Philosophy and Resistance in the Crisis (Polity, 2013).
[1] “Sometime in the twenty-third century, the survivors of a war, overpopulation and pollution are living in a great domed city, sealed away from the forgotten world outside. Here, in an ecologically balanced world, mankind lives only for pleasure, freed by the servo-mechanisms which provide everything. There’s just one catch: Life must end at thirty unless reborn in the fiery ritual of carousel”.
Tradução do texto publicado pelo Professor Costas Douzinas na página “Open Democracy” no dia 16 de dezembro de 2013. Link de acesso: https://www.opendemocracy.net/can-europe-make-it/costas-douzinas/from-%E2%80%98utopia%E2%80%99-to-dystopia-and-resistance-short-run
Autor: Costas Douzinas
Tradução: Daniel Carneiro Leão Romaguera
Revisão: Profª. Fernanda Bragato
Direitos Humanos são um híbrido de direito liberal, moral e política. O seu poder ideológico reside em sua ambiguidade não em sua adesão aos valores liberais de liberdade individual.
Os direitos humanos são a última ideologia universal após o “fim” anunciado das ideologias e da história. Eles unem o Norte e Sul, a Igreja e Estado, os liberais de primeiro mundo e revolucionários do terceiro mundo. Os direitos humanos são utilizados por alguns como símbolo para o liberalismo, capitalismo ou individualismo, e por outros para o desenvolvimento, a justiça social ou a paz. No Sul, os direitos são vistos prioritariamente no seu coletivo do que na sua dimensão individual, são sociais e econômicos ao invés de civis, associados com a igualdade ao invés da liberdade.
A vitória e ubiquidade desses direitos indica que transcendem conflitos de interesse e lutas de classes? Tornaram-se os direitos um horizonte comum que une Cardiff e Kabul, Londres e Lahore? É uma ideia reconfortante, mas negada diariamente nos noticiários. Se tiver algo de perpétuo em nosso mundo não é a paz kantiana, mas a crescente disparidade de riqueza entre o Norte e o Sul, entre ricos e pobres. E, a multiplicação das paredes de segurança rigorosamente policiadas dividindo os ricos da “subclasse” de imigrantes, de refugiados e de “pobres indignos”.
Os protestos e revoltas que eclodiram recentemente em todo o mundo exigiram justiça social e igualdade, não direitos humanos (“Nós somos os 99%”; “pelo fim da austeridade e cortes”). A ausência de recursos para os direitos humanos nos dá a oportunidade de rever suas premissas teóricas e políticas. “Direitos humanos” é um termo combinado. Os direitos legais têm sido o alicerce para formação da lei ocidental desde a modernidade precoce, inspirado no direito de propriedade, o primeiro e ainda mais significativo direito. Como humanos, os direitos introduzem um tipo de moralidade no caminho pelo qual o poder público e o poder privado devem tratar as pessoas. A legitimidade do direito moderno foi baseada na pretensão de ser ideologicamente neutro, para além da moralidade, ideologia e política. A proliferação de direitos humanos assinala a percepção de que a lei do Estado pode ser adaptada para as políticas mais atrozes. Os direitos humanos são, portanto, uma categoria híbrida de direito liberal e moralidade. Entretanto, a moralidade não é uma só e a lei não é um simples exercício de racionalidade, o conflito moral ingressa no âmbito legal conforme suas estruturas arregimentam a responsabilidade moral. Disso, resulta uma série de paradoxos quando esses direito ingressam no coração da sociedade, reunindo direito e moral. Deixem-me, oferecê-los cinco teses desenvolvendo alguns desses paradoxos.
Tese de nº 1: Os direitos humanos classificam as pessoas em um espectro entre o plenamente humano, o humano inferiorizado e o desumano.
Os liberais afirmam que os direitos humanos são conferidos às pessoas em razão de sua “humanidade” e não pela inclusão em categorias mais estreitas, como pertencimento ao estado, nação ou classe. Se fosse esse o caso, refugiados, imigrantes ilegais, prisioneiros da Baía de Guantánamo, que não possuem lei ou estado para protegê-los deveriam ser os principais beneficiários das consolações de humanidade. Têm tão pouco. A “humanidade nua” não oferece nenhuma proteção e quem diz representá-la está mentindo. A humanidade não possui significado unívoco ou universalmente aceitável e não pode agir como fonte para regras morais ou legais. Historicamente, os bárbaros para os gregos e romanos, os pagãos para os cristãos, o “incivilizado” para os imperialistas, as minorias raciais e sexuais “irracionais” para os privilegiados, os “imigrantes ilegais” para os cidadãos ou os economicamente redundantes para o afluente capitalista foram divisões da “humanidade”. Os direitos humanos ajudam a construir quem e como alguém se torna humano.
Tese de nº 2: Poder e moralidade, soberania e direitos, não são inimigos mortais como muitas vezes se argumenta. Pelo contrário, o amálgama específico da história da soberania e moralidade constitui a ordem estruturante de cada época e sociedade.
Os direitos naturais que são o antecessor moderno precoce de direitos humanos, foram um complemento necessário ao Estado-nação e nacionalismo. A Declaração Francesa dos Direitos do Homem declarou que “todos os homens nascem livres e iguais”, mas concedeu seus direitos “universais” apenas para cidadãos franceses, brancos, do sexo masculino e proprietários. A ordem pós-Segunda Guerra Mundial combina a “não intervenção” nos assuntos domésticos dos Estados, que é a maior defesa possível da soberania nacional, com a alegação da universalidade de direitos humanos. Como o Presidente Reagan falou, a Declaração Universal e seus direitos sociais e econômicos se assemelha a uma “carta para Papai Noel”.
Por fim, a “nova ordem mundial” pós-1989 perfurou a soberania nacional dos estados “vadios” nominalmente para proteger os cidadãos de seus governos malignos. Mas, o resultado da sequência de invasões no Afeganistão e no Iraque mostram que a difusão da democracia e dos direitos humanos foi uma frágil cortina de fumaça. No passado, a “missão civilizadora” incluía missionários e canhoneiras. Hoje, os direitos humanos agregam mísseis e drones. A combinação da enorme desigualdade estrutural e repressão estatal da globalização neoliberal com a ideologia legal prometendo dignidade e igualdade cria uma instabilidade sistêmica levando a “nova ordem mundial” à sua morte.
Tese de nº 3: Nas sociedades ocidentais avançadas, direitos humanos des-politizam a política.
Não me refiro aqui às liberdades civis tradicionais e proteções limitadas dos desprivilegiados, oprimidos e pobres quando reivindicam e raramente conseguem obter êxito. Este é o caso central das liberdades civis. O problema reside em outro lugar: os direitos humanos perderam seu significado e limites, tornando-se a expressão vernácula de cada tipo de aspiração e desejo individual (cada ‘eu quero X’ pode potencialmente se tornar ‘Eu tenho o direito a X) bem como a língua dominante das políticas públicas. Os líderes da direita tradicional conduzem seu ataque alvejando “imigrantes ilegais”, prisioneiros e “falsos” refugiados ao promover o direito dos proprietários, banqueiros e vítimas de crimes. Para os defensores do mercado livre e individualismo, os direitos são brinquedos da classe média. Os trabalhadores e conservadores movem-se para o centro ideológico, onde foi declarado o término do conflito, com ênfase nos direitos dos proprietários e consumidores que perseguem a mesma agenda. Dá a impressão de que os banqueiros ricos e os desempregados, ou a privacidade da classe média e da dignidade básica dos desempregados pertencem ao mesmo registro.
O antagonismo é a realidade da política e seu objetivo a justiça social. Direitos como atributos individuais não podem combater a desigualdade, nem são sinônimos de justiça. Na verdade, a jurisprudência liberal considera os direitos sociais e econômicos como secundários porque eles não são “judicializáveis”, a sua natureza os torna de alguma forma inadequados para o litígio. Quando os direitos individuais se tornam o local e jogo da política, eles se juntam a “escolha” e são uma manifestação do neoliberalismo.
Tese de nº 4: A distância entre “ter” um direito e “usufruí-lo” é enorme.
Por exemplo, o “direito ao trabalho” ou a afirmação de que somos “todos nascidos iguais” ambos são pilares dos tratados internacionais. Ter o “direito” de trabalhar não significa nada para os milhões de desempregados. Os direitos formais são omissos sobre as condições para o seu exercício. O “direito” de trabalhar não se refere a um direito existente, mas a uma reivindicação política. Neste sentido, a política de direitos está sempre em conflito potencial com seu estatuto jurídico. Declarações de direitos humanos são prescrições: as pessoas não são livres e iguais, mas deveriam ser. Só a luta política, não a lei, pode conseguir isso. A igualdade é um apelo à ação e não uma descrição do estado de coisas. Mais uma vez, nominalmente, com o não controverso “direito à vida”. Sua declaração não responde as perguntas sobre o aborto, a pena de morte, a eutanásia ou se os pré-requisitos necessários para a sobrevivência, como alimento, abrigo ou cuidados de saúde devem ser protegidos. Na maioria dos casos, uma reivindicação de direitos humanos é o começo e não o fim de uma disputa sobre o seu significado ou a sua posição vis-à-vis de direitos conflitantes.
Quando Deus, o autor da lei natural morreu, o direito internacional substituiu-o pela fonte mais recente de moralidade. O poder ideológico dos direitos humanos reside precisamente na sua ambiguidade retórica e política, na oscilação entre ideal e real, entre a humanidade e a cidadania nacional, entre a ordem da lei e o desejo por um mundo melhor. Quando os direitos humanos fazem parte da lei, a lei inclui um princípio de auto-transcendência que se opõe a lei do estado. Um sistema legal com direitos humanos é paradoxalmente diferente de si mesmo, uma vez que os direitos humanos podem chamar toda a lei a prestar contas. Neste sentido, os direitos não se tornam a última ideologia, mas a última expressão da vontade humana para resistir à dominação e opressão e a intolerância da opinião pública. Eles são parte de uma longa e honrosa tradição, que começou com o desafio de Antígona da lei injusta e nas lutas dos desprezados, escravizados ou explorados. Dessa forma, os direitos têm um duplo significado e vida. Eles são reivindicações (legais) a serem admitidas pelos privilégios da lei e exigências (políticas) para melhoria ou alteração de todo o direito.
Tese de nº 5: O fim dos direitos humanos é resistir à dominação pública e à opressão privada. Eles perdem esse fim quando se tornam a ideologia política a idolatria do capitalismo neo-liberal ou a versão contemporânea da missão civilizatória.
*”Human rights and the paradoxes of liberalism”, texto originalmente publicado no Open Democracy em 08 de agosto de 2014.
Autor: Costas Douzinas
Tradução: Daniel Carneiro Leão Romaguera
Revisão: Profª. Fernanda Bragato
Confesso-me culpado da acusação de otimismo declarado. Entramos em uma era de resistência para qual devemos construir uma analítica. Novas formas, estratégias e assuntos de resistência e insurreição, aparecem regularmente sem conhecimento ou orientação em Badiou, Zizek ou Negri.
Em 17 de junho de 2011, fui convidado para dirigir a ocupação da Praça Syntagma em Atenas. Após as palestras, seguindo o procedimento habitual, os membros da ocupação tinham seus números sorteados e vinham para frente falar com as 10.000 pessoas presentes. Um homem em particular estava tremendo e com sintomas evidentes de Stagefright antes de seu discurso. Ele então começou a dar uma bela palestra em frases e parágrafos perfeitamente formados, apresentando um plano completo e convincente para o futuro do movimento. “Como você fez isso?” Eu perguntei a ele mais tarde, “Eu pensei que você iria entrar em colapso”, quando eu comecei a falar, ele respondeu calmamente: “Eu estava balbuciando as palavras, mas alguém estava falando. Um estranho dentro de mim ditava o que dizer”. Muitos participantes nas recentes insurreições e revoltas deram declarações semelhantes. Meu trabalho mais recente aborda esse “estranho em mim” (a descrição usual do inconsciente), esta transubstanciação milagrosa compartilhada por pessoas de diferentes partes do mundo. [1]
A “nova ordem mundial” anunciada em 1989 foi a menor da história, chegando a um fim abrupto em 2008. Protestos, tumultos e revoltas eclodiram em todo o mundo. Nem o mainstream nem os radicais tinham previsto a onda e isso levou a uma busca frenética por precedentes históricos. Um ex-diretor do Serviço Secreto de Inteligência britânico pensou “a onda revolucionária, como 1848”. Paul Mason concorda: “Há paralelos fortes – acima de tudo com 1848, e com a onda de descontentamento que precedeu 1914″ [2] Alain Badiou suspeita de um possível “renascimento da história” em uma nova era de “revoltas e levantes” depois um longo “intervalo” revolucionário. [3] Eventualmente, porém, a história é abortada ou natimorta segundo Badiou que discorda fortemente com a minha afirmação de que entramos em uma idade de resistência.
Em uma conferência realizada na cidade de Paris no mês janeiro de 2013 estava no mesmo painel que Badiou, depois da minha apresentação alain começou: “Eu certamente admiro a eloquência do meu amigo e camarada Costas Douzinas, que reforçou seu otimismo confesso, com referências precisas para o que ele considera serem as novidades políticas dos povos e resistência na Grécia, onde teve de discernir a emergência de um novo sujeito político”. Quando ouvi o próximo ponto eu pensei que eu tinha entendido mal: Enquanto a coragem e a inventividade da resistência são motivos de entusiasmo, a resistência não é nem nova nem eficaz. A mesma coisa aconteceu em maio de 68, na Praça Tahrir e mesmo “nos tempos de Spartacus ou Thomas Munzer”. [4]
Confesso-me culpado da acusação de otimismo declarado. Entramos em uma era de resistência. Novas formas, estratégias e assuntos de resistência e insurreição aparecem regularmente, sem conhecimento ou orientação de Badiou, Zizek ou Negri. Seu tempo é imprevisível, mas a sua ocorrência certa. Assim que as resistências se espalharam pelo mundo a partir dos países atingidos pela austeridade da Turquia ao Brasil, os ex-garotos-propaganda do neoliberalismo da Bósnia-Herzegovina e Ucrânia, a filosofia tem a responsabilidade de explorar o retorno contemporâneo da resistência e desenvolver uma analítica de resistência.
Em um sentido mais estratégico, é importante seguir o conselho de Kant em seus ensaios políticos, algo como um voto de confiança para as relações públicas filosóficas avant la lettre. Na filosofia da história de Kant, a natureza garante a eventual união civil da humanidade em um futuro cosmopolita. Mas, dada à possibilidade de uma audiência pública, o filósofo deve continuar pregando a inevitabilidade do cosmopolitismo, oferecendo uma mão amiga a providência. De forma semelhante e após as repetidas declarações sobre o “fim da história”, o “fim da ideologia” e a nova ordem mundial, é importante para a esquerda proclamar que a mudança radical tornou-se possível novamente.
No século XX a esquerda colecionou uma longa lista de profetas e grupos que prometem a refundação de uma primeira e única forma correta de organização comunista. Em intervenções anteriores, Badiou explicou que a “resistência” (entre aspas irônicas) do movimento antiglobalização foi criação do poder dominante. O movimento é “um operador selvagem” da globalização e “procura traçar, para o futuro iminente, as formas de conforto para ser apreciado pela pequena burguesia ociosa do nosso planeta”. [5] Na discussão do tema, Badiou passou a atacar Negri (“um romântico da velha guarda”), que é fascinado por “flexibilidade e violência” do capital.
Ele chamou a multidão de um “sonho alucinante” que reivindica o direito de inércia do nosso planeta… o desfrutar sem fazer nada, enquanto houver um cuidado especial para evitar qualquer forma de disciplina. Mas, nós sabemos que a disciplina em todos os campos que a conhecemos é a chave para verdades. Finalmente, ele descartou a categoria do “movimento”, porque é “acoplado à lógica do Estado”; a política deve construir “novas formas de disciplina para substituir a disciplina dos partidos políticos”. [6]
De acordo com esta versão, a resistência comunista deve ficar longe do estado, adotar a ideia do comunismo e criar uma organização altamente disciplinada que age em relação às pessoas de forma direta e autoritária, que “deseja comemorar sua própria autoridade ditatorial, ditatorial porque ad infinitum democrático”. [7]
Este é o tipo de organização que as resistências recentes têm rejeitado e por uma boa causa: tanto por causa da história da esquerda e, mais importante, porque as mudanças socioeconômicas do capitalismo tardio fizeram do conceito de uma organização leninista não apenas redundante, mas indesejável e contraproducente.
A partir de uma perspectiva totalmente diferente se não oposta, e com maior interesse no princípio do prazer do que a pulsão de morte (e em partes e não numa parte), o recente livro de Howard Caygill parece compartilhar do pessimismo. [8] As suas últimas linhas referem-se a resistências contemporâneas e concluem: “a resistência está envolvida na deslegitimação desafiante de dominação existente e potencial, mas sem qualquer perspectiva de um resultado final sob o disfarce de uma solução revolucionária ou reformista … a política de resistência está desiludida e sem fim”.
Mas, apesar das reservas dos pessimistas, resistência e revolução estão no ar. Parece, porém, que a “coruja de Minerva” de Hegel não deixou seu ninho. Será porque não estamos no “crepúsculo” ainda? Em outras palavras, os filósofos não podem responder à agitação política e social, porque a época da resistência não está perto de acabar, como pensava Hegel? Ou, é o resultado de uma certa esclerose teórica e política por parte dos teóricos radicais?
Fracasso, derrota, perseguição e paranoia são marcas da esquerda. A esquerda tem aprendido a estar sob ataque, a falhar, perder e afundar na derrota. Um masoquismo duradouro se esconde nos melhores livros de esquerda: muitas são as histórias de fracasso e racionalizações variáveis. É verdade que a esquerda perdeu muito: uma unidade de análise e movimento, a classe trabalhadora como sujeito político, o inexorável avanço da história e a economia planificada como alternativa ao capitalismo. Foi também verdade que a queda do muro de Berlim atingiu com maior intensidade os socialistas ocidentais do que os antigos stalinistas. Usando termos de Freud, o luto necessário e libertador do objeto de amor da revolução se transformou em melancolia permanente. Em luto, a libido finalmente retira-se da perda do objeto e é deslocada para outro. Na melancolia, se retira para o ego”. Esta retirada serve para “estabelecer uma identificação do ego com o objeto abandonado”. [9]
Walter Benjamin chamou isto de “melancolia da esquerda”: a atitude do militante que está ligado a uma análise política específica ou ideal – e ao fracasso desse ideal – do que a apreensão de possibilidades de mudança radical no presente. [10] De sua parte, Benjamin apela à esquerda para agarrar o “tempo do agora”, enquanto para o melancólico a história é um “tempo vazio” de repetição. Parte da esquerda é narcisicamente fixada para o seu objeto perdido, sem óbvio desejo de abandoná-lo. A melancolia de esquerda leva inexoravelmente ao fetichismo das pequenas diferenças: politicamente, ele aparece nos conflitos intermináveis, divisões e insultos entre companheiros de outrora. Ataques entre os mais próximos, a dupla ameaça é mais perigosa do que o inimigo. Teoricamente, de acordo com Benjamin, a melancolia da esquerda trai o mundo em prol do conhecimento. Em nosso cenário contemporâneo, temos um retorno a um tipo particular de grande teoria, que combina uma obsessão da explicação da vida, do universo e tudo com a ansiedade da influência. As sombras e fantasmas das gerações anteriores de grandes nomes pesam sobre os últimos missionários da enciclopédia.
A razão mais importante porque a teoria radical tem sido incapaz de compreender plenamente as recentes resistências é talvez a “ansiedade da grande narrativa”. A geração anterior de intelectuais radicais, como Jean-Paul Sartre, Bertrand Russell, Edward Thomposn e Louis Althusser, tinha ligações estreitas com os movimentos de seu tempo. Filósofos radicais contemporâneos são encontrados com mais frequência em salas de aula do que esquinas.
O “academicismo” mais amplo da teoria radical e sua proximidade com os estudos “interdisciplinares” e departamentos culturais de estudo mudaram seu caráter. Estes campos acadêmicos foram desenvolvidos como resultado das prioridades de financiamento nas universidades. Eles alegremente acolhem o apelo dos filósofos radicais que contribuem para o seu valor de celebridade. Mas esse enfraquecimento da relação entre teoria e prática tem um efeito adverso sobre a construção da teoria. O desejo de uma “teoria radical de tudo” causada pela “angústia da influência”, criada pela geração anterior de grandes nomes filosóficos não ajudar a superar as limitações de abstração desencarnada.
Não é nenhuma surpresa o fato de muitos esquerdistas europeus estarem felizes ao comemorar o final de Chavez, Morales ou Correa e levaram a cabo a política radical por procuração, prontos para descartar o que acontece em parte do mundo por entender irrelevante ou equivocada. Talvez se sintam melhor em perder gloriosamente do que ganhar mesmo com algumas concessões. Repetidas derrotas não ajudaram aos milhões cujas vidas foram devastadas pelo capitalismo neoliberal e governança pós-democrática.
O que a esquerda precisa não é um novo modelo de partido ou teoria brilhante dotada de completude. É preciso aprender com as resistências populares que eclodiram sem líderes, partidos ou ideologia comum, e construir com essa nova energia, imaginação e instituições criadas. A esquerda precisa de alguns sucessos depois de um longo intervalo de fracassos.
A Grécia é, talvez, a melhor oportunidade para a esquerda europeia. A persistente militância e resistência afundaram dois governos de austeridade. E, atualmente, o Partido de Esquerda Radical denominado “Syriza” será provavelmente o primeiro governo radical eleito na Europa.
A chance histórica foi criada não pelo partido ou por uma teoria, mas por pessoas comuns que estão bem à frente de ambos e adotaram esse pequeno partido de protesto como veículo que complementaria no Parlamento as lutas nas ruas. A responsabilidade política e intelectual de intelectuais radicais nos demais lugares é de se posicionar e demonstrar solidariedade com a esquerda grega.
Para uma geração mais velha de militantes, a teoria é uma arma na política. A partir desta perspectiva, eu argumentei em meu livro recente que formas, temas e estratégias de resistência surgem dentro e contra os circuitos de poder, reagindo e reorganizando suas operações.
Para explicar a sua multiplicação e intensificação, devemos começar com a exploração que o estado de coisas se opõe, a desastrosa combinação do capitalismo neoliberal e a decadência quase terminal da democracia parlamentar. Todas as resistências recentes de Tahrir, Syntagma, Taksim e Sarajevo parecem responder um ou outro. É, portanto, importante o exame de certas tendências comuns para iniciar a análise da idade de resistência. Deixe-me resumi-las.
Primeiro, o cenário econômico e social do capitalismo neoliberal imaterial. Sua lógica é a da privatização, do antiestado e da desterritorialização. Mas, ao mesmo tempo, no entanto, como o lucro torna-se rendas e juros, o capitalismo exige uma maior regulamentação e policiamento.
Em segundo lugar, devemos explorar a organização global biopolítica em seus dois lados: no período de crescimento falso, liberalismo pessoal, hedonismo e consumismo, com a injunção do prazer mandatório. Cada “Desejo x” tornou-se “Eu tenho o direito de x”. Quando inevitavelmente a austeridade chega, a ênfase vira para o lado inverso com o controle das populações. A escolha do indivíduo e sua felicidade bem como toda a raiva do período anterior desaparecem. O indivíduo é abandonado, o prazer mandatório torna-se a proibição de prazer a fim de salvar o DNA da nação.
Estes desenvolvimentos têm efeitos graves para a política da lei. Legalidade é utilizada pelas elites, a fim de prevenir e criminalizar a desobediência e a resistência. A ênfase anterior na liberdade controlada se transforma em um estado limitado de exceção, a repressão policial e exclusão generalizada.
A Análise global deve ser sempre ajustada ao contexto local. Resistências são sempre localizadas. Portanto, cada caso deve ser analisado no contexto de histórias locais, condições e relações de poder no tempo e espaço. A explosão, multiplicação e condensação das diferentes lutas e campanhas dependem crucialmente do Kairós, trata do momento oportuno que é muitas vezes um catalisador aleatório, como foi a morte de Alexis Grigoropoulos em Atenas no ano de 2008, Mohamed Boazizi na Tunísia em 2010, ou Mark Duggan em Londres 2011.
A insurreição espontânea é o ponto onde a complementaridade ou acoplamento da prometida liberdade de escolha do consumidor e o controle comportamental e repressão policial são desvelados. Portanto, o primeiro indicativo de conflito é a de- e re- subjetivação, que consiste na desarticulação de pessoas a partir da posição de desejo, consumo de máquinas e sua emergência em resistir às subjetividades (o “Estranho em Mim”). A participação na maioria das lutas é a re-politização da política através da introdução de um elemento ativo da democracia direta em nossas enfermas e decadentes disposições constitucionais. Três novas formas de política surgiram para responder às tendências e subjetividades do capitalismo tardio.
Em primeiro lugar, os consumíveis, os seres humanos redundantes, o homines sacri do nosso mundo. Tais são os imigrantes ilegais ou sans papiers, aqueles para quem o Mediterrâneo tornou-se um cemitério flutuante. Aqui, muitas vezes, a resistência à subjetividade assume a forma de martírio – testemunho e sacrifício – e do êxodo.
Em segundo lugar, os biopoliticamente excluídos: os desempregados e não empregáveis, jovens e velhos, pessoas que existem socialmente, mas são invisíveis para o sistema político. Resistência assume a forma de insurreição, ocasionalmente tumultos. Subjetividade assume a forma de atuação violenta para fora. O que eles exigem não é este ou aquele direito, tanto como o “direito a ter direitos”, mas para serem considerados parte do contrato social.
Finalmente, a privação de direitos democráticos. Aqui, a forma dominante é a ocupação de praças e outros espaços públicos por multidões de homens e mulheres de todas as ideologias, idades, profissões e desempregados. A produção imaterial promove uma rede social, mas não a cooperação política; comunicação, mas não as identidades ideológicas; e, sim, a colaboração com base na atomização e autointeresse. As praças ocupadas são o lugar onde os dissidentes colocam em prática as habilidades políticas de rede e colaboração que aprendemos para o trabalho.
Os jovens foram orientados por trinta anos que iriam ter uma boa vida pelo estudo e obtenção de graus, bem como continuar a aprender novas habilidades. Mais de 60% dos jovens europeus têm o ensino pós-secundário e exatamente as mesmas habilidades que seus governantes. Eles são agora o precariado. Cerca de mil advogados, engenheiros e médicos estão desempregados, isso os torna mais revolucionários do que mil trabalhadores desempregados. Estes são os indignados de Tahrir Square, Puerta del Sol, Syntagma e Taksim.
Os grupos de trabalho elaborados fornecem serviços essenciais nas praças ocupadas. Em Atenas, por exemplo, comida, saúde, atividades e meios culturais e educacionais foram fornecidos por profissionais, muitos deles com graus elevados, mas permanentemente desempregados.
As assembleias diárias e temáticas, bem como os grupos de trabalho se organizam sob um axioma estrito da igualdade. Quem está na praça, todos e qualquer um tem direito a uma parte igual de tempo para manifestar sua visão. As opiniões dos desempregados e de professores universitários tem tempo idêntico, são discutidas com o mesmo vigor e submetidas à votação para aceitação. Aqui, o direito de resistência se junta à igualdade, o segundo grande direito revolucionário, modificado de uma norma condicionada em um axioma incondicional: As pessoas são livres e iguais; cada um conta como um em todos os grupos relevantes. [11]
As praças ocupadas criam um contrapoder constituinte, que divide o espaço social entre “nós” e “eles”. Sua democracia direta faz paródia às instituições representativas, fornecendo de forma eficiente os serviços atualmente privatizados e também às pré-figuras de uma nova arquitetura constitucional e institucional. Permitam-me concluir, oferecendo sete teses para uma análise de resistência:
- A resistência é um direito do ser. É interno ao seu objeto. A partir do momento que o ser toma forma, ou uma assimetria de poder é estabelecida, ele encontra resistências que irreversivelmente o modificam e fissuram sua totalidade.
- Resistências são sempre situadas. Resistências são locais e múltiplas, que surgem concretamente em condições específicas, respondendo a uma situação, estado de coisas ou eventos.
- É uma mistura de reação e ação, negação e afirmação. Resistência reativa conserva e restaura o estado das coisas. Os empresta ativos, imita e subverte os braços do adversário, a fim de inventar novas regras, instituições e situações.
- É um processo ou experiência de subjetivação. Tornamo-nos novos sujeitos, o “estranho em mim surge” quando experimentamos uma cisão de identidade. Porque minha existência particular falhou, porque a identidade é dividida e não pode ser concluída. O sujeito passa da identidade da rotina diária para a universalidade da resistência. Trata-se de risco e perseverança: a resistência é a coragem da liberdade.
- É primeiro um fato, não uma obrigação. Não é a ideia ou a teoria da justiça ou o comunismo que leva à resistência, mas a sensação de injustiça, a reação corporal a dor, a fome e ao desespero. A ideia de justiça e igualdade são mantidas ou perdidas como resultado da existência e extensão da resistência e não o contrário.
- A resistência se torna política e pode ter sucesso em mudar radicalmente o equilíbrio de forças, ao se tornar coletiva e condensa, temporária ou permanentemente, uma série de causas, uma multiplicidade de embates e reivindicações locais e regionais capaz de reuni-los em um lugar comum ao mesmo tempo.
Persistência, acampamento, ficar em um lugar público e transformá-lo em ágora ou fórum podem ajudar a criar a demos em oposição às elites. Naquele (imprevisível) momento, a resistência pode se tornar a força hegemônica. Isso já aconteceu em alguns lugares nos últimos anos. A possível traição da revolução depois não muda o fato de que as pessoas nas ruas aprenderam que podem derrubar o mais forte dos governantes.
- Embora a resistência seja um fato e não uma obrigação, o tema da resistência emerge através do exercício do direito de resistir, o mais velho, de fato, e único direito natural. Direitos têm duas fontes metafísicas. Como vontade reconhecida, os direitos aceitam a ordem das coisas e ocultam a dominante particular com o manto da universal. Mas, como uma vontade que quer o que não existe, os direitos encontram sua força em si mesmo e seu efeito em um cosmos aberto que não pode ser totalmente determinado pelo poder (político ou militar financeira). A vontade de resistir forma uma universalidade criada por uma divisão diagonal do mundo social, que separa governantes dos governados e excluídos.
[1] Costas Douzinas, Philosophy and Resistance in the Crisis (Polity, 2013).
[2] Paul Mason, Why it’s Kicking off Everywhere: The New Global Revolutions(London, Verso, 2012), 65.
[3] Alain Badiou, The Rebirth of History: Times of Riots and Uprisings (London, Verso, 2012), 38.
[4] Alain Badiou, ‘Our Contemporary Impotence’, 181 Radical Philosophy, September-October 2013, 43.
[5] Alain Badiou, ‘Beyond Formalisation’, An Interview conducted by Pater Hallward and Bruno Bosteels (Paris, July, 2 2002) in Bruno Bosteels, Badiou and Politics (Durham, Duke University Press, 2011), 318-350.
[6] id., 336, 337.
[7] The rebirth of history, 97.
[8] Howard Caygill, On Resistance: A Philosophy of Defiance’ (Bloomsbury, 2013), 208.
[9] Sigmund Freud, ‘Mourning and Melancholia’, in Vol. 14, The Standard Edition of the Complete Works of Sigmund Freud, (Hogarth, 1957), 249.
[10] Walter Benjamin, “Left-Wing Melancholy,” in The Weimar Republic Sourcebook, ed. Anton Kaes, Martin Jay and Edward Dimendberg (University of California Press, 1994), 305.
[11] Costas Douzinas, ‘Philosophy and the Right to Resistance’ in Douzinas and Gearty, The Meanings of Rights (Cambridge University Press, 2014).
Autor: Costas Douzinas
Tradução: Daniel Carneiro Leão Romaguera
Revisão: Profª. Fernanda Bragato
As invasões do Iraque e do Afeganistão levantaram questões complexas sobre o uso moral e legal da força
Ao mesmo tempo, capitalismo neoliberal, globalização e cosmopolitismo ganharam destaque nos últimos 30 anos. Quando combinados levaram ao declínio gradual do edifício moderno da política nacional e internacional que foi baseado em lutas ideológicas e respeito pela soberania e integridade territorial. Isso coincidiu com o fim da descolonização e o aumento relativo da confiança do mundo em desenvolvimento, o que criou, pela primeira vez, a possibilidade de uma defesa bem sucedida de seus interesses.
Os apologistas da ordem cosmopolita emergente clamam por ser verdadeiramente democrática, fundada na igualdade judicial, proteção constitucional dos direitos individuais, governo representativo e economia de mercado. A Lei “humanitária”, a velha lei da guerra, quando combinadas com a legislação de direitos humanos criam um novo “direito da humanidade” que restringe a brutalidade do governo, tanto durante a guerra como em tempos de paz. Seus indicadores estão por toda parte. As sanções são impostas aos estados para proteger os seus cidadãos de seus governantes malignos. Direitos humanos, democracia e condições de boa governança são rotineiramente inseridos em acordos comerciais e de auxílio aos países em desenvolvimento. Por último, mas não menos importante, em guerras humanitárias nós matamos seres humanos a fim de salvar a humanidade.
O conceito de guerra justa
Ao longo da história, reis e governantes acrescentaram um verniz para campanhas assassinas. No oeste, a busca de justificação moral tomou a forma da teoria da “guerra justa”. No entanto, a falta de um árbitro para filtrar as racionalizações conflitantes das partes beligerantes fez da guerra justa um dos mais difíceis labirintos morais. Como o poeta Wyndam Lewis colocou: “mas qualquer guerra que já se travou, foi uma guerra injusta, exceto, é claro, aquela travada contra o inimigo”.
A teoria da “guerra justa” foi desenvolvida pela igreja medieval, em uma tentativa de servir Cesar sem abandonar totalmente suas promessas divinas. A guerra justa restaura a ordem moral violada. Teólogos concentraram-se, portanto, na definição de critérios para determinar a bondade de uma guerra (jus ad bellum). Nos séculos XVII e XVIII o direito internacional emergente abandonou esta pesquisa e aceitou que a declaração de guerra é uma prerrogativa da soberania e desenvolveu regras de proporcionalidade e necessidade da regulação de sua conduta (jus in bello). Esta lei de guerra assumiu uma relação mínima de respeito para o inimigo – uma necessária pré-condição para que as atrocidades sejam reduzidas. As restrições e normas aceitas pelas soberanias europeias não se aplica, no entanto, nas guerras coloniais contra os “selvagens”.
Após a segunda guerra mundial, os líderes nazistas foram acusados de crimes contra a paz e a Carta das Nações Unidas estabeleceu uma distinção entre guerras agressivas e guerras defensivas.
Esta tentativa de proibir certos tipos de guerra foi, paradoxalmente, acompanhada por um pressuposto de inviolabilidade da soberania do Estado, permitindo que as grandes potências reivindiquem a superioridade moral contra seus adversários. Ao mesmo tempo em que se protegem de críticas de seus próprios abusos. Após o colapso do comunismo, a nova ordem resolveu nesta contradição, pois somos informados que a erosão das reivindicações de soberania se estabelece para proteger as pessoas de seus próprios governos.
A proteção dos direitos humanos e da segurança das populações fornece justa causa pós-moderna para a guerra, mas esta erosão de soberania só se aplica aos Estados fracos. A esmagadora superioridade militar, econômica e tecnológica das potências hegemônicas alinha argumento moral e força bruta.
Guerras Humanitárias
O negócio dos governos tem sido sempre governar, não agir moralmente. Isso não muda quando os argumentos legais e morais substituem o dogma teológico. Convenções de direitos humanos estão cheias de conceitos abstratos e até mesmo contraditórios. A questão de saber se o que aconteceu em Ruanda foi um genocídio (sim, de acordo com as ONG’s locais, não para o Conselho de Segurança da ONU) não é solucionada pelos tratados, mas por políticos e diplomatas interpretando-os no contexto de interesses do Estado. Lei, tal como prioridade estrangeira nos argumentos econômicos e de logística militar é apenas um elemento que os governos levam em conta antes de decidir como agir. A alegação de que a lei pode dar respostas certas para os problemas políticos rígidos é uma fachada para a despolitização dos julgamentos políticos difíceis. Considerações semelhantes aplicam-se a instituições internacionais quando eles agem tal qual um comitê de governos.
Antes da guerra do Iraque, a direita e a esquerda insistiram que a resolução do Conselho de Segurança enfraqueceria acusações. Contudo, três membros do conselho – China, Rússia e Estados Unidos – de forma consistente violam direitos de seus próprios cidadãos. Nenhum liberal iria apoiar o tratamento de tibetanos ou chechenos, ou a pena de morte tão generosamente empregada na China e nos EUA. No entanto, eles aceitaram felizes esses governos como os árbitros finais da legalidade internacional.
Poucos meses antes da guerra, perguntei a um funcionário chinês de alto escalão, se a China iria exercer o seu veto. Ele respondeu que seu país não tem interesses no Iraque e por apoiar os EUA espera ser recompensado nas relações comerciais e beneficiado na resposta as suas próprias dificuldades de direitos humanos. Poucos dias depois, a China aderiu à OMC. Quando Hillary Clinton recentemente defendeu as autoridades chinesas por continuar o apoio da economia americana em seu país, sem mencionar os direitos humanos, ela não estava divergindo da política externa padrão. Assim, a moralidade e os direitos humanos são manifestados quando eles apoiam os interesses do Estado, mas, facilmente descartados quando criam restrições, sejam reais ou imaginárias.
Preocupações humanitárias populares tem tido alguma influência na política interna. Mas, Ruanda, Darfur e Gaza indicam que a ação humanitária e inação são determinadas pelos interesses estratégicos das potências hegemônicas.
Os direitos humanos foram concebidos no século XVIII e ainda continuam a ser uma defesa contra a dominação e a opressão dos indivíduos pelo poder público e privado. Mas quando eles se tornam ferramentas do universalismo ocidental ou localismo comunitário o seu objetivo é prejudicado. Os universalistas acreditam que os valores culturais e normas morais devem passar por um teste de aplicabilidade universal e consistência lógica. Eles costumam concluir que, se existe uma verdade moral e muitos erros, os seus titulares têm o dever de impor a verdade sobre os outros. Por outro lado, os comunitaristas partem da observação oposta: eles acreditam que os valores estão vinculados ao contexto, e, muitas vezes, são impostos aos que discordam da opressão da tradição ou cultura.
O individualismo dos universalistas esquece que todos nós surgimos da existência em comum com outros. Estar em comum é uma parte integral do self: o self é exposto ao outro, o outro é parte da intimidade de si mesmo. Mas, estar em uma comunidade com os outros é o oposto de estar comum ou de pertencer a uma comunidade essencial.
Acontece que, a maioria dos comunitaristas define comunidade através da comunhão de tradição, história e cultura; as várias cristalizações do passado cujo peso inescapável determina as possibilidades do presente. Em Kosovo, sérvios foram massacrados em nome da comunidade ameaçada enquanto os aliados bombardearam sua terra em nome da proteção da humanidade. Ambos os princípios, quando definem o significado de humanidade em sua totalidade, encontram tudo o que resiste a eles por ser dispensável.
A retórica humanitária marca um retorno à teoria da “guerra justa”, sem um critério universalmente aceito para substituir a doutrina religiosa. Um estado semipermanente de crise foi proclamado – a guerra contra o terror, que não deixará de existir apenas porque o nome foi abandonado. Isso foi acompanhado por poderes de emergência global (como a nossa legislação antiterrorista e de vigilância, o “American Patriot Act”, de acordo com a “Human Rights Watch”: “ditadores não precisam fazer nada mais do que fotocópia”).
Essas leis criaram uma sociedade civil cosmopolita não de liberdades, mas de medidas de segurança, de acordo com o princípio da reversibilidade do terrorismo e respostas a ele. O maior sucesso do terrorismo é transformar toda a humanidade em potenciais suspeitos.
Violência sistêmica
O melhor momento para desmistificar a ideologia é quando ela se torna aceita de forma indiscriminada, pois instalações invisíveis vêm à superfície e se tornam desnaturalizadas. A crise do capitalismo neoliberal nos permite questionar a combinação mais ampla das práticas econômicas, políticas, legais e culturais que têm dominado a história recente e oferecem a oportunidade de imaginar um mundo diferente.
O neoliberalismo cosmopolita é apresentado como a globalização com um rosto humano. A maioria dos impérios, estados e sistemas jurídicos são fundamentados por meio da violência, guerra ou revolução. O mesmo se aplica a nossa ordem mundial “humanitária”. Sua violência fundadora é realizada no Iraque e no Afeganistão, mas também na violência sistêmica de sua economia política. De acordo com o “consenso de Washington”, a pressão foi colocada nos estados para desregulamentar e abrir seu setor financeiro, privatizar serviços públicos e reduzir os gastos sociais. A liberalização do comércio e a imposição de rigorosos controles de propriedade intelectual pela Organização Mundial do Comércio aumentou o desequilíbrio, ao criar países ricos e pobres de conhecimento. A promessa de que o crescimento econômico orientado para o mercado baseado em economia-local vai levar inexoravelmente o sul a padrões econômicos ocidentais, corresponde a nobre mentira da política internacional.
As políticas neoliberais tiveram o resultado oposto: a diferença entre o norte e o sul e entre ricos e pobres nunca foi tão grande. De acordo com a Oxfam, mais de um bilhão de pessoas vivem com menos de um $1 por dia. Estima-se que 35% da mortalidade infantil em todo o mundo é atribuída a má nutrição.
A violência sistêmica da injustiça global é invisível ao humanitarismo e é tratada como o destino natural e inevitável das partes “menos civilizadas” do mundo. A intervenção humanitária não vai enfrentar os regimes econômicos e jurídicos que condenam milhões de pessoas à morte por doenças tratáveis, falta de alimentos ou necessidades básicas do viver. A capacidade do oeste para transformar as liberdades civis e políticas em direitos econômicos e sociais foi baseada em enormes transferências de valor das colônias.
Dignidade e igualdade humanitária prometem militar para fluxos reversos da metrópole para as antigas colônias, mas isso não é politicamente viável ou ideologicamente aceitável. Gordon Brown denunciou o consenso de Washington, a ênfase do G20 em salvar os bancos ao invés das pessoas indica as prioridades dominantes.
Apesar das diferenças de conteúdo, o colonialismo e o cosmopolitismo agressivo formam um continuum – são episódios do mesmo drama – que começou com as grandes descobertas do novo mundo, mas que agora são realizadas nas ruas do Iraque: levar a civilização aos bárbaros. Sua alegação de estar espalhando razão e o cristianismo deu aos impérios ocidentais o senso de superioridade e ímpeto de universalização. O impulso ainda está lá; as ideias foram redefinidas, mas a crença na universalidade da nossa visão de mundo continua tão forte como a dos colonizadores. O neoliberalismo, a boa governança e a democracia de baixa intensidade para exportação são as expressões atuais do pacote cultural do ocidente. Assim como os anteriores redentor e agressio prometendo o melhor muitas vezes entregaram o pior.
Tradução do texto de autoria do Professor Costas Douzinas publicado na página “The Guardian” no dia 21 de abril de 2009. Link de acesso: http://www.theguardian.com/commentisfree/libertycentral/2009/apr/21/universalism-humanitarianism