WiiliamStoegerQual é o espaço que poder ser ocupado por Deus nesse universo investigado pela cosmologia? Que tipo de Deus é possível a partir das descobertas dessa ciência? As perguntas foram lançadas pelo cientista jesuíta William Stoeger na manhã desta terça-feira, 15 de setembro, em sua conferência Deus, algo a ver ainda hoje? Reflexões teológicas de um cosmólogo, dentro das atividades do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica. Possibilidades e impossibilidades.

Ciência que investiga o desenvolvimento do universo desde o Big Bang até os nossos dias, a cosmologia serviu como pilar para as reflexões propostas por Stoeger a uma plateia de mais de 200 pessoas.

Inegavelmente, disse ele, há um “custo terrível da evolução”, que implica dor, morte, sofrimento, desastres naturais, pandemias, guerras. Onde está Deus quando tudo isso ocorre?, porque permite esse sofrimento?, perguntou. “Deus está nos aspectos positivos de toda a criação do universo”, frisou, em seguida.

Stoeger explicou que a nucleosíntese estelar possibilitou o surgimento e evolução da vida. Além disso, à medida que o universo se expande, ele resfria e novas coisas se tornam possíveis de surgir. “Surge a complexificação”. Durante os primeiros 500 milhões de anos, havia apenas três elementos químicos no universo: o hélio, o hidrogênio e o lítio. Só mais tarde, com o advento das estrelas, é que os outros elementos foram fabricados. “Se não fossem as estrelas, não haveria vida”.

Sobre a existência de Deus, Stoeger retomou uma ideia discutida em sua conferência Da evolução cósmica à evolução biológica. Emergência, relacionalidade e finalidade, parte do IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin, em 11 de setembro. Segundo o cosmólogo norte-americano, não há um Deus “microgestor”. Essa é uma concepção equivocada do que Deus é. “Não há espaço para um Deus que compensa as deficiências dos processos naturais, nem espaço para um Deus que orquestre os processos de fora. Filosoficamente, Deus é muito maior do que tudo isso”, insistiu.


Limitações das ciências

Stoeger foi categórico ao dizer que há profundas limitações naquilo que a física e a cosmologia podem dizer sobre a causa última da realidade. O vácuo, em si, é um conceito físico muito rico, repleto de potencialidade, e evolui conforme leis claras da física. Se o universo iniciou com o vácuo, de onde vem, então, a regularidade, as leis pré-Big-Bang?

A cosmologia e a física não podem refletir a base de valores e sentidos que se derivam da realidade que nos cerca. A ciência natural tem limitações claras e definidas, que não podem ser lidas como fonte última do surgimento da ordem e sentidos.


Criatio ex-nihilo

Outro aspecto analisado na conferência de Stoeger foi o conceito de criatio ex-nihilo, ou seja, a criação a partir do nada. “Essa é uma metáfora”, assegurou o cientista. Não se trata de um nada absoluto, mas da criação a partir de uma especificidade. Essa criação ex-nihilo passa longe daquele conceito de criação divina popular, que entende Deus como microgerente ou controlador. “O mistério é inesgotável, rico e profundo. Sempre haverá mais para ser entendido”, disse. Além disso, a criação ex-nihilo dá base para que as ciências expliquem a criação como um processo que não invalida os fenômenos físicos e químicos.

Stoeger mencionou, também, que as ciências nos convidam a expandir nosso conceito de Deus. Basicamente, esse Deus criador não é o mesmo Deus acessível cientificamente. Deus está fora do nosso horizonte de compreensão. “Não temos e não podemos ter um conceito adequado de Deus. O que podemos ter são ideias menos inadequadas sobre Ele. E é isso que estamos tentando fazer agora”, assegurou.

Quando Deus causa e age, Ele o faz de forma muito diferente daquela que compreendemos em nossa existência corpórea. Trata-se de outra metáfora. Stoeger assinalou que tudo que existe o é de acordo com as propriedades oferecidas pelo criador. Portanto, precisamos compreender a criação ex-nihilo como uma criação contínua, incessante. Outros temas discutidos foram se há um início temporal da criação e qual é o início ontológico desta.


Criador como atividade pura

Muitos filósofos já se referiram ao criador como sinônimo de atividade pura. E dessa atividade pura todos os seres participam. É um Deus que age dentro da criação, que não cessa de se reafirmar. Ele dota a natureza para ser o que ela é, e não age como um microgestor ou um controlador dos seres que criou. “Trata-se de um Deus imanente na criação e em seus dinamismos”. Stoeger disse, ainda, que a transcendência possibilita a imanência, e não a contradiz, nem limita. “O mistério é radical e não é objetificável. Por isso, tanto o conceito de criação ex-nihilo como o conceito de criação não podem ter a ambição de ser totalmente adequados”. E complementou: “Nós, seres humanos, somos um mistério para nós mesmos”.

Stoeger é cientista do Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano (VORG) e especialista em Cosmologia Teórica, Astrofísica de altas energias e estudos interdisciplinares relacionados com a ciência, a filosofia e a teologia. É doutor em Astrofísica pela Universidade de Cambridge desde 1979. Entre 1976 e 1979, foi pesquisador associado ao grupo de física gravitacional teórica da Universidade de Maryland, em College Park, Maryland. É membro da Sociedade Americana de Física, de Astronomia e da Sociedade Internacional de Relatividade Geral e Gravitação. Atualmente, leciona na Universidade do Arizona e na Universidade de São Francisco. É também membro do Conselho do Centro de Teologia e Ciências Naturais (CTNS). Entre outros, publicou As Leis da Natureza – Conhecimento humano e ação divina (São Paulo: Paulinas, 2002).

Na edição 309 da IHU On-Line, você confere mais uma entrevista exclusiva com Stoeger, desta vez realizada pessoalmente. Na conversa, ele dá maiores detalhes sobre sua trajetória acadêmica, pesquisas atuais em astrofísica e cosmologia, e também fala um pouco sobre suas origens, vocação para a ciência e sacerdócio.

Por Márcia Junges

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