Baseado em uma pesquisa de caráter teológico antropológico, Luiz Carlos Susin ministrou na tarde de ontem o minicurso “A semântica do sacrifício na obra da salvação” no XIII Simpósio Internacional IHU – Igreja, cultura e sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica.
Antes de tratar precisamente sobre o sacrifício, Susin contextualizou o assunto a partir de diversos autores importantes, como Joseph Campbell, estudioso de mitologia e religião comparativa, que aponta o nascimento da religião com o humano na era neolítica. Os coletores e caçadores, que não produziam, estavam totalmente imersos no ambiente. Depois, com a sedentarização e a agricultura, surge a separação do sacro e do profano. Esse distanciamento, explica o teólogo, leva, posteriormente, à busca da religação, “dando início ao fascínio e ao tremor diante do sagrado”. Segundo Susin, assim começa a complicação da dualidade entre o humano e o divino.
Walter Burkert, outro autor citado por Susin, aponta os traços da biologia na religião arcaica. Ele diz que assim como é importante se nutrir, é importante que as fontes sejam sacras: vegetais, animais, agrícolas. “Assim, estabelece-se uma ligação entre a saúde e o sacro,surgindo as tradições dos sacrifícios de animais para curar e prevenir”, esclarece.
Outro aspecto importante para o entendimento do sacrifício vem do conceito de Émile Durkheim e Marcel Mauss. Eles dizem que a totalidade de uma sociedade é sempre de caráter sacro, que na cultura contemporânea pode ser exemplificada com o indivíduo, que é considerado sagrado.
O sociólogo Max Weber, também mencionado pelo teólogo, acrescenta ao tópico, o espírito do capitalismo. Ele considera a religião como uma “função social, de conservação e manutenção. Não consegue pensar na ética sem que haja uma religião. Poupança e prosperidade como bênção, sinal de salvação”.
Outro nome importante para a discussão é o de Sigmund Freud, que disse que “a neurose é uma religião particular, e a religião é uma neurose coletiva” e comparou os crentes com histéricos, quando estes falavam com imagens de santos em estátuas de gesso. Outro ponto abordado por Freud é que “a obsessão cria rituais e os rituais são a nossa maneira de lidar com a nossa obsessão”.
“A questão que mais desafia a partir da psicanálise é a projeção do desamparo do narcisismo que luta por manter imortalidade e onipotência”, comenta Susin.
O sacrifício
Enfim, “o sacrifício é um dispositivo religioso e arcaico que está presente, metamorfoseado, ainda hoje na sociedade”, pontua o professor.
A vítima expiatória vem como uma resolução de uma violência de grupo. Essa violência, conta Susin, ocorre quando os dispositivos não funcionam mais. “No tempo do nacionalismo, por exemplo, tínhamos heróis que deram a vida pela pátria, como o Tiradentes. Hoje, no entanto, será que tem alguém disposto a morrer pela nação?”, questionou o professor. Com a resposta negativa, Susin declara que isso nos leva à “crise da sacralização das nações”.
“Quando o desejo mimético envolve grupos inteiros, a resolução é a catarse da purificação: a expiação através de uma vítima”, explica. E nessa vítima se encontra o profano e o sagrado.
“Quando a vítima se sacrifica, ela cura a doença; ocorre a morte e a revitalização do grupo: a vida e a morte se encontram, ou seja, tem o transcendente”, declara.
A Bíblia tem um “fio dourado” que percorre todos os livros, que traz o ponto de vista das vítimas e dos mais vulneráveis; não dos sacrificadores. O exemplo máximo do sacrifício veio de Jesus, que segundo Susin, “foi o que Caim deveria ter sido”. “O pecado que atinge Deus não é o que desobedece o Senhor, mas o que esmaga o irmão vulnerável”.
Por Natália Scholz