Uma narrativa de Deus a partir da cosmologia contemporânea foi o tema do Prof. Dr. François Euvé, das Faculdades Jesuítas de Paris, Centre Sèvres, dando continuidade à programação do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica. Possibilidades e impossibilidades. De certa forma, disse o teólogo, sua conferência foi uma “resposta” à discussão de William Stoeger, que falou sobre Deus, algo a ver ainda hoje? Reflexões teológicas de um cosmólogo, imediatamente antes, na manhã desta terça-feira, 15 de setembro. Euvé esclareceu, já no início de sua fala, que equivaleria cosmologia a ciências da natureza em seu sentido amplo.
A humanidade aspira a uma “nova relação” com a natureza, disse. “Seu destino está ligado ao da natureza, com a qual a espécie humana é solidária, tanto no sentido da criação, quanto de acordo com a representação científica, biológica ou ecológica”.
Com base em Bertrand Saint-Sernin, o teólogo jesuíta afirmou que a função da cosmologia era ensinar aos homens que sua origem é um mesmo universo. “Deste ponto de vista, ciências naturais e teologia cristã unem-se e encontram-se na preocupação de um mundo comum a todos”.
“Da mesma forma que a preocupação do teólogo com a questão do homem o orienta para um interesse pelo cosmos no sentido amplo, o estudo da natureza pelo cientista abriga muitas vezes uma indagação sobre o humano”, pontuou Euvé. Relembrando o final da conferência de Carl Friedrich von Weizsäcker (Die Geschichte der Natur), o conferencista mencionou que “investigando a natureza, estamos investigando a nós mesmos”. Na mesma linha vai o diagnóstico do teólogo jesuíta Karl Rahner: “Direta ou indiretamente, todas as ciências naturais envolvem uma antropologia; todas elas dizem alguma coisa sobre o homem”.
Euvé prosseguiu em seu raciocínio: “Em um segundo nível, a busca antropológica tem repercussões teológicas. Em outras palavras, por intermédio de uma reflexão sobre o homem, a reflexão cosmológica desemboca, em certos casos, em uma reflexão espiritual, religiosa, ou mesmo às vezes autenticamente teológica. Contrariando um clichê ainda em voga, a questão de Deus não está ausente no mundo cientifico. Resta a pergunta de que ‘Deus’ se trata”.
Na primeira parte de sua conferência, Euvé abordou o modelo da ciência clássica, associada a uma teologia natural cujo “Senhor do mundo” de Newton é figura central. É o mesmo caso da Natural Theology, de William Paley, que ecoa até nossos dias entre os defensores da teoria do design inteligente.
Em sua conclusão, Euvé ressaltou que “a teologia cristã não tem de se basear numa cosmologia, qualquer que esta seja, mesmo que uma cosmologia evolutiva pareça melhor acolher a expressão da história bíblica da salvação”. Em sua opinião, “cabe-lhe respeitar a irredutível pluralidade dos níveis de discurso, contra as tendências totalizantes, presentes em todas as ciências, inclusive na teologia. Não fazê-lo seria cair na ‘concupiscência gnoseológica’ denunciada por Rahner”.
Por Márcia Junges