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À luz da obra do filósofo francês René Girard, falecido em 4 de novembro do ano passado, uma edição especial encerrou o ano de 2015 da Revista IHU On-Line. A edição Nº. 479 abordou os conceitos centrais que permearam a reflexão filosófica de Girard, como violência, bode expiatório, sacrifício e sagrado.
Segundo o teólogo francês Dominique Janthial, na entrevista “O desejo mimético, o bode expiatório e o espírito competidor: traços da antropologia humana“, “foi a leitura da Bíblia” que “revelou” a Girard o mecanismo do bode expiatório. Ele explica que o “bode expiatório é tachado de ter causado todos os males da cidade, de modo que apenas sua execução pode salvar essa cidade. No entanto, como a execução restabelece a ordem e põe fim à guerra de todos contra todos canalizando a violência sobre um só, atribui-se ao bode expiatório um poder benéfico que o torna uma espécie de ‘deus’, senhor do bem e do mal!”.
Outros especialistas entrevistados na edição 479, como Xabier Etxeberria Mauleon, propõem uma releitura da obra de Girard para compreender a lógica sacrificial no mundo contemporâneo. Renovando o conceito de René Girard, na entrevista “A prática do sacrifício, hoje, é a prática da barbárie”, Mauleon pontua que “de todo modo [a prática do sacrifício] segue sendo uma realidade. De forma explícita, quando se mata em nome de Deus, para agradar-lhe e obter seu favor e a salvação. Num contexto de secularização, situamo-nos nessa mesma dinâmica perversa quando matamos em nome da pátria ou de outro referente humano sacralizado”. Para o filósofo espanhol, a lógica do sacrifício ainda permanece nos dias de hoje, e é acentuada nos campos da política e da economia.

Foto: Cristina Guerini / IHU
Roberto Solarte, filósofo e professor na Pontifícia Universidade Javeriana de Bogotá, na entrevista “O mundo sem Deus não deixou de ser religioso”, também reconhece que “nos mundos políticos e econômicos são feitas chamadas frequentes ao sacrifício por diversos motivos. Dentro da política, (…) sem algum sacrifício, será impossível a conquista do fim político. (…). Algo semelhante ocorre com a economia de livre mercado, que sob o estandarte da liberdade da empresa submete a maioria do planeta aos caprichos de algumas elites que acumulam desmedidamente tudo o que não necessitam e não poderão nunca consumir.”
Um convite à reflexão em tempo de Páscoa

Créditos: www.iglesiavitacura.org
Nesta Semana Santa, momento em que os cristãos celebram a morte e a ressurreição de Cristo, a IHU On-Line traz entrevistas que podem inspirar esse “novo tempo”. A entrevista “O Sermão da Montanha: um convite à gratuidade e à confiança”, com Elian Cuvillier, doutor em teologia, é um chamado para a “boa nova de Jesus”. Viver sob a luz da Boa Nova de Cristo, explica o teólogo, significa viver na “confiança em um Deus que vem ao meu encontro e que, em troca desta confiança, não me pede mais nada”. Cuvillier esclarece ainda que o Sermão de Jesus “não é uma moral (tu deves fazer isto ou aquilo para obter isto ou aquilo — lógica da troca e da retribuição), mas a proclamação de uma Palavra que vem abrir para uma nova compreensão de Deus, de nós mesmos e dos outros”. Na entrevista, o teólogo pontua que o “Sermão da Montanha – SM antecipa o que se realizará plenamente na Paixão de Jesus. (…) A morte na cruz é o lugar em que Jesus realiza, ao extremo de sua lógica, a palavra inédita do SM”.
Ainda nesta edição, teólogos e especialistas em literatura comentam como a relação do homem com Deus tem sido um tema frutífero na literatura universal. Na entrevista “A presença de Deus nas obras de Dostoiévski”, Elena Vássina, professora de letras na USP, afirma que “todas as obras de Dostoiévski evidenciam a relação divina com a humana”. Já Karl-Josef Kuschel, teólogo e escritor, na entrevista “Teologia e literatura na superação do absurdo”, frisa que “com os poetas podemos aprender que a pessoa e a causa de Jesus nunca se esgotam”.
Confira todas as entrevistas, e o artigo, que se aprofundam na teoria e atualizam René Girard:
- O mundo sem Deus não deixou de ser religioso. Entrevista com Roberto Solarte
- A prática do sacrifício, hoje, é a prática da barbárie. Entrevista com Xabier Etxeberria Mauleon
- O desejo mimético, o bode expiatório e o espírito competidor: traços da antropologia humana. Entrevista com Dominique Janthial
- O Sacrifício de Cristo travestido. Entrevista com Stéphane Vinolo
- Se Deus está morto, tudo é permitido? Girard não aceita o veredito de Nietzsche. Entrevista com Michael Kirwan
- Mimetismo, vingança e ressentimento: a novidade da compreensão girardiana sobre o desejo. Entrevista com João Cezar de Castro Rocha
- Teoria mimética e a elucidação da realidade. Entrevista com William Johnsen
- O modelo ético de René Girard entre desejo mimético e alteridade. Artigo de Davide Rostan
Veja a edição completa da IHU On-Line nas versões HTML e PDF.
Acesse aqui para saber um pouco mais sobre René Girard
Por Cristina Guerini e Patricia Fachin
Veja mais sobre René Girard:
- O bode expiatório. O desejo e a violência. Revista IHU On-Line, Nº. 393
- René Girard e o desejo mimético: as raízes da violência humana. Revista IHU On-Line, Nº. 382
- Deus: uma invenção? Revista IHU On-Line, Nº. 380
- Desejo mimético e violência: a superação através do cristianismo. Revista IHU On-Line, Nº. 345
- Do bode expiatório ao cordeiro de Deus. Artigo de René Girard
- O bode expiatório, entre Édipo e Cristo. Artigo de René Girard
- René Girard, leitor de Isaías. Entrevista especial com Dominique Janthial
- Adeus a René Girard, os último dos humanistas. Artigo de Roberto Esposito
- René Girard, uma leitura não sacrificial do texto bíblico?
- René Girard, o homem que nos ajudou a pensar a violência e o sagrado
- Girard “valorizou novamente a religião cristã na filosofia”
- O pensador da imitação
- O ciclo do desejo e da violência. Entrevista com René Girard
- “Assim renasci cristão”. Entrevista com René Girard
- A paixío de Jesus e a distância de Alá. Um artigo de René Girard