Caros leitores e leitoras

Uma das engtrevistas mais interessantes que fiz foi esta com Arlene Clemesha. Aqui, além de trazer informações sobre o conflito entre Israel e Palestina, para que vocês pudessem analisar, refletir e criticar, aprendi muito sobre o conflito, sobre a nossa história, de certa forma.

No sítio do IHU vocês terão acesso à entrevista em formato de texto e, portanto, editada. Aqui, neste áudio que disponibilizamos no You Tube, vocês poderão ouvir a entrevista completa. Espero que gostem dessa nossa nova maneira de apresentar algumas das entrevistas que produzimos.

Clique aqui para ouvir a entrevista.

          Por André Dick         

          Nascido em Florianópolis (SC), em 1984, Victor da Rosa é um dos poetas que vêm surgindo nos últimos anos com um olhar voltado à ligação entre literatura, música, cinema e artes plásticas em geral. Mestrando em Literatura, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), escreve ensaios sobre literatura e artes visuais desde 2004, publicando com regularidade no Caderno de Cultura do Diário Catarinense e nos periódicos digitais de cultura e arte Centopéia (www.centopeia.net) e Zunái (www.revistazunai.com.br).
          Em 2007, foi curador de três eventos de arte contemporânea: Fim de partida (individual de Cláudio Trindade), no Espaço ARCO, Florianópolis; Réquiem (happening com cinco artistas), no Espaço ARCO; e Desvio para o vento, exposição coletiva com sete artistas, na Fundação Hassis, Florianópolis. É um dos organizadores do Bloomsday de Florianópolis e da Galeria do referido site Centopéia, que realiza pequenas exposições em espaço virtual, mantendo ainda um blog (www.victordarosa.blogspot.com). Ou seja, Victor da Rosa é um poeta que se preocupa tanto com a realização de seu trabalho verbal quanto com sua influência no espaço visual, assim como artistas que admira, a exemplo de Joan Brossa e John Cage.    

          Piano e flauta 

          Em seu livro de estreia, com as doze narrativas de piano e flauta – fragmentos de um romance (São Paulo: Lumme Editor, 2007), Victor revela uma prosa entrecortada por insights poéticos e uma sensibilidade no que se refere sobretudo à organização de imagens, costurando, inclusive, diálogos, como no primeiro fragmento: “era de um sorriso pouco e o cabelo no rosto – o laço não segurava por inteiro. vestia lilás com branco, num vestido longo e gestos quase naturais. tinha o olhar repleto de palavras, parecia de atriz – incompleto feito carícia, e nuança – na luz fraca da noite: convite, talvez? meio em silêncio, fui franco e desajeitado: você dança esse jazz, por acaso? e esse poema, você dança? […] qual é mesmo o seu nome?”. Victor da Rosa, a começar pelo título, estabelece uma ligação com a música, como no segundo fragmento de seu livro, em que faz uma interessante analogia: “composto por dois acordes menores (som de flauta em solo de meia-noite) seu corpo dormia suspenso naquele quarto de hotel”. No quarto fragmento, diz: “[…] ela desprendeu os cabelos, seduziu o vento num balanço e logo veio soprando canção”. Já no oitavo fragmento, lemos: “o lamento do piano cada vez mais distante, caindo o domingo frio, ela caminhava lento aquela rua estreita”.
          De modo geral, seu livro piano e flauta traz constantes referências a barulhos, silêncios – sobretudo de objetos (“o ruído da chave dando voltas, o ímpeto da ducha quente estalando o chão”) –, à chuva, a um encontro que logo se transforma em perda – situado sobretudo num quarto, que remete a varandas, quartos, praias, ambientes claros ou noturnos. Essa perda se refere sempre à imagem de uma mulher, e o encontro, cercado pela música, parece sempre remeter, paradoxalmente, a um silêncio, tanto aquele que o poeta inscreve em sua criação quanto o da natureza, que é apenas aparentemente estática. Isso porque se percebe que Victor empresta vida a elementos que não são humanos: “o vento acertou um tapa no rosto da janela, folha de madeira batendo na vidraça: a casa de olhos fechados”; “nuvens carregavam lágrimas por dentro”; “gotas deitavam sobre a mesa”; “disco velho chorando na vitrola”, “um vento distraído suspendeu a sujeira das folhas secas no quintal”, “palavras voaram aquele impulso frágil”. Ou seja, se o encontro com a figura humana não é possível, as imagens de objetos ao redor adquirem certa vida. Isso quando a figura humana não ganha vida através do objeto: “naquele espelho dobrado – quadro sem mundo – ela mergulhou fundo, rasgando a superfície fingida e sumindo (em página transparente, palavras perdidas no tempo)”. Ao mesmo tempo, nas narrativas poéticas de Victor, as estações variam (em certos momentos, há um “céu de outono”, em outro, é “fim de tarde no verão”, e ainda se lembra que “nuvens pálidas manchavam o inverno”).
 

          Cinema e poesia

          O trabalho de Victor da Rosa continua poético quando faz reflexões sobre o cinema, como em “Um único anjo: anotações para o cinema de Wim Wenders”, do qual separamos o primeiro fragmento, que fala de Paris, Texas:

          Há uma cena em Paris, Texas, de Wim Wenders – talvez a cena de maior intensidade de todo o filme: o ponto onde a narrativa sofre sua maior inflexão – em que o personagem principal, o antológico Travis, perdido durante muito tempo, se reencontra com a mulher que o abandonou, Jane. Separados pelo espelho escuro de uma cabine de peep show, local de trabalho de Jane, somente Travis pode vê-la – e sendo assim, o privilégio do olhar lhe garante nesta cena uma posição de poder. Jane é um objeto que não olha. O espelho os separa e marca certamente a impossibilidade de qualquer reencontro – o reflexo de seus rostos que se cruzam um sobre o outro, em tensão, sugerem a memória de que já foram uma pessoa só. Jane, ao centro, se oferece e se fragiliza, exposta a um olhar que ainda não conhece. Travis, vazio, permanece em silêncio. Depois, ao começar a descrever a história de duas pessoas que se amavam, abaixa os olhos e vira de costas para o vidro, como se negar o privilégio do olhar fosse também suspender a si – fosse esquecer toda a memória que se torna insuportável e precisa ser enfrentada, afinal: a própria imagem no espelho. Aniquilar a sua história, finalmente, salvar-se dela.  Quanto pode dizer o ato de fechar os olhos?         

          Nessas reflexões sobre o filme de Wenders, Victor mostra o impacto que tem a ideia do ensaio sobre seu processo de criação, o que se percebe em “O sono escrito”, em que faz referências a João Cabral e inicia assim, poeticamente:

          Há um momento do sono – quando já estamos com os olhos fechados, em silêncio, mas ainda no limiar de um estado lúcido – há um exato momento em que a imagem de repente deriva. Então só há tempo para pensar – o último enunciado, talvez: agora enfim adormeço. Neste momento perdemos o controle de nossa memória: as imagens passam como se diante dos nossos olhos, em torno – dentro – e nada podemos fazer contra isso: nenhuma narrativa se retém ou se organiza. É um momento em que tudo se torna suspenso, vago e imprevisível. É assim o começo de uma escrita.

          Miniaturas poéticas         

          Abaixo, ainda, é publicada, de forma completa, a série de poemas que Victor enviou à IHU On-Line, intitulada “Miniaturas” (na revista saíram seis dos doze fragmentos). Nela, é feita novamente menção novamente a músicos (Conlon Nancarrow, Toru Takemitsu), investindo numa metalinguagem que remete também a uma filosofia oriental – carregada pela influência de John Cage – e ao trabalho do espanhol Joan Brossa, que conduz tudo a uma reinterpretação do barroco, associado também à música, com uma referência inusitada ao jogador Riquelme, da Argentina. Percebe-se, aqui, uma analogia entre o movimento do corpo e a sonoridade – uma das marcas do trabalho instigante de Victor da Rosa.

          1,

          para sérgio medeiros

          sintaxe serpente interminável,
          que pende mole
          ou molhada
          de uma árvore muito alta: tronco de água
          e o córrego que escorre da calha
          não escolhe
          cai espessa
          se espalha
          e nada.

          2,

          I –
          matéria mole
          esculpir a água

          II –
          máscara líquida
          o mar é máquina
          de retratos

          3, escrituras.

          I –
          linhas de luz
          escritos no ar

          II –
          palavras de arame
          o peso de um poema
          pendurado
          no papel

          III –
          a última carta
          esta página úmida
          seu nome
          em branco

          4,

          na tecla da pianola martela a corda de uma toccata
          o corpo inumano toca maquínico
          cada som seco: mecânica música
          mínimos acordes: caótica dicção.

          nunca um temporal inteiro queda na telha
          da casa escura de conlon nancarrow.

          5, al carrer de wagner.

          equilibra o poema na ponta mas –
          aparece na outra:

          o ponteiro do relógio de joan brossa
          não acerta.

          (corte)

          o dado desliza pelo chão e
          redondo ou cúbico não
          equilibra.

          (corte)

          sem música
          o desenho da partitura
          a seta se atravessa precisa no aço do espelho – e aparece na outra:

          6, s/título.

          tudo se movimenta mudo
          sabe-se pouco da velocidade do ar
          que nos escapa –

          palavras em uma página opaca
          morta sobre a mesa: faca
          enterrada no branco

          a mesma ameaça – frágil
          são os olhos ainda frios.

          7, distância.

          aço de fino corte
          o som repartido em golpes
          as mãos de toru takemitsu.

          8,

          para cláudio trindade

          um copo cheio de água fria
          transborda, diáfano
          com palavras de vidro quebrado.

          é fio de luz: recortada faca,
          agudo golpe
          na manhã branca.

          9, imaquinária.

          I –
          a máquina por dentro é barroca
          ou retórica:
          máquina oca | máquina morta.

          II –
          a retórica é o eco
          da máquina oca:
          máquina dentro | automática morte.

          III –
          ruído arranhando o silêncio
          resto de som
          ritmo arrastado de um risco
          eco morto
          oco:
          máquina.

          10,

          riquelme impõe com seu ritmo destro
          o jogo morto ou túmulo – lento
          e com um golpe preciso e certo
          o seu silêncio decreta o outro.
 
          contraste definido pelo vento:
          dois passos de monótono domínio
          futebol sem sobra: lâmina, pouco
          só permanece o olho em movimento.
 
          se sua presença predomina o mínimo
          ainda mantém o drama do barroco.

          11,

          quando me perco em uma cidade estrangeira
          e olho para o mapa que é também uma cidade
          inteira no bolso da calça
          é como se a imagem do instante em que me perco
          ficasse presa para sempre no papel.

          12,

          para virna teixeira

          luz fraca na boca
          e branco, tudo
          muito branco: os objetos,
          a cortina, o céu, as mãos brancas
          esticavam a saliva
          — nunca estive tão perto, espere
         agulha mole na pele mas — nenhuma dor
         a pele morre aguda após
         a primeira pergunta: nós dois
         vamos para o céu quando acabar tudo isso?

         As miniaturas poéticas de Victor da Rosa revelam múltiplas referências, uma das características da poesia brasileira contemporânea, o que as torna tão importantes. Seu trabalho, ao mesclar as mais diversas artes, dialoga com o mundo contemporâneo de forma decisiva. Além disso, mostra um sujeito poético que se movimenta na criação de um objeto poético, não ficando imóvel dentro dos parâmetros literários. A sua metalinguagem não se constitui num afastamento da realidade, mas numa compreensão mais complexa dela. Ao destacar objetos de construção (para as artes plásticas e para o próprio poema), acaba se inserindo numa tradição de poetas que pensam sobre os elementos que a constituem.

                                                                                             

          Por André Dick 

          Gentil como sempre, o poeta Armando Freitas Filho envia ao Invenção em blog dois poemas. O primeiro, logo abaixo, é uma versão revista de um dos poemas comentados no texto sobre o poeta em 12 de janeiro.

O OBSERVADOR DO OBSERVADOR, NO ESCRITÓRIO

Drummond é o sujeito: se abisma
ímpar, sabendo que viajar, despedaça.
O que fica para trás, o que não se arrumou
na frente, sensível ao que a primeira mão
perde, e a segunda, segura, tenta.
Auto-estrada pedregosa, de ultrapassagem
ou desastre, de dura travessia, que ferve
do lado do mar, meigo e mordaz.

          O segundo é um poema inédito do seu próximo livro intitulado, Lar, a ser publicado este ano pela Companhia das Letras.

NAS BODAS DE PRATA DE LEI DA SUA MORTE

      pensando na Ana

A intimidade da sua morte pública
espetacular, com a cortina aberta
marcou minha vida funcionária.
Nunca pensei que me acontecesse
alguma coisa assim – selvagem –
tão próxima, ou que fosse possível
a alguém, contida, mas em guarda
desatar-se no espelho, de uma vez
e partisse para o ataque a si mesmo
através de dias de decididos suicídios:
primeiro, em narcótico mar, depois
corte! para o abismo da queda livre
traduzindo, à sua maneira, o tumulto
do tempo no qual viveu, de modo
perfeito, fidedigno, sensacional.

          A Armando Freitas Filho, o maior agradecimento possível. E aos leitores um livro de poemas já indispensável para 2009.

Com o título acima, a Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação – ALC -, 14-01-2009, publica uma ampla síntese da entrevista com ociólogo Phil Zuckerman, professor do Pitzer College, em Claremont, no sul da Califórnia. A entrevista foi realizada pela IHU On-Line e publicada pelas Notícias do Dia, do sítio do IHU, no dia 23-12-2008.

Para conferir a íntegra da entrevista clique aqui.

Igualmente a página eletrônica do PT, entre muitas outras, reproduziu na íntegra a última análise de conjuntura do ano de 2008. A análise é feita pelo Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, de Curitiba, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, a partir das Notícias do Dia, publicadas nesta página.

Para acessá-la clique aqui.

A partir do final do ano passado, o sítio do IHU incorporou, na primeira página, os links dos parceiros Agência Carta Maior, Agência de Notícias Chasque e Amaivos.

          Por André Dick         

          Talvez a definição mais surpreendente que o poeta Augusto de Campos, nascido em 1931, na cidade de São Paulo, tenha dado sobre si mesmo encontra-se num texto emocionado que escreveu em homenagem a seu irmão Haroldo, logo após o falecimento deste. Enquanto Haroldo era “ridente, exuberante, expansivo”, Augusto se considera “parco, melancólico, à beira do silêncio”. Tais características se referem ao sujeito empírico ou textual? Por ser um texto autobiográfico, pode-se dizer que o empirismo é evidente. Isso não descarta que tal definição não sirva também para caracterizar o trabalho textual do poeta. O compositor  Caetano Veloso – que gravou o poema “O pulsar”, de Augusto, publicado abaixo – escreve, em seu livro de memórias Verdade tropical, que Augusto não se interessa pela retórica, pelo discurso. Ele seria um “sujeito metódico”, sem egocentrismo, ou algum traço de brilhantismo que o autor de Araçá azul assinalou ter percebido, por exemplo, em Glauber Rocha e em Ferreira Gullar.

                  

          Augusto, na verdade, possui uma apreciação pelo silêncio, elemento que busca em figuras que analisa, como Mallarmé, João Gilberto e Webern. No campo literário, porém, nem Mallarmé nem Augusto apresentam um silêncio místico, até porque eles não se colocaram no papel de habitantes da torre de marfim. O silêncio de Augusto é, sobretudo, verbal. Augusto transforma o ser humano num objeto a ser extinto pelo silêncio: “um / som / que / não / soa / / no / ar / que / não / é / / qua / se / se / pes / soa”. No poema “viventes e vampiros”, entrecorta o poema com uma partitura, ironicamente: “viventes e vampiros / a sugar / até o último suspiro / / a vida vírus / a sangrar / poetas e papiros”. Em “afazer, ao escrever os versos “excesso / de exser poesia / afazer de afasia”, retorna à extinção (mitológica) do elocutor. O “excesso de exser” (contrapondo o “excesso de exser” ao de “deixar de ser” ou “de ter sido”) produz a poesia, que nada mais é, para Augusto, que um “afazer de afasia”, isto é, de silêncio, de recolhimento. Por sua vez, “dizer” assinala o desaparecimento de si mesmo dentro da linguagem: “desa / pare / cer / / criar / sem / crer / / quantomais /  poetamenos  / dizer”, voltando ao recolhimento silencioso de “afazer”. Escreve, igualmente, no polêmico “pós-tudo” o verso “extudo mudo”, além de remeter a “absurdos mundos mudos” em “anticéu”. Em algumas intraduções, essa busca pelo silêncio permanece, como em “o som (mandelstam)” (“o / som / seco / e / surdo / desta / / fruta cain / do / / no mur / múr / io / sem / fim / do / / oco / silêncio / da flor / esta”); “transcorvo de poe” (“mas / o corvo / sem um som / surdo e só”); e “pó de tudo (scelsi)” (“ao / nível / do / silêncio / o / pó / de / tu / do”).
          Todos esses poemas retratam uma posição pessoal de Augusto, mesmo que não haja um pretenso “eu lírico” (o eu, como se disse, não some na poesia de Augusto, apenas se materializa numa linguagem indireta, neutra): há o silêncio pessoal, já presente desde seus primeiros poemas, de O rei menos o reino, ou no poema concreto  “tensão” , abaixo:

             

          Outros poemas de Despoesia seguiriam a mesma linha já adotada nesses poemas iniciais – como na série Poetamenos (1953), em que o poema relembra o início de seu romance com Lygia. Em “canção noturna da baleia”, por exemplo, Augusto compõe o som marítimo ao mamífero esboçado no título, fazendo referência à lenda de Jonas e à Moby Dick, de Herman Melville, citando “Ahab”. No poema, um “m”, como se fosse um murmúrio marítimo da baleia, percorre os intervalos das palavras. O “mesmo som” delineia uma comparação entre Ammagio e Scelsi, músicos que Augusto estuda em Música de invenção, colocando as palavras em círculo, com a assonância de “meSMO” em “SOM”.  Em “minuto”, ele diz ver sua vida retroceder num minuto como um “filme de cinema mudo”. Em “oco”, poema de NÃO, o poeta escreve: “só eu ressôo o som sem som que sufoco”, aqui o tema do silêncio aliado a uma compreensão da subjetividade.
          Além de poeta excepcional, que produz poemas em animações (para os quais dá o nome de clip-poemas), Augusto é exímio tradutor de poesia. Tanto em livros dedicados a poetas quanto em livros de crítico que trazem traduções, Augusto mostra as melhores versões em português existentes de autores como Rimbaud, Rilke, Mallarmé, cummings, Pound, entre outros. À IHU On-Line ele enviou uma tradução de “Brahma”, de Ralph W. Emerson, e concedeu uma entrevista sobre seu livro Emily Dickinson – Não sou ninguém, além de ter permitido a republicação de algumas de suas traduções de Gerard Manley Hopkins na revista dedicada ao poeta inglês. Além disso, é crítico literário: seus livros Verso reverso controverso, Linguaviagem, O anticrítico e Poesia da recusa reúnem alguns dos melhores ensaios feitos sobre poetas estrangeiros: Augusto dedica-se a analisar desde os provençais, passando por Dante Alighieri, poetas românticos (Keats), simbolistas (Mallarmé, Rimbaud, Corbière), investindo naquilo que considera “tradução-arte”, o mesmo que Haroldo de Campos, seu irmão, chamou de “transcriação”. Como disse em entrevista à IHU On-Line: “Uma tradução que não se limite ao literal, mas recupere os achados artísticos do original e se transforme num belo poema em português e não num arremedo canhestro. É possível, sim, ser fiel aos experimentos do poema original sem “trair” seu conteúdo mas isso exige duas condições básicas: a técnica artística (que é, segundo Pound, o teste da sinceridade, pois como ele acentua, se uma obra não merece boa técnica é porque lhe falta merecimento) e a identificação emocional com o texto de origem. […] É preciso muita sensibilidade para recobrar a paixão concentrada do poema, aquela “espécie de matemática inspirada” para as nossas emoções, de que fala Pound. O conteúdo não deve ser pensado à letra, em unidades semânticas, mas como um conjunto formal-semântico-emocional, cujo espírito deve ser captado”.
          Vejamos a bela tradução que Augusto fez para o poema Primavera”, de Mallarmé:

           A primavera enferma expulsou sem clemência
           O inverno lúcido, estação de arte serena,
           E no meu ser, que ao sangue obscuro se condena,
           Num longo bocejar se espreguiça a impotência.

           Crepúsculos sem cor amornam-me a cabeça,
           Velha tumba que cinge um círculo de ferro,
           E, amargo, atrás de um sonho vago e belo eu erro
           Pelos trigais, onde se exibe a seiva espessa.

           Exausto, eu tombo enfim entre árvores e olores,
           E, cavando uma fossa para o sonho, a boca
           Mordendo a terra quente onde germinam flores,

           Espero que o meu tédio, aos poucos, vá-se embora…
           –  Porém, do alto, o Azul ri sobre a revoada louca
           Dos pássaros em flor que gorjeiam à aurora.

           Ou a tradução de “versos à Tchecoslováquia”, da poeta russa Marina Tzvietáeiva, que trata, com repulsa, da invasão nazista nesse país:

           Lágrimas de ira e amor!
           Olhos molhados, quanto!
           Espanha em sangue!
           Tchecoslováquia em pranto!

           Montanha negra  –
           Toda a luz amputada!
           É tempo  –  tempo  –  
           De devolver a Deus a entrada!

           Eu me recuso a ser.
           No asilo da não-gente
           Me recuso a viver.
           Com o lobo regente

           Me recuso a uivar.
           Com os tubarões do prado
           Me recuso a nadar,
           Dorso dobrado.

           Ouvidos? Eu desprezo.
           Meus olhos não têm uso.
           Ao teu mundo sem senso
           A resposta é  – recuso.

          Não por acaso, diante de uma obra tão interessante, em que o silêncio e a recusa ainda servem como elementos de ética, João Cabral disse numa entrevista: “sinto uma extensão do meu trabalho em relação a Augusto de Campos, embora acredite que ele tenha feito, como seus companheiros (Haroldo de Campos e Décio Pignatari, com os quais criou a poesia concreta), uma obra original estupenda”. Quando se lê Augusto, é difícil discordar da afirmação cabralina.