Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Através de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Oração de domingo – Etty Hillesum
São tempos temerosos, meu Deus.
Esta noite, pela primeira vez,
Passei-a deitada no escuro de olhos abertos e a arder,
E muitas imagens do sofrimento humano desfilavam
Perante mim.
Vou prometer-te uma coisa, Deus, só uma ninharia:
Não irei sobrecarregar o dia de hoje
Com igual número de preocupações em relação ao futuro,
Mas isso custa um certo exercício.
Cada dia já tem a sua conta.
Vou ajudar-te, Deus, a não me abandonares,
Apesar de eu não poder garantir nada com antecedência.
Mas torna-se-me cada vez mais claro o seguinte:
Que tu não nos podes ajudar,
Que nós é que temos de te ajudar,
E ajudando-te, ajudamo-nos a nós próprios.
E esta é a única coisa que podemos preservar nestes tempos,
E também a única que importa:
Uma parte de ti em nós, Deus.
E talvez possamos ajudar a pôr-te a descoberto
Nos corações atormentados de outros
Fonte: Etty Hillesum. Diário – 1941-1943. 3 ed. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009, p. 251-252.
Etty Hillesum
Etty Hillesum foi uma jovem judia, cujos diários e cartas descrevem a vida em Amsterdã durante a ocupação alemã. Nasceu a 25 de janeiro de 1914, em Middelburg (Holanda). Em setembro de 1943, Etty foi deportada para Auschwitz, vindo a falecer em novembro daquele ano.
Etty foi para Amsterdã aos 18 anos de idade para estudar Línguas Eslavas. Em fevereiro de 1941 conheceu o psicoquirologista Julius Spier, com quem iniciou tratamento. Tornaram-se amigos e amantes.
No dia 9 de março de 1941 começou a escrever o primeiro de oito diários, onde estão suas reflexões pessoais e sobre a humanidade, a sua vida acadêmica (onde sobressaem o interesse pelo estudo da língua russa e a leitura apaixonada da obra de Rainer Maria Rilke), o círculo de amigos e o seu testemunho da segunda Guerra Mundial em território holandês.
No dia 15 de julho de 1942 começou a trabalhar como datilógrafa no Conselho Judaico na seção de “Apoio aos convocados para transporte”. Partiu para o campo de trânsito de Westerborko em agosto, não obstante ter regressado a Amsterdã numerosas vezes (numa delas para acompanhar os últimos dias de vida de Spier, que morreu em setembro de 1942). A última entrada do seu diário de que há conhecimento data de 13 de outubro de 1942.