Foto: Ana Formoso

Com certeza, a marcha ocorrida na tarde de 20 de junho, dentro da programação/mobilização da Cúpula dos Povos, não é um movimento homogêneo. Ela se caracteriza muito mais como multidão, como diversidade/pluralidade que talvez sejam verdadeiras características de uma sociedade da abundância. Dessa forma, uma maneira de melhor compreender a diversidade da marcha, a sua pluralidade, é buscar ouvir e observar diferentes sujeitos que dela participaram.
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Nessa perspectiva, a fala de Idon Moises Chiui Vargas (Aymara – vindo da Bolívia) mostra a diferença da Cúpula dos Povos e sua marcha, em relação a Rio+20, de maneira bastante veemente: “a Rio+20 oficial está decidindo apenas qual é a cor da tinta da caneta que assinará o atestado de óbito do Planeta. Mesmo que pequenos países tentem mudar isso, o que será decidido lá é apenas a cor dessa tinta. Já a cúpula, a marcha, é a expressão da diversidade que nos é trazida pela Mãe Terra. É um movimento da vida, das suas possibilidades.
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Ao mesmo tempo, e seguindo a lógica da diversidade e do diálogo intercultural, o movimento em prol de uma língua universal, neutra e de aprendizado gratuito – o Esperanto, se manifesta de forma a mostrar que “a língua pode ser um espaço de fraternidade, de reciprocidade e, por isso, deve ser um bem comum, neutro, não mercantilizado”, afirma Joana, professora de escola pública e participante do movimento “Esperanto – língua internacional” no Rio de Janeiro.
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O Núcleo de Ambientalistas de Morion na Argentina, formado basicamente por jovens, defende a formulação de políticas públicas locais, municipais, relacionadas à questão ambiental, dada a diversidade do local e o impacto disso no global, bem como sua proximidade com os sujeitos, segundo palavras de um dos seus integrantes, o estudante Rodrigo.
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Foto: Ana Formoso

Já os Marãiwatsédé-Xavantes, do estado do Mato Grosso, dançaram, cantaram e protestaram durante toda a marcha, pedindo a desinclusão em suas terras. Segundo o xavante Arimateia, faz 20 anos que as terras foram demarcadas, reconhecidas, mas os não índios; os fazendeiros continuam as ocupando. Ele afirma não compreender o que ocorre com a justiça brasileira em relação aos índios. Também em forma de canto e de dança, integrantes da escola de samba Acadêmicos de Vigário Geral, defenderam e difundiram na marcha a ideia de um projeto iniciado na Alemanha, cujo título é Bread Tank (Tanque de Pão), que defende o redirecionamento do investimento militar. Sem dança, mas com um enorme cartaz escrito “Eles não nos representam”, estudantes de Rio Claro reivindicam por processos que fortalecem a participação direta, e não formas de democracia representativa apenas.

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Pode-se somar a essas manifestações a fala do senhor Adão, carioca, morador da Baixada Fluminense, porteiro de um prédio comercial, que estava na porta do referido edifício observando a manifestação e, questionado sobre sua percepção do movimento, declarou: “tem mais é que fazer mesmo. Não importa se bagunça. Se não bagunça ninguém nota, ninguém percebe, o governo fica numa situação fácil. Eu não me importo que parem o trânsito e a cidade. Tem que fazer alguma coisa, corrupção, poluição, salário baixo, tudo está precisando mudar”. Já a comerciária Luciana, de uma loja de relógios e moradora do Rio, acredita que esse tipo de manifestações atrapalha a população e o comércio local.
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Soma-se a essa heterogeneidade de expressões e projetos outras tantas manifestações relacionadas a gênero, a liberdade de orientação sexual, contra a indução-midiatização que leva ao consumismo infantil, em favor dos direitos dos animais, de movimentos veganos, contra a violência no campo, dentre outros. Se não bastasse essa multiplicidade de atores, de movimentos, de perspectivas que em comum tem um projeto de sociedade – de desenvolvimento, de vida diferente, ainda atravessaram a marcha, uma série de movimentos grevistas, principalmente de servidores federais, bem como grupos de três centrais sindicais.
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Enfim, essa diversidade de propostas muitas vezes não prontas, em forma de protesto, sinaliza muitas vezes para iniciativas pequenas, locais, em cada realidade, porém, que diante da lógica da complexidade, quiçá, pode resultar em significativas transformações. O certo é que, se ainda não há clareza do novo, dessas propostas, do que nasce, a marcha buscou ser um contraponto ao movimento oficial da Rio+20, que parece ainda não perceber que o “velho” (modelo de desenvolvimento, de sociedade) se ainda não morreu, mostra estar morrendo.
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Por Lucas Luz
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