Mostrando que as políticas públicas do arquipélago de Cabo Verde, na África, são políticas desiguais, a professora Miriam Steffen Vieira abriu o IHU ideias desta quinta-feira, 11-09-2015, intitulado Políticas de gênero em Cabo Verde, destacando que as mulheres são as principais responsáveis pela manutenção das famílias, pela coleta de lenha, busca de água e “apanha” de areia, como é conhecida a coleta de areia. Dentro deste contexto, as mulheres, desde 2010, vêm sendo “culpabilizadas” pela escassez de areia nas praias, que gera um problema ambiental.

Miriam Vieira / Foto: Cristina Guerini

A partir disso, conforme relatou a professora, o governo e os mecanismos internacionais criaram políticas públicas de gênero, que possibilitaram que as mulheres passassem a receber cursos de culinária e de cabelereiro, a fim de retirá-las da atividade de “apanha de areia”. Porém, o programa não deu certo, pois elas não conseguem vender os alimentos produzidos e nem trabalhar como cabelereiras, pois os hotéis e resorts da região usam mão de obra trazida de fora e não compram os alimentos produzidos na região.

Além disso, a pesquisadora enfatizou que diversas ONGs atuam no país na busca do empoderamento das mulheres através dessas “políticas públicas de gênero”. No entanto, segundo a pesquisadora, o programa de microcrédito oferecido às mulheres acaba gerando o efeito contrário: endividando-as, visto que elas não conseguem entrar no mercado de trabalho – que é pequeno no país – ou usam o dinheiro para financiar os estudos dos filhos ou investem na produção de animais, como porcos, por exemplo. Sem o retorno financeiro esperado, e com o crédito oferecido a juros altos, essas mulheres se vêm sem alternativas e voltam para “apanha” de areia.

Miriam salientou que “as políticas públicas de gênero são voltadas para homens e mulheres e que não geram conflitos, pois os homens são sempre tratados de forma diferente, não precisam realizar o serviço doméstico, por exemplo, basta o pai levar a filha até a aula de balé, mas esquecem que a criança precisa de comida, higiene e acompanhamento diário”, diz, citando a propaganda da campanha do governo, “Ami é pai”.

A situação das mulheres de Cabo Verde, relatada pela professora, suscitou algumas questões, como as feitas pelo professor Lucas Luz: “As políticas públicas não promovem um ordenamento das vidas e a retirada da potência dessas vidas? Como pensar políticas públicas que não sufoquem os saberes locais, com o que estão ali colocados?”.

Família de Cabo Verde na “apanha” da areia/ *Imagem cedida pela professora

Em resposta, a palestrante salientou que sua pesquisa adotou um “tom mais crítico e quis evidenciar os múltiplos significados das políticas públicas na vida dessas mulheres”, assegurando que “os conflitos de gênero estão na base como enfeites”. Alertou que essas mesmas políticas “têm um efeito perverso na vida das pessoas, mas que servem para o Estado, porque eles acham que estão fazendo algo pelo empoderamento das mulheres, quando na verdade, estão as endividando”. E complementou afirmando “que as políticas oferecem muito pouco e não dão conta do essencial”. Citando Foucault, encerrou dizendo que “a gestão do Estado é um processo de normação e institucionalização”.

O trabalho de pesquisa desenvolvido em 2010 pela equipe da professora Miriam, dentro dos Parques Naturais – Serra de Malagueta, do Fogo e Monte Gordo -, virou uma consultoria para as Nações Unidas sobre a abordagem de gênero e desenvolvimento para as regiões dos Parques Naturais.

Miriam é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos, doutora em Antropologia Social e mestre e licenciada em História. Atua como professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade de Cabo Verde e professora associada ao Centro de Investigação em Género e Família da Universidade de Cabo Verde (Cigef/Uni-CV).

Conheça um pouco sobre a República de Cabo Verde

*Mapa cedido pela professora

É um pequeno arquipélago composto por 10 ilhas, com cerca de 4000 km², com população inferior a 500 mil habitantes, localizado no Oceano Atlântico, cerca de 600 km da costa africana. Tornou-se independente somente em 1975, mas desde então vem evitando a geração de conflitos internos, tanto de gênero, quanto pela distribuição igual da terra.

A economia é baseada no investimento externo na área de turismo e na extração de areia, excelente fonte de matéria para a construção civil.

O país tem 47 parques naturais, mas diferente do Brasil, as pessoas vivem dentro dos parques de preservação e se integram à natureza, como se fizessem parte da paisagem.

Por Cristina Guerini

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