Arquivos da categoria ‘Simpósio’

A língua que toca o céu da boca, ligando a terra com o céu. Os polegares que se unem como se houvesse uma finíssima folha de seda entre eles, para concentrar as energias.

Foi com um pequeno momento de meditação que a Monja Coen, ordenada em 1983, no Japão, depois de iniciar seus estudos budistas no Zen Center of Los Angeles, iniciou a oficina “Sem Deus, o caminho de Buda”, dentro da programação do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica. Possibilidades e impossibilidades”, na tarde desta segunda-feira.

Fundadora da Comunidade Zen Budista, em São Paulo, e primeira mulher de origem não japonesa a presidir a Federação das Seitas Budistas do Brasil, Coen iniciou sua fala questionando o conceito de Deus que temos. No Budismo, afirmou, a relação é do eu com o próprio eu.

“As práticas meditativas não são para se encontrar com o outro, mas para se encontrar com a ‘Natureza Buda'”, explicou. Nesse vazio – “não há nada fixo nem permanente” -, nesse silêncio, disse a monja, é onde podemos ouvir o sagrado.

Contando alguns trechos da vida de Buda, um jovem príncipe e pensador livre, Coen abordou a relação do Budismo com o sofrimento e a dor e a relação destes com o eu.

“Se há dor no mundo, é também minha dor”, disse.

Nossa relação com a vida do universo também foi um dos pontos sobre os quais a Monja Coen procurou refletir a partir da visão do Budismo. Segundo ela, “não somos parte do todo, mas o todo se manifesta nessa forma” humana, animal, vegetal etc.

Buda, contou a monja, também passou pela “noite escura”, sofreu tentações, como a principal delas, a “última” tentação: achar-se melhor do que os outros. Porém, com o surgimento da “estrela da manhã”, compreendeu: “Eu e a terra, todos os seres, nos tornamos o caminho”, contou Coen. “Cada um de nós contém toda a vida do universo”.

A “causa primeira” dessa vida, para o Budismo, não está em “Deus”. Segundo a monja, o Budismo entende que não há “uma” causa de origem. Quando Buda foi questionado a respeito dessa causa, ele manteve silêncio, contou Coen. Para o Budismo, há sim “causas e condições”, que permitem a existência das coisas.

Há, segundo ela, um “cossurgir interdependente e simultâneo” que permite que tudo exista.

Nesse sentido, explicou, a ideia de um Criador separado da criação não existe no Budismo. “O ‘eu’ é feito de tudo o que é não ‘eu’. Essa é a essência do Budismo”, disse Coen.

Monja Coen disse ainda que a meditação não é cessar ou matar a mente. Como no mar, podemos ficar na borda, contemplando a marola, ou penetrar nas suas profundidades. Assim também é com os nossos pensamentos e a nossa mente, defendeu Coen. “O encontro com o questionar nos faz encontrar, e esse encontro nos faz questionar. Ou, como dizia um bispo católico, o encontro é a procura, e a procura é o encontro”, afirmou.

Assim, defendeu um neologismo que expressa essa ideia do “uno”: interser, ou seja: somos em relação a tudo o que existe e que nos afeta. “Somos corresponsáveis pela realidade em que vivemos. O que fazemos, pensamos e dizemos altera a nossa realidade”, afirma Monja Coen.

Para ela, muito se fala sobre religião a partir de sua raiz “religar”. Mas também seria frutífero pensar a religião a partir de “reler”, ou seja, fazer uma releitura de toda a nossa história e tradição religiosas, de nossos textos sagrados. E aqui Coen defendeu a importância do questionamento: “Não cesse de perguntar. Formule melhor a sua pergunta. Não se acomode”, propôs. “E se Deus estiver falando com você, e só com você, cuidado!”, brincou.

Pois, como visto no ambiente criado pela monja, o “uno” se manifesta como oportunidade. “O que chegar a mim é oportunidade de prática” zen, afirmou Coen. E se sabedoria e compaixão são os pilares do Budismo, como afirmou a monja, esse singelo encontro de poucas horas deixou transparecer que essa “oportunidade” foi muito bem aproveitada pela monja para revelar, na teoria e na prática, tudo o que o zen budismo pode oferecer.

(por Moisés Sbardelotto)

“A terra foi erguida para que o Ser Criador pudesse apoiar seus pés. Com os pés andamos, experimentamos e refletimos a memória cultural”. Assim, Profa. Dra. Cándida Graciela Chamorro Argüello iniciou a oficina “Teologia Indígena”, proferida na sala 1F102, às 14h desta segunda-feira. O evento integrou a programação deste primeiro dia do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica.

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Em um ambiente descontraído e participativo, a professora de História Indígena na Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul, tratou das experiências indígenas em torno da narrativa de Deus. Trabalhando com índios Kaiowá Guarani (ou Tvyterã) desde 1983, Cândida tematizou os pés, elemento fundamental para esta tribo, em sua relação com a arte de narrar e refletir o Ser Criador. Para os Kaiowá, a sustentação é de extrema importância. “O fato podermos nos erguer e se equilibrar sobre os dois pés faz com que nos identificamos mais com Deus”, afirma.

A língua e o poder da fala, também são enfatizados. A professora comparou as palavras com o ar que enche algo que está vazio e murcho, estas circulam pelos ossos e nos colocam realmente de pé. Em uma aula do dialeto indígena da tribo guarani, Cândida ensinou algumas traduções e pronúncias de palavras importantes do idioma, como Itymby (algo que está brotando), Yyy (terra) e Y (água). Assim, os presentes puderam acompanhá-la em orações sagradas para os Kaiowá.

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Sobre o divino, os Kaiowá acreditam que os Seres Criadores ampliaram a terra sabendo que seriam muitos os que iriam habitá-la. Jasuká (neblina, fumaça ou grande avó) seria o primeiro ser, o princípio ativo do universo. Assim como a crença em anjos na religião católica, os Guaranis crêem em Tapeja (protetores do caminho), divindades invocadas em rituais para pedidos. A narrativa de Deus com os pés foi frisada. Nos últimos cem anos houve pelo menos três momentos nos quais imagens espaciais tiveram particular importância no imaginário indígena, estas imagens são yvy marãne e yvy araguyje, esta última significando “terra no espaço-tempo perfeito”.

Para os indígenas a terra é humana quando nela se abrem caminhos para caminhar. Como os lugares habitados por eles foram transformados em campos e plantações, o caminho se torna símbolo de desterro. Cândida apresentou a situação atual desses povos indígenas, principalmente os que habitam a fronteira entre o Brasil e Paraguai. Mostrando um trecho do documentário “Sementes de sonhos”, a professora diz que a atitude indígena de evocar a terra original, diagnostica um descompasso entre o mundo de hoje e o de nossas origens. “Enquanto não se realizar o sonho de reinaugurar os espaços de liberdade, ninguém será mais real que aqueles e aquelas que proferem as boas palavras; nenhuma tarefa será mais importante que a de abrir caminhos que nos aproximem das origens”, finaliza.

(por Juliana Spitaliere)

Na semana passada, de 09 a 12 de setembro, o IHU promoveu o IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin, com uma ampla programação, que pôde ser acompanhada tanto pelo blog, pelo site e ainda pelo Twitter.

Aqui publicamos algumas impressões do evento, em que participantes diversos comentam e analisam os debates e a organização do evento em geral.

Participe também do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica. Possibilidades e Impossibilidades que inicia nesta segunda-feira. Confira aqui a programação.

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(por Moisés Sbardelotto)

Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica. Possibilidades e impossibilidades, tema central do X Simpósio Internacional IHU, que se realiza nesta semana na Unisinos, numa promoção do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, é o núcleo ao redor do qual se concentram as contribuições de pesquisadores e pesquisadoras, das mais diferentes áreas do conhecimento e de diversas parte do mundo, desta edição da IHU On-Line.

Assim, o cosmo-físico norte-americano William Stoeger, os filósofos Marcelo Fernandes de Aquino, Ernildo Stein, brasileiros, e o italiano Luigi Perissinotto, o ensaísta francês da revista Esprit Jean-Louis Schlegel, os teólogos Christoph Theobald, alemão, autor da obra Le Christianisme comme style. Une manière de faire de la théologie em postmodernité (O Cristianismo como estilo. Uma maneira de fazer teologia na pós-modernidade – tradução livre), Felix Wilfred, indiano, Mary Hunt, norte-americana, os brasileiros Geraldo De Mori, Faustino Teixeira, Luís Carlos Susin e o psicanalista Benilton Bezerra Júnior debatem o tema central do Simpósio.

Completa a edição o artigo Comunicação e transdisciplinaridade: interconexões a partir da telenovela de Andres Kalikoske, pesquisador do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS).

Saudamos a todos e todas que, vindos e vindas de várias partes do Brasil e do mundo, para participarem do X Simpósio Internacional, desejando que se sintam bem na nossa terra e no meio da nossa gente.

A edição eletrônica da IHU On-Line estará disponível nesta página, nesta segunda-feira, no final da tarde.

A edição impressa circulará no câmpus da Unisinos, nesta terça-feira, a partir das 8h.

Uma ótima semana e uma excelente leitura!

Encerrando o IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin, a mesa redonda Darwin, a Moral e a Religião reuniu os pesquisadores Prof. Dr. Louis Caruana, da Universidade de Londres, e a Profª. Drª. Anna Carolina Krebs Pereira Regner, da Unisinos.


Profª. Anna Carolina (C) e Prof. Caruana (D) em debate sobre moral, religião e Darwin

Prof. Caruana iniciou sua conferência “Darwin e os fundamentos da Moral”, a partir da visão de Darwin sobre a moral. Para Darwin, afirmou, a moral é um produto da evolução, envolvendo a seleção de grupo. Assim, o sentido moral contribui para a melhor e mais clara distinção entre o homem e os animais inferiores, defendia Darwin.

A partir disso, o estudioso de origem maltesa abordou duas tendências para a compreensão da moral. Uma delas, que chamou de psicológica, encontra suas bases no pensamento de David Hume. Para Hume, a razão é a “escrava das paixões”, como como o desejo, medo, alegria etc. Por isso, dizemos que algo é bom porque o sentimos como bom, nos dá uma sensação boa. Assim, defende Hume, a moral é derivada dos sentimentos.

Já a tendência que Caruana chamou de epifenomênica, a moral está completamente além daquilo que a explicação biológica pode conseguir explicar. A moral não é o resultado da adaptação. É um resultado colateral, epifenomênico. As bases desse pensamento encontram-se em Kant, Gould, Lewontin e Ayala. Para eles, a moral está desengajada da natureza biológica. A moral é não biológica.

Para Kant, é um erro afirmar que a fonte da lei moral resida em sentimentos e paixões. O fundamento da moral é racional. Somos livres e autônomos na medida em que nos movemos no campo da inteligência.

Porém, defendeu Caruana, o conhecimento da moral deriva do conhecimento de quem somos – seres humanos. Por isso, é preciso tomar um caminho intermediário entre essas duas concepções, que pode ser encontrado no pensamento de Aristóteles e Aquino.

Para eles, a seleção natural explica a formação de espécies específicas de respostas emocionais ao meio ambiente. Ao longo do tempo, as emoções se tornam conceitualizadas. Nesse movimento, há uma mudança crucial das causas da ação para as razões da ação. Isso ocorre por meio do intelecto. Assim, a consciência moral é a fonte da obrigação moral à luz do direito natural.

Para Caruana, é preciso considerar o desenvolvimento da evolução da consciência. Uma explicação evolutiva das capacidades humanas se funde tranquilamente com a ideia de Lei Natural e com a ideia de consciência. Segundo ele, a consciência sempre precisa de educação e de refinamento

Deus e ciência

Para a Profª. Drª. Anna Carolina Regner, em Darwin, há sempre um debate entre argumento moral e argumento cosmológico, chance e ordem, desígnio e leis naturais, religião e ciência. Por isso, sua conferência, intitulada “Deus e a Ciência: o debate interno de Darwin”, buscou justamente ver as consequências públicas desse debate.

Para Darwin, a seleção natural pode explicar o sofrimento do mundo.
É nesse sentido que Darwin não vê problemas com a existência de Deus do ponto de vista cosmológico, mas sim do ponto de vista ético.

“Se há um Deus onisciente como uma causa inteligente, o mundo é ordenadamente determinado. Se o mundo é ordenadamente determinado, o sofrimento deve ser explicado pelo desígnio de uma primeira causa inteligente. Revolta a nossa compreensão supor que Deus não seria ilimitadamente benevolente. Então, o sofrimento não pode ser explicado pelo desígnio de uma primeira causa inteligente, e o mundo não é determinado ordenadamente”, segundo a citação de Darwin feita por Anna Carolina.

Ainda nas palavras de Darwin, “o mistério do início de todas as coisas é insolúvel para nós”. “De minha parte – assumia Darwin -, devo contentar-me com permanecer um agnóstico”.

Assim, defendeu Anna Carolina, a tendência de Darwin foi a de separar ciência e religião. “Esse foi um debate interno, ao longo da sua vida, que não apareceu nos seus artigos públicos. Mas não para ocultar uma posição ateísta”, defendeu a filósofa.

Ao final, Prof. Dr. Inácio Neutzling, diretor do IHU, agradeceu a presença de todos, especialmente aos parceiros e parceiras de organização do IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin.

(por Moisés Sbardelotto)