Outrora um órgão que deveria funcionar exclusivamente às questões militares e assuntos envolvendo outros países, a justiça militar exerceu durante a ditadura militar atribuições excessivas, perseguindo e julgando civis contrários ao regime militar.
E para entender melhor as consequências deste fato que a Profa. Dra. Maria Aparecida de Aquino participou de mais um evento do Ciclo de estudos “50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos”, que ocorreu na última terça-feira (8) na Sala Ignácio Ellacuría e Companheiros.
A palestra, que teve como tema “A Justiça Militar durante o Estado Autoritário Brasileiro pós-1964”, abordou a atuação dos principais aparatos repressores do governo, os grupos de luta armada que lutavam contra o regime militar e a censura à imprensa que ocorre durante o período.
De acordo com a professora, o Regime Militar é caracterizado por sua ambiguidade, pois os militares justificavam seus atos como sendo “em nome da democracia”. Eles afirmavam que o Golpe de 64 teria sido um “contra golpe preventivo”, já que de acordo com eles o então presidente João Goulart pretendia criar uma “república sindicalista”. Porém, até hoje não foram encontradas evidências que afirmam que Jango pretendia realizar um golpe.
“Os militares são golpistas de fato, nada mais o que isso”, afirma a pesquisadora.
A partir de 1964, a Ditadura criou um sistema abusivo, que visava repreender aqueles que fossem contrários ao regime, como a professora explica no vídeo abaixo:
Com a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI) em 13 de junho de 1964, os militares passaram a supervisionar e coordenar as atividades de informações e contra-informações no Brasil e exterior.
Foi neste momento que os primeiros grupos de luta armada começaram a surgir, como o Agrupamento Comunista de São Paulo, criado por Carlos Marighella, que havia acabado de sair do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que até então mantinha uma relação pacífica com o Regime Militar. Mais tarde, o grupo de Marighella receberia o nome de Ação Libertadora Nacional (ALN), e passaram a realizar assaltos e sequestros.
Entre os sequestros executados pela ALN está o do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. A professora destacou este fato justamente por ter sido o primeiro realizado, e que significou para os militares no poder uma “derrota fragorosa”.
Resposta em forma de repressão
Assim, para combaterem os opositores de forma mais ágil e menos burocrática, o governo acabou criando a Operação Bandeirantes (OBAN), um centro de centro de informações e investigações que tinha como objetivo coordenar e integrar ações dos órgãos de combate às organizações armadas de esquerda.
A OBAN foi considerada bem sucedida pelos militares, tão bem sucedida que foi responsável por criar o Destacamento de Operações Internas/Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). O órgão tinha a finalidade de combater inimigos internos que poderiam ameaçar a segurança nacional. A professora também falou sobre a reformulação do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS), que haviam sido criados nos anos 20, um período que também tinha diversos movimentos sociais.
Censurado
Outro destaque da palestra foi a relação da imprensa e do regime ditatorial. A professora, que em sua tese de Mestrado utilizou como tema “Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-78) – o exercício cotidiano da dominação e da resistência” e no Doutorado “Caminhos Cruzados – Imprensa e Estado Autoritário no Brasil (1964-1980)”, fez uma breve apresentação do que descobriu durante as suas pesquisas.
Durante o período de 1968, momento em que o Ato Institucional Nº5 (AI-5) entrou em vigor, até 1978, diversos jornais acabaram sendo censurados. Antes à favor do regime, alguns jornais passaram a criticar o governo, chegando ao ponto de contarem com a presença de censores na redação.
O jornal O Estado de São Paulo, conhecido também como Estadão, foi um destes jornais. Para substituir os trechos censurados, os editores começaram a incluir nos textos alguns trechos de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. A epopeia portuguesa, composta por dez cantos e 1102 que preenchem aproximadamente 280 páginas, chegou a ser publicada duas vezes e meia no jornal. Ao todo 1122 matérias foram censuradas ao longo do período da Ditadura Miliar.
Além disso, a professora constatou que, durante 1964 até 1979, 720 processos foram constituídos pela Justiça Militar, sendo 102 envolveram jornalistas.
A Lei de Anistia
Ao final do evento, a pesquisadora ainda falou sobre a questão da Lei de Anistia, promulgada pelo então presidente João Figueiredo em 1979. Apesar de ser considerada uma vitória pelas mobilizações sociais, torturadores do período também receberam anistia. No vídeo abaixo, a professora fala mais sobre a Lei e o caso dos guerrilheiros do Araguaia.
Sobre o Ciclo de estudos
O evento “50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos” segue até o dia 24 de abril. Mais informações podem ser obtidas clicando aqui.