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Sólo le pido a Dios
Que el dolor no me sea indiferente
(Mercedes Sosa)

O silêncio após o último disparo na Igreja de San Patricio, em Buenos Aires, completa 40 anos. Que a dor dos palotinos e de tantos outros assassinados durante um dos períodos mais sombrios da história da capital Argentina não nos seja indiferente.

Foto: Periodista Digital

Os disparos que romperam a madrugada do dia 04-07-1976, cuja suspeita pesa sobre militares ligados à Escola Superior de Mecânica da Armada – ESMA, não foram percebidos nos arredores da Igreja de San Patricio. Na manhã seguinte, foram encontrados os corpos dos padres Alfredo José Kelly, Alfredo Leaden e Pedro Eduardo Dufau, e dos seminaristas Emilio José Barletti e Salvador Barbeito, da Congregação dos Palotinos.

O crime, que é um dos mais lembrados do regime militar no país vizinho, ficou marcado pela forma como os religiosos foram encontrados com os rostos ensopados de sangue, alinhados sobre o tapete e crivados a balas. As vítimas foram encontradas pelo organista da paróquia, Fernando Savino, que pulou a janela quando os vizinhos do bairro Belgrano chegavam para a missa.

O sangue frio

Os assassinos rabiscaram com giz em uma das portas a seguinte mensagem. “’Pelos companheiros da Segurança Federal mortos com a dinamite. Venceremos. Viva a Pátria‘ (A dinamite era uma referência a um atentado da guerrilha dos Montoneros que, dois dias antes, haviam matado 20 policiais que se encontravam em uma cantina).” E em um dos tapetes estava escrito. “Esses esquerdistas (zurdos) morreram porque doutrinaram mentes virgens e são M.S.T.M.” (sigla conhecida que indicava o “Movimento de Sacerdotes pelo Terceiro Mundo”).

Dor indiferente

Depois de 40 anos, o crime nunca foi esclarecido. Atualmente sob o comando do juiz federal Sergio Torres, o processo, que já oi interrompido várias vezes por conta da Lei da Anistia Argentina (Ponto Final e Obediência Devida), agora aguarda a abertura do Arquivo do Vaticano, prometido pelo Papa Francisco. Na documentação consta investigação realizada à época pelo Pe. Efraín Sueldo Luque, cujas conclusões são desconhecidas.

O canto de dor e memória de Mercedes Sosa clama por justiça. Que possamos manter viva a história dos palotinos e que o sofrimento das ditaduras latino-americanas não nos sejam indiferentes.

As vítimas

Alfredo Leaden, sacerdote, 23 de maio de 1919, Buenos Aires;
Alfredo José Kelly, sacerdote, 5 de maio de 1933, Suipacha;
Pedro Eduardo Dufau, sacerdote, 13 de outubro de 1908, Mercedes;
Emilio José Barletti, seminarista, 22 de novembro de 1952; San Antonio de Areco.
Salvador Barbeito Doval, seminarista, 1º de setembro de 1951, Pontevedra (Espanha);

O documentário 4 de Julio, de Pablo Zubizarreta e Juan Pablo Young, que conta a história pode ser assistido abaixo:

Veja também: Palotinos, Los Mártires del 76:

Por Cristina Guerini

Para ler mais:

O ano de 2015 apresentou diversos desafios. Foi um período em que presenciamos uma forte movimentação política, social, econômica. Realidades que foram postas e que nos atingiram de diversas formas. A pergunta que pode ser feita neste tempo de encerramento do ano é: o que fizemos para intervir nestas realidades? Esta foi a questão que inspirou a realização da memória do ObservaSinos sobre o ano em finalização.

Tornar pública esta memória foi um compromisso assumido pela equipe do ObservaSinos. Por isso, na última terça-feira, dia 15 de dezembro, o Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, mostrou um pouco das suas ações e resultados do ano aos colegas.

Colegas e familiares estiveram participando do evento, que iniciou com a apresentação das ações do Observatório, seguida de depoimentos sobre o vivido e uma confraternização.

A equipe, formada por Matheus Nienow, Taigor Kawar, João Conceição, Daiani Michaelsen, Carolina Lima, Marilene Lemes, Jonathan Camargo, Atila Alexius e Marilene Maia, sistematizou e apresentou em números e relatos o que foi realizado.

Em 2015, o Observatório utilizou 19 bases de dados públicas disponíveis online, que subsidiaram as notas realizadas sobre as 9 temáticas que têm sido analisadas: ambiente, educação, mobilidade, moradia, população, proteção social, segurança, trabalho e saúde.

Foto: Carolina Lima / IHU

Além das análises, foram realizadas 13 oficinas, sendo três sobre o acesso aos dados públicos, quatro tematizando as políticas públicas e seis que exploraram as estratégias, metodologias e instrumentos para subsidiarem a sistematização, análise e debate sobre a realidade. Outros eventos em parceria também foram implementados pelo ObservaSinos. Um deles foi o V Seminário de Observatórios, Metodologias e Impactos: dados e participação, em parceria com a Rede de Observatórios. O outro foi o Ciclo de Estudos: Saúde e Segurança no Trabalho na Região do Vale do Sinos, que contou com a participação de trabalhadores metalúrgicos e foi uma demanda do Sindicato da Região do Vale do Sinos. A parceria para esta realização se ampliou com outras duas organizações: o Centro de Referência da Saúde do Trabalhador do Vale – Cerest e o Observatório da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas – Obteia.

O ObservaSinos também prestou assessorias, como a capacitação de trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social – SUAS do município de Novo Hamburgo. Também participou através do diagnóstico Socioterritorial e do Mapa Falado do município de Canoas; além de prestar assessorias individuais para estudantes, pesquisadores e outros.

As análises, os eventos e as assessorias promovidos pelo ObservaSinos renderam 68 publicações de notas para as Notícias do Dia do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, 29 notas no blog e 7 vídeos no Youtube.

Foi um ano de fortalecimento da presença do ObservaSinos nas redes sociais, indicando 4.188 acessos na página online do ObservaSinos e 24.815 acessos às notas da aba “De Olho no Vale”. A análise mais acessada do ano foi “4% dos trabalhadores admitidos no Vale do Sinos possuíam ensino superior”, com 815 acessos. Há uma expectativa de que estes acessos sejam ainda ampliados com a nova homepage do Observa em 2016, que ao longo do ano mereceu dedicada atenção pela equipe de trabalho.

Na exposição dos dados e relatos foi evidenciada a importância do programa como instância e experiência articuladora entre formação e trabalho profissional.

A acadêmica Daiani Michaelsen apresentou os resultados do seu Estágio Obrigatório e também falou das suas impressões sobre o período em que esteve presente na equipe do ObservaSinos. Daiani agradeceu aos colegas pelo tempo em que esteve na equipe, destacando a importância que o ObservaSinos e o IHU tiveram na sua vida profissional e pessoal. Fez uma homenagem à professora e coordenadora do ObservaSinos, Marilene Maia, falando do grande exemplo que ela é enquanto pessoa, professora, mulher e militante.

Depois foi o momento da equipe do ObservaSinos apresentar seus relatos. A equipe é composta por várias áreas: Jornalismo, Comunicação Digital, Ciências Econômicas, Administração, Ciências Sociais, Serviço Social e Educação. Os colegas que estavam presentes na confraternização pontuaram a importância de espaços como o ObservaSinos e o IHU por proporcionarem conhecimento e aprendizagem constantes; além disso, agradeceram a oportunidade de estarem no espaço, sempre construindo coletivamente.

Foto: Susana Rocca / IHU

Nas palavras da professora Marilene Maia: “Os depoimentos destacaram a experiência de trabalho coletivo, a articulação entre a formação acadêmica e cidadã, a investigação e a ação. O Instituto foi valorizado pela potência de informação e formação em diferentes áreas e temas.”

Por Marilene Maia e Carolina Lima

O pensador que melhor requalificou a conexão entre religião e violência, René Girard, faleceu no último dia 4 de novembro, aos 91 anos, na cidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Girard era filósofo e antropólogo francês, membro da Academia Francesa e professor em várias universidades, entre elas a de Stanford, lugar em que construiu sua carreira acadêmica.

Autor da teoria do desejo mimético, que é vista como “uma explicação do comportamento e da cultura humana”, segundo João Cezar de Castro Rocha, coordenador da Biblioteca René Girard, e do dispositivo denominado “bode expiatório”, que é encarado, também por Rocha, como uma nova solução para a “compreensão da gênese da cultura humana”.

São três os livros que marcam períodos importantes na trajetória do intelectual: Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961), onde expôs a teoria do desejo mimético; A Violência e o Sagrado (1972), que apresentou o instrumento do “bode expiatório”; e Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo (1978), juntamente com Jean-Michel Oughourlian e Guy Lefort, também sobre a teoria mimética, mas agora exposta em sua plenitude.

Em memória ao pensador, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU relembra algumas das notícias e entrevistas que publicadas na página do IHU:

Para ver os artigos mais recentes sobre René Girard  e sua obra, como por exemplo o instigante artigo de Roberto Esposito, veja as Notícias do Dia, dos dias 06 e 07 de novembro.

 

*Fonte da imagem: www.chaumont-gistoux.be

Por Cristina Guerini

“A ditadura como um todo nos relegou uma cultura do medo instalada no sentido de que determinados assuntos não podem ser debatidos”, afirma o presidente da Comissão Nacional de Anistia e secretário nacional do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, em 2011.
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Jair Krischke, também em entrevista concedida à revista, acentua que “a verdade completa sobre o terrorismo de Estado brasileiro precisa vir à tona”. Segundo ele, “muito se fala em reconciliação da sociedade brasileira, mas esquecem-se de que, para haver uma verdadeira reconciliação, faz-se necessário, fundamental mesmo, o autor da ofensa reconhecê-la como de sua autoria, arrepender-se e pedir perdão à vitima. Com o ânimo ainda existente nas forças armadas brasileiras, seria possível esperar este gesto?” E completa: “Historicamente, os militares sempre se dão bem no Brasil, mesmo quando praticam crimes os mais horrendos”.
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O dia 26 de junho é considerado o Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura e o IHU produziu diversos materiais sobre o tema. Um deles foi a entrevista com Aldo Vannucchi, tio de Alexandre Vannucchi Leme, estudante da USP, que foi torturado e morto pelo regime militar brasileiro em 1973, e se tornou um dos símbolos do movimento estudantil no combate à ditadura.
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Vannucchi Leme participava da Ação Libertária Nacional – ALN, que reunia tanto católicos como não católicos, marxistas e não marxistas. “Alexandre não era marxista; era católico de família católica, mas viu na ALN um caminho válido de afirmar a sua vontade de libertação do povo naquela altura da nossa história”, relata Vannucchi. O jovem foi preso pela Operação Bandeirantes em 16 de março de 1973, e em seguida torturado até a morte.
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O filósofo Castor Ruiz pondera que “o Estado que compactua com o esquecimento da violência cometida por seus funcionários, instituições e estruturas permite a reprodução da barbárie como normalidade política, além de transmitir sensação de impunidade”.
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É extremamente importante relembrar os casos de vítimas de tortura, apoiar os parentes e abrir os olhos da sociedade para o que ocorreu no Brasil e ainda ocorre.
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Confira alguns de nossos materiais produzidos sobre o tema:

Mulher negra africana nascida em Costa Mina, na África, que veio para a Bahia, no Brasil, como escrava e que se tornou líder da Revolta dos Malês (1835). Pertencia à nação nagô-jeje, da tribo Mahin, daí seu sobrenome, nação originária do Golfo do Benin, noroeste africano que no final do século XVIII foi dominada pelos muçulmanos, vindos do Oriente Médio. Tornou-se livre (1812) e sobreviveu trabalhando com quituteira em Salvador, Bahia, e dizia ter sido princesa na África.

Participou de todos os levantes escravos que abalaram a Bahia nas primeiras décadas do século XIX, entre elas a Revolta dos Malês, a maior de todas as rebeliões de escravos ocorridas na Bahia. O movimento iniciou-se na noite de 24 para 25 de janeiro (1835), liderado por escravos africanos de religião muçulmana, que eram conhecidos na Bahia como malês.

O dia foi escolhido propositalmente, pois enquanto os senhores celebravam no Bonfim, em Salvador, o dia de Nossa Senhora da Guia, os malês encerravam o Ramadã, mês de jejum dos muçulmanos. Cerca de 600 escravos e recém-libertos, por algumas horas tornaram-se senhores das ruas de Salvador, mas apesar dos comunicados entre revoltosos serem através de mensagens escritas em árabe e levante ter sido planejado cuidadosamente, os planos dos revoltosos foram revelados às forças da repressão e os líderes do movimento foram perseguidos e castigados brutalmente. Foram cerca de 70 mortos e 500 insurgentes punidos com penas de morte, prisão, açoites e deportação.

A pretensa rainha conseguiu fugir para o Rio de Janeiro (1837), onde continuou a luta pela liberdade de seu povo até ser presa e desapareceu (1838), podendo ter sido deportada para a África. Como negra africana, livre, da nação nagô, pagã, sempre recusou o batismo e a doutrina cristã, e um de seus filhos naturais tornou-se poeta e um dos maiores abolicionista do Brasil, Luís Gama (1830-1882), nascido em Salvador e morto em São Paulo. Por iniciativa do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, seu nome foi dado (1985) a uma praça em Cruz das Almas, bairro da capital paulista.